O brilho da estrela

A ideia de que a luz também sofre o efeito da gravidade não é nova. No século XIX, os pesquisadores já teorizavam sobre qual seria a deflexão que um raio de luz sofreria ao passar próximo ao sol: a deflexão que as estrelas próximas ao Sol sofreriam foi apontada por Albert Einstein como um dos resultados da sua Teoria da Relatividade Geral. A primeira constatação experimental da veracidade da teoria de Einstein aconteceu em 1919, durante um peculiar eclipse solar total que despertou a curiosidade da comunidade científica e foi observado simultaneamente a partir da cidade de Sobral, no Ceará, e da Ilha de Príncipe, na costa oeste da África.

O resultado foi que a partir da observação do fenômeno e das fotografias tiradas durante o evento foi observado que as estrelas não estavam onde se esperava que estivessem. Após isso, em 1936, Einstein publicou um pequeno artigo em que previa um efeito de “lente” se houvesse o alinhamento entre dois astros e o observador. Hoje essa teoria é conhecida como efeito de Lente Gravitacional, assunto que inspirou o pesquisador Leandro de Almeida, doutorando do Departamento de Física Teórica e Experimental da UFRN, a defender no mês de março a tese Aplicação da técnica de Microlentes Gravitacionais na busca de Exoplanetas de baixa massa, sob orientação do professor José Dias do Nascimento Jr.

Leandro tem como especialidade caçar planetas pequenos em estrelas distantes usando Microlentes Gravitacionais (MG). A sua pesquisa, inovadora, é a primeira tese brasileira focada na busca de planetas fora do sistema solar através da técnica MG. “Essa é mais uma técnica possível para detecção de exoplanetas. Existem outras, como a observação do trânsito planetário, por exemplo, mas essa utiliza os princípios da relatividade geral de Einstein, que diz que a luz também sofre o efeito de mudar o seu caminho por causa da gravidade. Então usamos estrelas, que são corpos de muita massa, como lentes, e isto permite magnificar as estrelas que estão atrás e assim apontar os exoplanetas”, explica.

O orientador da tese, o astrônomo e professor de astrofísica da UFRN, José Dias do Nascimento Jr. demonstra empolgação com a nova técnica, que pode ser a chave para novas descobertas. “Essa etapa é um passo importante no sentido da ciência que devemos explorar nas próximas décadas no Brasil e na UFRN. Estamos nos preparando para o uso dos telescópios espaciais da NASA e ESA, programados para entrar em operação a partir 2026,” afirma o  professor.

A luz e a lente

A luz da estrela no fundo (Fonte) é magnificada pelo sistema de lentes (estrela e planeta) que está no meio do caminho até o observador – Imagem: Leandro de Almeida – Cedida

Quando falamos do alinhamento de estrelas, ou seja, uma estrela passando na frente da outra na perspectiva do observador, isso gera um efeito de lente tão pequeno, na escala de microssegundos de arco (1 grau é equivalente a 3.600.000.000 microssegundos de arco), que não é possível ver a deflexão da estrela, mas sim a sua magnificação (aumento aparente do seu brilho). Se a estrela que está causando o efeito de lente tem um planeta, o aumento do brilho da estrela que está lá atrás irá se comportar de acordo com as equações da então chamada Teoria de Microlentes Gravitacionais.

Esses eventos de Microlentes Gravitacionais (MG) acontecem quando, a partir da perspectiva do observador, há um alinhamento entre duas estrelas, uma mais ao fundo (fonte) e outra no meio do caminho (lente). Esse alinhamento faz com que a luz da fonte sofra um desvio do seu caminho original. O desvio da luz gera um aumento do brilho da estrela do fundo e se as duas estrelas possuem movimentos relativos, uma curva de luz característica é produzida.

