Computadores avançam, cientistas criam o novo

Por volta de 1890, uma nova forma de processamento de dados provocou uma mudança drástica na contagem dos censos da época. Tratava-se de uma máquina de contabilizar considerada precursora do moderno sistema de processamento de dados. Seu sistema usava cartões perfurados e agulhas metálicas. No “encontro” das duas ferramentas, fecha-se o circuito elétrico, acionando, assim, o sistema de contagem. De acordo com a posição dos furos, o sistema fornecia informações como idade ou profissão do entrevistado. A memória, neste caso, baseava-se em cartões perfurados. Com a invenção, o censo nos Estados Unidos foi concluído em um tempo quase quatro vezes menor.

Pouco mais de meio século após, uma outra transformação — mais profunda até — em termos de processamento e armazenamento de informações acontece e projeta-se até os dias atuais. Com o auxílio do uso dos transistores, John Von Neumann formula uma proposta na qual as instruções passem a ficar armazenadas na memória do computador. Assim, toda vez em que precisássemos executar um comando, a máquina remetia a uma informação já existente dentro dela. Em consequência, a rapidez no processamento aumenta. Esse modelo de execução é o paradigma dos modelos convencionais de computadores, conhecidos como modelo de Von Neumann. A título ilustrativo, conceitos como CPU, memória, dispositivos de entrada e dispositivos de saída estão baseados metaforicamente a partir dessa ‘arquitetura’ eletrônica.

O aumento da imersão do real no plano digital, contudo, impõe cada vez mais a necessidade de rapidez no processo de transferir informação. Esse contexto desencadeia, neste início de segundo milênio, um esforço coletivo de toda uma comunidade de cientistas e da indústria para tentar superar os limites das soluções anteriores. Pensando nisso, os cientistas Ivan Saraiva Silva e Sílvio Roberto Fernandes de Araújo desenvolveram e receberam neste mês de junho o patenteamento de uma nova tecnologia, um modelo teórico de processador que muda o paradigma dos modelos convencionais baseados no modelo de Von Neumann.

Propriedade intelectual patenteada é um modelo teórico de um processador não convencional de propósito geral para computadores, batizado de IPNoSys (Integrated Processing Noc System)

Eles explicam que nos processadores convencionais os programas são convertidos em código binário após o processo de compilação, o qual é carregado na memória antes de ser executado. Durante a execução do programa, o processador busca uma pequena porção desse código binário, normalmente relativo a uma instrução do processador. De modo análogo, a depender da instrução, dados podem ser buscados ou gravados na memória, usados para realizar alguma operação ou guardar os resultados. E assim o processador convencional busca e executa individualmente todas as instruções e dados na memória até o fim do programa.

Entretanto, com a tecnologia desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sistemas e Computação (PPgSC) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), essa lógica é redeterminada, tendo como horizonte o aumento de desempenho, com ênfase em tempo de execução dos programas, memória requerida e consumo energético. “Em IPNoSys, o processador patenteado, as instruções e respectivos dados são colocados em pacotes, os quais saem das memórias e enquanto trafegam pela grelha de elementos processantes, as instruções são executadas e os resultados intermediários reinseridos nos pacotes, sem a necessidade de buscas sucessivas nas memórias. Com esta solução, há menos acessos à memória e é possível executar instruções em paralelo, de modo que é possível executar os programas mais rapidamente em comparação com processadores convencionais com mesma capacidade de elementos processantes”, coloca Sílvio Roberto Fernandes de Araújo.

Na época doutorando do PPgSC, Araújo atualmente é professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), localizada na cidade de Mossoró/RN, onde desenvolve trabalhos com grupos de pesquisa na UFRN, Ufersa e Universidade Federal do Piauí (UFPI) — esta última abriga hoje Ivan Saraiva. Em 2009, ano do depósito do pedido de patente, Saraiva era professor da UFRN, mais especificamente do Departamento de Informática e Matemática Aplicada (DIMAP). Ao todo, além da tese de doutorado de um dos inventores, as publicações relacionadas ao processador IPNoSys correspondem a onze artigos em conferências, oito artigos periódicos, um capítulo de livro e um livro completo, além de sete outros trabalhos acadêmicos, entre TCCs, dissertações e teses.

