O espetáculo começa. Em cena, atores contracenam com movimentos e expressões que auxiliam a contar uma história. O cenário é especialmente preparado para envolver o público. A iluminação é toda criada para dar mais veracidade à trama. Os personagens passam do dia para a noite com a mudança da luz no palco. Na dança, a iluminação e cenário atuam com a mesma proposta de envolver o público na atmosfera cenográfica.
Para as pessoas que estão na plateia sem deficiência visual, esses artifícios ajudam a entender o enredo, mas como garantir essa mesma oportunidade para pessoas com deficiência visual? Essa é a proposta da pesquisa desenvolvida no projeto de pesquisa Audiodescrição nas artes cênicas: a construção de um olhar estético considerando a não vidência, que busca possibilitar uma experiência estética acessível para as pessoas com deficiência visual do Rio Grande do Norte.
De acordo com a pesquisa, a ideia é contribuir para a formação no campo da acessibilidade cultural e educacional do teatro, buscando sistematizar alguns parâmetros para audiodescrição da linguagem cênica. Para isso, explica o coordenador do projeto, Jefferson Fernandes Alves, professor e diretor do Centro de Educação da UFRN, que o objetivo é contribuir com a acessibilidade de dois espetáculos, um de teatro e outro de dança.
“Quanto aos espetáculos que serão objetos da roteirização e locução em audiodescrição, já escolhemos um deles, o Abrazo, da Companhia Clowns Shakespeare de Natal. O espetáculo de dança ainda está em processo de seleção”, explicou o professor. O Abrazo conta a história de um lugar em que não é permitido abraçar, e nesse local os personagens contam histórias de encontros, despedidas, opressão, exílio e, porque não, de afeto e liberdade. O espetáculo foi produzido sem a palavra oral e é inspirado na obra O Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano.
O projeto propõe oficinas para a construção dos roteiros e locução em audiodescrição para as artes cênicas, que têm um papel de, ao mesmo tempo dar conta da audiodescrição, e ainda construir uma ambiência formativa e sensível em torno da temática.
O estudo se destaca por tratar da observância dos direitos culturais da pessoa com deficiência, que merecem processos tradutórios que contribuam para a apropriação artística dos espetáculos. “Não basta construir um processo tradutório baseado na audiodescrição como forma de compartilhamento das informações, mas é preciso que se garanta que essas informações estejam vinculadas a natureza artística e poética dos espetáculos, daí a ideia dessa investigação no diálogo entre a obra artística e a dimensão poética da audiodescrição dos espetáculos nos campo das artes cênicas”, pontua Jefferson Fernandes.
A pesquisa estava programada para ser concluída até o mês de setembro, mas devido a sua complexidade e também em decorrência da pandemia, deverá ser prorrogada por mais um ano. “A nossa expectativa é descrever dois espetáculos e estamos em processo de roteirização, e vai demandar mais tempo”, coloca o professor. Segundo ele, a ideia do projeto surgiu em 2019, no contexto de reflexão de compreender a audiodescrição a partir da perspectiva poética das artes cênicas.
No processo investigativo, além da colaboração do professor Eduardo Cardoso (UFRGS), pretende-se contar com a participação de três audiodescritoras do Nordeste, com experiência na área de artes cênicas, assumindo os papéis de colaboradores, consultores e validadores externos, mediando, presencialmente, alguma das etapas da oficina ou atuando por meio virtual (WhatsApp ou videoconferência). São elas as professoras Larissa Hobi Martins (João Pessoa), Bruna Alves Leão (Fortaleza) e Andreza da Nóbrega Arruda Silva (Recife).
O projeto tem ainda a participação da professora e pesquisadora convidada Lívia Motta. Ela é considerada a principal audiodescritora do país, a qual foi pioneira na audiodescrição das artes cênicas, tornando acessíveis os primeiros espetáculos de teatro e de dança, em São Paulo, a partir do ano de 2006.
A pesquisa foi contemplada no edital 05/2019 PROPESQ/PPG/SIA/UFRN – TECNOLOGIA ASSISTIVA, que teve como objetivo apoiar projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação que visem a contribuir significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação do país na área de Tecnologia Assistiva.
Vale destacar que a Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando a sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
Segundo a pró-reitora adjunta de Pesquisa, Elaine Gavioli, foram 30 projetos inscritos no edital e 12 destes foram financiados. “Tivemos projetos aprovados das três grandes áreas do conhecimento (ciências da vida; exatas, da terra e engenharias; e humanas, sociais, letras e artes), o que mostra a diversidade das propostas aprovadas”, comemora.
Para ela, esse edital tem relevância/importância para a sociedade, já que os resultados dos projetos visam diretamente a contribuir para as políticas de inclusão e acessibilidade. “O projeto de audiodescrição em artes cênicas é de extrema relevância, já que promove acesso à cultura para indivíduos com deficiência visual, que sem ações desse tipo, estão naturalmente excluídos”, frisa.
Fonte: Agecom/UFRN