Se a estrela-lente possui um planeta, podemos inferir a sua presença por meio da análise cuidadosa dessa curva de luz e determinar as frações de massa do sistema e também o semieixo maior aparente (a distância do planeta até a estrela). Essa técnica se diferencia das outras, pois é a única que consegue detectar planetas pequenos distantes de suas estrelas. Esses planetas são essenciais para o preenchimento do censo de exoplanetas que temos em nossa galáxia. 

A Tese

Um dos principais resultados do doutorado foi a publicação de uma nova parametrização das equações de Microlentes Gravitacionais para buscar, de maneira eficiente, planetas com a massa da Terra em estrelas com a massa do Sol. O trabalho foi publicado na revista americana The Astronomical Journal em 2018 e faz parte de um dos capítulos da tese de Leandro, que aplica esse novo método em dados públicos e consegue, de maneira muito precisa, detectar dois candidatos a planetas que passaram despercebidos nas observações no passado.

Além do trabalho publicado, Leandro participou, como investigador principal, de diversas campanhas observacionais nos telescópios do Observatório Pico dos Dias (OPD), localizado na cidade de Brazópolis, Minas Gerais. Essas observações fizeram parte de uma colaboração de Leandro e do professor José Dias com o grupo MicroFun, da Universidade de Ohio, nos EUA. “As colaborações de que participei durante o doutorado, nas diversas áreas da astrofísica, me ajudaram bastante em todo o processo, e a experiência de trabalhar com pesquisadores internacionais é algo engrandecedor para quem está iniciando a carreira científica”, comenta Leandro.

A colaboração teve como objetivo monitorar e catalogar eventos de MG na direção do centro de nossa galáxia, para tentar detectar e caracterizar pequenos planetas em conjunto de observações do telescópio espacial Spitzer. Dois novos candidatos a planeta foram observados por Leandro no OPD em conjunto da colaboração, e as análises desses sistemas planetários, juntamente com os detalhes observacionais, também fazem parte de um capítulo da tese. “Uma das atividades mais excitantes para mim foi observar presencialmente no Observatório Pico dos Dias. A experiência de se estar lá na sala de controle, dando os comandos para guiar o telescópio de 1.6 m e fazer as observações, é algo que todo astrônomo deve passar pelo menos uma vez”, diz.

Entre 2018 e 2020, Leandro colaborou com a observação de 88 eventos de Microlentes Gravitacionais e 36 alertas em colaboração com a MicroFun – Foto: Arquivo pessoal – Leandro de Almeida – Cedida

No ano de 2020, por conta da pandemia relacionada à covid-19, muitos observatórios que fazem parte da colaboração MicroFun tiveram de suspender suas operações para assegurar a saúde de suas equipes. Isso gerou uma espécie “buraco observacional”, em que não havia dados para gerar os alertas para a colaboração. Isso acabou possibilitando ao OPD contribuir com uma estratégia de “mini survey”, em que eram assistidos os campos dos Observatórios que haviam suspendido as operações, principalmente a rede KMTNet (Korean Microlensing Telescope Network), contemplando campos pré-determinados para ajudar na criação de alertas para a colaboração.

25 subsetores do setor 42 da KMTNet foram observados a partir do telescópio B&C de 0.6m no OPD – Imagem: Leandro de Almeida – Cedida

Outras descobertas

Além dos candidatos a planeta apresentados na tese, Leandro também é, em parceria com o seu orientador, o professor José dias, coautor da descoberta de dois outros planetas, detectados com o telescópio espacial Kepler e com o telescópio espacial TESS: o KIC10544976 (AB) b e TOI-257b. O primeiro é um planeta com 13 massas de Júpiter que orbita um sistema binário em que uma das estrelas já morreu e é agora uma anã branca. O segundo é um planeta sub-saturniano em torno de uma estrela evoluída que foi precisamente estudada utilizando asterosismologia.

Leandro é coautor da descoberta de dois outros planetas: o KIC10544976 (AB) b e TOI-257b – Foto: Arquivo pessoal – Leandro de Almeida – Cedida

Fonte: Agecom/UFRN

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