Baixo Rio Tapajós

Como a passagem de 30 anos pode interferir na vida de alguém? Certamente é tempo suficiente para crescer, escolher uma profissão, mudar de ideia, ter filhos, formar convicções, ser convencido do contrário, ver gerações diferentes nascerem e tantas outras coisas das quais uma longa lista não daria conta.

Nesse mesmo período, caso nenhuma atitude seja tomada imediatamente, a natureza pode experimentar mudanças drásticas. A atividade humana tem acelerado significativamente a degradação do meio ambiente, fato que deve afetar o modo de vida de todos em alguma medida.

Um exemplo disso está na região do baixo Rio Tapajós, localizado no estado do Pará, em meio à Floresta Amazônica. De acordo com estudo realizado por cientistas do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO/UFRN), nos próximos 30 anos a quantidade de peixes que vivem nessa porção do rio deve ser duramente afetada, podendo perder até 23% de sua população.

Baixo Rio Tapajós, localizado no estado do Pará – Foto: Renato Azevedo Matias Silvano – Cedida

Entre as principais razões apontadas pelos pesquisadores estão a pesca e a perda de floresta inundada por conta do uso não autorizado de solo. É o que aponta o artigo Modelagem da teia alimentar indica os impactos potenciais do aumento do desmatamento e da pressão da pesca no rio Tapajós, na Amazônia brasileira, recém publicado no periódico Regional Environmental Change.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores utilizaram uma modelagem ecológica, reunindo todo o conhecimento biológico acumulado acerca daquele ecossistema. Trata-se do primeiro trabalho científico com abordagem quantitativa híbrida, usando conhecimento ecológico local e pesquisa de laboratório, a relatar os possíveis impactos da perda de floresta alagada e da pesca para o baixo Rio Tapajós.

“Entrevistando e pedindo aos pescadores das comunidades ribeirinhas para registrar os desembarques de pesca durante um ano, conseguimos saber quais espécies de peixes são pescadas e em que quantidade. Com estes dados, fizemos um modelo matemático de teia trófica, a partir do qual podemos simular o aumento da pesca ou, por exemplo, a perda de floresta alagada”, explica o pesquisador Leonardo Capitani, doutorando do PPGECO e primeiro autor do artigo.

Pesquisador Leonardo Capitani – Foto: Renato Azevedo Matias Silvano – Cedida

Naturalmente os peixes são elemento central na realidade cotidiana no baixo Rio Tapajós. Vivem na região cerca de 25 mil pessoas, distribuídas em 11 comunidades ribeirinhas, cujas principais atividades de sustento são a pesca e a agricultura familiar. Nessas localidades, o consumo de peixes per capita pode chegar a meio quilo por dia.

No que diz respeito à pesca, as implicações apontadas no estudo estendem-se desde os costumes alimentares à economia das comunidades. A tendência é que espécies de maior tamanho sejam mais afetadas, especialmente considerando que as de menor porte são capazes de se reproduzir com maior velocidade e resistir mais à pressão gerada pela pesca.

“Isso, em geral, cria um ecossistema com menos espécies de grande valor comercial. Ou seja, além de perder biodiversidade na região, os pescadores verão mudar os tipos de peixes que normalmente pescavam. Pouco a pouco essas comunidades ribeirinhas terão de se acostumar a comer peixes menores e de menor valor comercial”, prevê o cientista.

Espécies de maior tamanho são mais afetadas – Foto: Renato Azevedo Matias Silvano – Cedida

Porém a maior ameaça é a perda de florestas inundáveis. Seja por desmatamento ou pela conversão do uso do solo, atualmente tal fato ocorre num ritmo de 1,4% ao ano na região. Com esses números, espera-se que, nos próximos 30 anos, o baixo Rio Tapajós deixe de contar com 23% de sua população de peixes, entre os quais serão mais prejudicados o tambaqui (C. Macropomum), a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) e o filhote (Brachyplatystoma filamentosum).[

Importantes para os moradores, essenciais à existência saudável da floresta. Os peixes realizam funções ao longo de toda a bacia hidrográfica da Amazônia, fazendo a dispersão de sementes, a ciclagem e o transporte de energia entre rios pobres e ricos em nutrientes. Por isso, estudos como este podem marcar uma virada no destino da região.

“Considero que esses resultados são um ponto de partida para estimular mais trabalhos na região do baixo Rio Tapajós. Indicam que precisamos de monitoramento constante dos estoques de peixes no baixo Amazonas. As comunidades ribeirinhas não são o problema, mas a solução, já que podem participar do manejo com pesquisadores e gestores das unidades de conservação”, comenta Capitani.

Peixes realizam a dispersão de sementes na bacia hidrográfica – Foto: Leonardo Capitani – Cedida

Podem ajudar ainda na preservação dessas áreas as duas unidades de conservação criadas na região: Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns e Floresta Nacional do Tapajós (FLONA). Na avaliação dos pesquisadores, elas servem como um escudo contra decisões de desmatamento ou uso da floresta alagada para diferentes fins.

Leonardo Capitani ainda ressalta que a modelagem foi um exercício matemático de previsão e, portanto, as mudanças preditas não necessariamente vão acontecer. Fica, no entanto, o alerta da ciência para a necessidade de atenção aos peixes do baixo Rio Tapajós, pois assim uma entre tantas possibilidades da vida de qualquer pessoa em 30 anos será a certeza de ver a natureza daquela região viva.

Modelagem da pesquisa é exercício matemático de previsão – Foto: Renato Azevedo Matias Silvano – Cedida

Também assinam o artigo os pesquisadores Ronaldo Angelini, do Departamento de Engenharia Civil da UFRN, Friedrich Wolfgang Keppeler, do Centro de Limnologia da Universidade do Wisconsin (Estados Unidos), Gustavo Hallwass, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), e Renato Azevedo Matias Silvano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Fonte: Agecom/UFRN

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