Além dos problemas inerentes a pandemia em si, o mundo parece ter entrado em uma espiral de ódio e desponderação sem precedentes. Não bastasse o racha dualista que dividiu o planeta entre extrema-direita e extrema-esquerda, ocidente e médio-oriente, defensores da tradição e propositores dos “novo normal”, lidamos ainda com a impaciência e/ou incapacidade de diálogo. Algo que, numa era de hipercomunicação, se torna uma contradição que acende alertas.
A impressão que se tem é que as pessoas estão buscando, pura e simplesmente, por batalhas as quais se engajarem. Não se trata de ansiar por um objetivo ou atingir metas propostas por uma pauta, mas apenas a luta pela luta, uma sanha por sentir-se inserido em meio a uma causa. Não fosse assim, a busca maior seria, antes de mais nada, tornar a mensagem proposta a mais clara possível, conseguindo “adeptos” e não “maioria numérica” em um exército.
Atualmente, definir-se como partícipe ou simpatizante de uma causa é sinônimo imediato de contraposição irreconciliável com uma outra. A convivência, a tolerância e o respeito as diferenças vão sendo postos em enésimo plano de importância, consequentemente dando lugar a absurdos e extremismos pertencentes a períodos trevosos da humanidade, quando o acesso, a difusão e até mesmo a produção do conhecimento eram privilégio de uns poucos. Mas, em plena era digital e de hipermídia, o que justifica tamanho retrocesso? Sem causa, mas com efeitos, vivemos moderníssimas “modas velhas” – que o diga o terraplanismo saído do século XV e que aportou em pleno século XXI, platinado decafonice histórica pura.
Deixamos para trás uma guerra velada, cheia de temas não discutidos e dotada de uma harmonia hipócrita, lastreada no silêncio das partes interessadas, para caímos no extremo oposto, onde o que impera é a cacofonia de vozes. São tantos interlocutores procurando dar o seu “pitaco” e dizerem quem tem ou não “o lugar de fala” (novíssima frase/termocult-cool-prafrentex-pós-moderno…), que no fundo ninguém diz nada, apenas esperneiam e berram palavras de ordem, tal como meninos fazendo birra no chão do supermercado.E assim inauguramos a era da “barbárie intelectualóide”, onde fins ou a falta deles (tanto faz…) justificam meios e atitudes os mais esdrúxulos.
Diante deste contexto, me vem à mente os tribunais improvisados da Revolução Francesa, também conhecidos como Tribunais Populares. Com essa alcunha proposital e inquestionável, todos os discordantes recebiam a pecha de “inimigos do povo”, além de condenações que se fundamentavam na autoridade autoconcedida aos julgadores.Porém, o que mais me cai como um “aviso profético” foi o que ocorreu após a radicalização da Revolução, onde os próprios propositores destes tribunais se tornaram alvo deles e acabaram executados.
E assim, tal como ocorreu com a Revolução (necessária e bem-vinda, diga-se de passagem), apenas a conscientização e o respeito a vida poderão garantir frutos benéficos a humanidade.Enquanto chamarmos esta falta de paz e entendimento de “futuro”, estaremos ancorados num “passado” que lutamos para esquecer. E é de lá que nos vem o aviso: suaequisque fortuna faber est (“o homem é arquiteto de sua própria sorte”).