Retratada tantas vezes em letras e versos de canções da Música Popular Brasileira (MPB), a Terra, nossa casa comum, morada de todos, vem dando sinais de que precisa de mais cuidado. É necessário darmos uma atenção maior à forma como nos relacionamos com ela. O compositor e cantor Beto Guedes, ainda em 1981, já convidava todos na canção Sal da Terra a contribuir para arrumar a Casa Comum, ao entoar “Anda, quero te dizer nenhum segredo. Falo desse chão da nossa casa. Vem que tá na hora de arrumar”.
Com a proposta de disseminar uma consciência comum voltada para problemas como a contaminação na natureza, a conservação da biodiversidade no Planeta e outras preocupações na área ambiental que busquem a proteção à Terra, teve origem, por meio da ação do senador americano Gaylord Nelson, o Dia Mundial da Terra, em 22 de abril de 1970. Em 2009, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu que a data celebraria o Dia da Mãe Terra ou Dia do Planeta Terra.
O cuidado com o planeta perpassa por diversas questões, como o consumo consciente, uso racional da água e dos recursos energéticos, preservação dos mares, respeito à natureza e a todos os seres que nela habitam.
Diversas iniciativas em todo o mundo têm buscado contribuir para uma relação mais sustentável com a natureza. A preocupação com o meio ambiente vem ganhando cada vez mais espaço na sociedade. Na UFRN, vários grupos de pesquisa trazem a temática como foco de discussões e estudos que venham a colaborar para uma relação mais sustentável com o planeta.
Consciência social
Jeferson Rocha – CCSA/UFRN
Um desses grupos que pensa nossa convivência com a Terra de uma perspectiva bem peculiar é o Felicidade e Cidadania, coordenado pelos professores Fabiano Mendonça e Marise Costa, ligados ao Departamento de Direito Público (DIPUB) do CCSA/UFRN. No grupo, a professora Marise coordena a linha de pesquisa Felicidade e Sustentabilidade, que estuda, de forma interdisciplinar, a relação entre a felicidade humana e sua convivência com o planeta.
Pensar nessa perspectiva, talvez, gere estranheza, considerando o preconceito que muitos ainda têm sobre o tema da felicidade, algo que parece óbvio, corriqueiro, individual. Mas, para a professora Marise, o tema é muito mais complexo do que pensamos: “Felicidade, compreendida como bem estar interior (da alma, como nos disse Sócrates), não depende de objetos/coisas materiais, mas de valores imateriais, essencialmente dos valores mais profundos que estão dentro de nós. Esse sentimento (que nos preenche o ser) leva a hábitos mais racionais, como a reflexão sobre o fato de que não precisamos comprar, comprar e comprar, ter, ter e ter, para nos sentirmos mais felizes e mais admirados, e isso reflete em nossa convivência, em nosso planeta”.
O grupo vem realizando discussões, produzindo artigos científicos e participando de eventos nacionais e internacionais sobre o tema da felicidade e sustentabilidade. Para isso, parte da compreensão de que há estudos e outros pesquisadores mundo afora que refletem sobre o tema a partir da percepção de que há uma crise dos aspectos sociais que valorizam o homem como centro de tudo, apontando para uma reflexão sobre a necessidade de conexão com a natureza.
“O que leva a gente a celebrar o Dia da Terra como um alerta é a necessidade de mudar o paradigma antropocêntrico que nos trouxe à situação em que vivemos. No Direito, por exemplo, a gente começa a olhar a proteção do meio ambiente para além do interesse do ser humano, saindo de uma perspectiva antropocêntrica para uma visão biocêntrica e ecocêntrica – o que nos possibilita trazer ao foco os direitos dos animais e os direitos da natureza, respectivamente – a partir da compreensão de que devem merecer proteção intrínseca independentemente de sua utilidade para o ser humano”, coloca a professora.
Assim, para uma convivência melhor com o planeta Terra, o grupo aborda a felicidade em aspectos amplos a partir de discussões internacionais, como as abordadas pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), que envolvem vários campos do conhecimento com inspiração em realidades como a do Butão, que desde a década de 1970 mede seu desenvolvimento a partir do Índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), ao invés do Produto Interno Bruto (PIB) – que engloba aspectos que não levam em conta nem refletem diretamente o desenvolvimento do ser humano.
O trabalho de grupos como o da UFRN e de outras instituições começa a se articular para refletir e contribuir para a construção de políticas públicas e de consciência social, com foco na relação entre a felicidade e o desenvolvimento sustentável. “Esse movimento de repensar a nós mesmos, a sociedade e a forma como usamos os recursos do planeta traz um desejo de evolução pessoal, social e universal guiada pela cooperação (e não competição), pelo compartilhamento (e não divisão), pela inclusão (e não discriminação). E isso não pode ocorrer sem uma intensa e profunda relação com a proteção do meio ambiente, dos bens naturais – originariamente tão abundantes na natureza, mas tão escassos e contaminados nos nossos ambientes (especialmente os urbanos) e na nossa vida”, destaca Marise.
A vida que brota na aridez
Vilma Torres – Agecom/UFRN
Da terra seca do planeta também se colhe frutos. E verduras. E legumes. Com jeitinho e tecnologia hídrica, quem sabe, dá até para criar peixes no quintal de casa. Assim, instalada em meio ao semiárido do Rio Grande do Norte, a cidade de Caiçara do Rio do Vento abriga uma iniciativa original que empreende diversas pesquisas em busca de soluções autossustentáveis para estas demandas: a Estação Espacial Habitat Marte.
