Com uma das biodiversidades mais proeminentes do mundo, o Brasil continua sendo um imenso laboratório para descobertas importantes em várias áreas, inclusive na alimentícia. Conhecidas por populações tradicionais, plantas como bacuri, monguba, beldroega, chanana, palma, araruta, taioba, cumaru, pequi, bacuri, pitomba, jenipapo e muitas outras têm sido usadas para diversos preparos, desde os medicinais, até os alimentícios. Acontece que uma pequena parcela da população brasileira as conhece e sabe de seu potencial. Pensando nisso, acaba de ser lançado o livro Local Food Plants of Brazil (Plantas Alimentícias Locais do Brasil), que traz a composição de plantas comestíveis da Caatinga, Cerrado, Pampa, Amazônia e Pantanal.
Publicado pela editora Springer, o livro foi organizado pelos professores Michelle Jacob, do departamento de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Ulysses Paulino de Albuquerque, do departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). São 21 capítulos apresentando o trabalho de pesquisadores do Brasil e estrangeiros sobre a biodiversidade das plantas locais brasileiras e seu papel em dietas sustentáveis e saudáveis. A proposta é oferecer mais informações sobre a composição nutricional das chamadas PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais) e informar como é possível inseri-las como diversificação na dieta dos brasileiros, inclusive nas escolas.
Segundo Michelle Jacob, o livro é inédito no que diz respeito à perspectiva multidisciplinar desse campo complexo, embora seja crescente o interesse acadêmico por plantas alimentícias locais, assunto que se encontra nas fronteiras do conhecimento de várias áreas, desde nutrição, ciências ambientais, saúde pública e até humanidades. “Plantas alimentícias locais estão no centro de dietas sustentáveis porque têm o potencial de tornar as dietas mais diversificadas e, logo, mais nutritivas. Além disso, o redirecionamento do nosso sistema produtivo, visando a abarcar as plantas locais, pode fortalecer a resiliência dos sistemas alimentares frente às mudanças climáticas, contaminação química por agrotóxicos e emergência de surtos zoonóticos, como é o caso da covid-19”, diz Jacob.
Alimentação nas escolas
Os autores comentam que, atualmente, 60% das calorias consumidas no mundo provém do trigo, milho e arroz, o que mostra que as dietas da humanidade estão cada vez mais homogêneas, mesmo em países com a biodiversidade e as tradições das comunidades originárias como o Brasil. O pior é que, segundo os pesquisadores, em várias regiões, os alimentos nativos chegam a ser estigmatizados, o que os tornam ainda menos atrativos.
O livro traz uma perspectiva desses alimentos também na educação brasileira, a partir da observação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade (PNPSB) e de outras políticas públicas. Ao analisar o cardápio de escolas de 221 cidades, os cientistas observaram que nenhum município das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste ofereceu a seus alunos alimentos orgânicos. Como única região a olhar com atenção para esse ponto, todas as cidades do Sul compraram alimentos regionais, e 21,57% das prefeituras adquiriram alimentos orgânicos para a merenda escolar.
Uma das propostas do livro é inspirar pessoas e organismos públicos a promoverem dietas mais sustentáveis a partir da valorização dos biomas e culturas locais. Michelle Jacob explica que os autores seguem trabalhando para ampliar a compreensão sobre esse tema a fim de oferecer, cada vez mais, soluções para a melhoria do sistema alimentar das populações do Brasil. “Os autores seguem engajados nas pesquisas em suas diferentes áreas”, reforça a pesquisadora.
Tecnologia a favor da biodiversidade
Para além de apresentar as plantas brasileiras, o livro Local Food Plants of Brazil oferece ainda várias outras alternativas de aprendizagens, além de ferramentas e tecnologias para tornar esse trabalho mais acessível. É o caso da Neide (NEuralnet IDEntification of unconventional food plants), inteligência artificial capaz de identificar dez espécies de PANC, criada para servir como ferramenta educativa nas atividades do Laboratório Horta Comunitária Nutrir (LabNutrir) da UFRN.
Desenvolvida tecnicamente pelo professor Elias Jacob, do Laboratório de Governança Pública (LabGov/UFRN), que trabalha com inteligência artificial, a ideia de criar um dispositivo capaz de auxiliar na identificação de certas espécies de plantas foi do aluno do curso de Nutrição, Djackson Garcia.
“Costumávamos confeccionar sinalização externa em madeira para identificar as PANC, mas a durabilidade desses marcadores de plantas era curta, considerando que ficavam expostos às variações climáticas. Além disso, queríamos impulsionar nossas práticas de ensino com tecnologia, envolvendo nossos alunos e visitantes por meio de métodos ativos como o mobile-learning. Dessa necessidade prática, nasceu a Neide”, explica a professora Michelle Jacob, que também é coordenadora do LabNutrir.
Baseado na web e usando redes neurais convolucionais (um tipo de inteligência artificial) para identificar PANC, a robô Neide está registrada como programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Seu nome é uma homenagem a Neide Rigo, nutricionista e uma das maiores especialistas em PANC no Brasil.
Neide está programada para identificar dez espécies de PANC: picão-preto (Bidens pilosa L.), urucum (Bixa orellana L.), clitoria (Clitoria ternatea L.), trapoeraba (Commelina erecta L.), cana-do-brejo (Costus spiralis (Jacq.) Roscoe), trevinho (Oxalis regnelli var. triangularis Miq.), erva-de-jabuti (Peperomia pellucida (L.) Kunth), boldinho (Plectranthus ornatus Codd.), almeirão-roxo (Chicorium intybus L. “Roxo”) e beldroega (Portulaca oleracea L.).
Para isso, o usuário deve acessar seu endereço eletrônico e fazer o upload da fotografia da planta que deseja identificar. Após a análise, a robô indica o nome da planta com o percentual de confiança da sua análise (exemplo: “há 65% de chance de essa planta ser clitória”). “Os resultados em que o percentual de confiança de Neide estão abaixo de 50% são omitidos por uma questão de segurança. Os resultados de 50 – 70% são exibidos em cor vermelha; de 70 – 85%, em amarelo; e maior que 85%, em verde”, destaca Michelle Jacob.
Fonte: Agecom/UFRN