Sílvio desenvolveu e testou o IPNoSys no LASIC – Foto: Arquivo pessoal/Pesquisador

“Essa carta-patente engloba o modelo de execução, o formato binário dos programas, em forma de pacote de instruções, e o respectivo modelo arquitetural do hardware que pode colocá-lo em prática”, pontua Saraiva. O hardware citado corresponde a um conjunto de elementos processantes simples dispostos em forma de uma grelha de duas dimensões, semelhante a um tabuleiro de xadrez, de modo que é possível acontecer comunicação entre os elementos próximos. Além disso, possui quatro memórias dispostas nos quatro cantos da grelha. Em sua lógica de funcionamento, o processador IPNoSys pode executar quaisquer aplicações desenvolvidas por meio de programação, utilizando as instruções que ele disponibiliza, porém com um modelo próprio de execução e algumas instruções específicas e não convencionais.

O simulador do hardware foi desenvolvido usando uma linguagem de descrição com nível de precisão RTL (Register-Transfer Level). A partir desse modelo inicial, já foram desenvolvidas outras duas versões que melhoram ainda mais seu desempenho, mantendo a compatibilidade do conjunto de instruções, o que é chamado de família de processadores, como acontece com modelos comerciais. “Não existe um protótipo físico deste processador, de modo que a prova de conceito do seu funcionamento e eficiência são experimentais, realizada por meio de simulação com alta precisão, assim como acontece em qualquer projeto de processadores inicialmente”, frisa Silvio Araújo.

Patenteamento

Carta-patente concedida é a 32º da UFRN e tem a denominação Sistema integrado de processamento baseado em redes em chip que não faz uso de processadores do tipo Von Neumann

A caminhada que culmina na carta-patente é longa, bem mais do que propriamente o tempo superior a uma década. Contudo isso não afasta a relevância do patenteamento. “A patente é o título de propriedade de um dado invento, assim como a escritura é para o instrumento que reconhece a propriedade de um bem tangível, como um imóvel. Ela garante que apenas o titular ou terceiros, com a sua permissão, possam explorar economicamente o invento. Dessa forma, através do sistema de patentes, é possível obter recursos financeiros para novamente investir no desenvolvimento de novas tecnologias ou incrementos.”, coloca o diretor da Agência de Inovação (AGIR), Daniel de Lima Pontes.

Dentro da UFRN, a AGIR é a responsável por propiciar o suporte operacional aos inventores, desde o depósito até a concessão, bem como nos trâmites para possível transferência da tecnologia para o setor produtivo. Nesse processo, ela avalia se estão presentes os requisitos de patenteabilidade, tais como a novidade, capacidade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva, e orienta os pesquisadores quanto aos ajustes necessários. Daniel Pontes esclarece que um outro aspecto no processo de patenteamento é justamente o reconhecimento da capacidade inventiva de um grupo de pesquisadores ou laboratórios no desenvolvimento de tecnologias em uma dada área do conhecimento, o que atrai investimento de empresas interessadas em novos desenvolvimentos.

Além de avaliar os requisitos de patenteabilidade, cabe à AGIR a proteção e gestão dos ativos de propriedade intelectual da UFRN, como patentes e programas de computador. Em tempos de pandemia, as orientações e explicações a respeito dos aspectos para patentear uma determinada invenção são dadas mediante o e-mail patente@agir.ufrn.br ou via aplicativos de mensagens, pelo telefone (84) 9 9167-6589. As notificações de invenção, por sua vez, são feitas por meio do Sigaa, pela aba Pesquisa. Em seguida, a equipe da AGIR entra em contato com o inventor para dar prosseguimento aos trâmites.

Fonte: AGIR/UFRN

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