Concebido em 2017 pelo professor do curso de engenharia de produção Julio Rezende, o habitat foi originalmente pensado como uma infraestrutura independente que buscasse resultados orientadores para o funcionamento de habitats no espaço ou em regiões isoladas do planeta. Os habitats autossustentáveis, como o próprio nome sugere, são instados a produzir o próprio alimento, gerar a própria energia, tratar e reutilizar o esgoto e também captar e tratar a água da chuva.
O primeiro desafio, conta o professor, foi driblar a aridez do local e iniciar a produção de alimentos. O objetivo foi conseguido com o uso de um já conhecido sistema de aquaponia, que é um método de agricultura ecológica diversificada, sem uso do solo, capaz de produzir vegetais e peixes em uma simbiose harmoniosa. Comparado a outros métodos de cultivo, além das vantagens práticas, econômicas e socioambientais, o sistema consome 90% menos água que os demais, sendo uma iniciativa estratégica para locais com recursos hídricos limitados, como o sertão nordestino.
Com a aquaponia os pesquisadores do habitat conseguem criar tilápias, feijão, ervilha, mamão, milho, alface, manjericão, cebolinha, tomate, amoras, quiabo e outros tipos de alimentos. A estação também estuda outros meios de produção de alimentos em sistemas fechados, como estufas, irrigação, tecnologias sociais e hidroponia.
Julio Rezende diz que o convívio com a escassez hídrica é um grande desafio para o Habitat Marte. “Por enquanto, não temos financiamento. A ideia é conquistar apoios e buscar parcerias públicas e privadas. Temos apoio da Funpec, que recentemente contribuiu para a aquisição de calhas, reservatórios de água e dessalinizadores”, diz. Para ele, o maior desafio do Habitat Marte hoje é aumentar o armazenamento e a eficiência no uso da água, além de desenvolver a produção de alimentos.
Na estação, também foi desenvolvido o Sistema de Tratamento de Águas Cinzas BioMarte, que aproveita as chamadas “águas cinzas” (advindas de pias e chuveiros), as quais podem compensar as limitações hídricas e de saneamento básico em habitações do semiárido e ser tratadas e reutilizadas na irrigação. A estratégia desenvolvida foi através do gotejamento da água servida, passando por um filtro biológico e outro físico: o filtro biológico é possibilitado por minhocas, que decompõem a matéria orgânica trazida, deixando apenas os nutrientes. Após isto, um filtro físico – formado por areia, brita e seixo – encaminha o efluente tratado para um outro reservatório, de onde será bombeado até os tanques de onde finalmente a água será destinada à irrigação.
O Habitat Marte também tem uma forte vocação educativa, voltada para treinamentos e educação ambiental. “Um dos objetivos é trabalhar essas ideias junto a prefeituras, para que a estação seja um local de visitas para capacitação de gestores e técnicos das áreas de saneamento e agricultura”, afirma o professor, que batizou esse projeto de BIOHabitat. O centro de pesquisas também planeja criar um repositório com vídeos explicativos, manuais, tecnologias sociais, artigos e outros meios de difusão do conhecimento.
Equilíbrio entre sociedade e natureza
Júlio Rocha – CCHLA/UFRN
Criar meios que possam privilegiar políticas públicas e modelos de gestão que insiram mecanismos de resposta e adaptação frente aos desafios contemporâneos das alterações ambientais e climáticas, para a construção de estruturas sociais mais justas e com equilíbrio nas relações sociedade e natureza, é o objetivo do Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes e Territórios (LISAT), vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR), do Departamento de Políticas Públicas (DPP) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Criado oficialmente em 2018, sob a coordenação da professora Zoraide Souza Pessoa, o LISAT atua em pesquisas que abrangem as questões alusivas às relações sociedade e ambiente numa perspectiva interdisciplinar, com ênfase nas problemáticas que envolvem sustentabilidade, mudanças climáticas e os recursos energéticos e hídricos nos territórios urbanos e rurais.
Atualmente, a equipe agrega mais de 20 participantes. Destes, são três pesquisadores permanentes e seis colaboradores de instituições externas nacionais (UNICAMP, USP, UFCG, UERN). Os pesquisadores e discentes têm um perfil interdisciplinar, agregando cientistas sociais, geógrafos, economistas, filósofos, gestores ambientais e gestores de Gestão de Políticas Públicas, dentre outros.
O LISAT atualmente coordena a estruturação da rede de pesquisa Sustentabilidade, Adaptação Climática, Energias e Sociodiversidade dos Territórios: uma análise comparativa de estudos de casos de governos no contexto do Nordeste brasileiro, cujo objetivo central é analisar como os principais governos dos estados e municípios do Nordeste, produtores de energias renováveis, estão internalizando as questões do clima em suas agendas de governos.
“Trata-se de pesquisa interdisciplinar, apresenta uma abordagem de natureza qualitativa e quantitativa que se complementam. A rede de pesquisa é formada por grupos de pesquisas oriundos da UFRN, UERN, UFC,UFCG e UNICAMP”, destaca a professora Zoraide Pessoa.
Entre as ações do LISAT, visando a fortalecer a pesquisa em rede, recentemente foi contemplado o financiamento por agências de fomento nacional, com o projeto de pesquisa Gestão de Riscos, Vulnerabilidades Socioambientais, Sustentabilidade e Capacidade Adaptativa Climática em Cidades do Semiárido do Nordeste, coordenado pela professora Zoraide Souza Pessoa e que conta com a participação de toda a equipe do LISAT.
“Este projeto parte do contexto de que a atualidade é marcada por cenário de incertezas múltiplas e de riscos inéditos à manutenção da vida humana e não humana, as quais estão relacionadas à complexidade da problemática ambiental e que têm na efetividade das mudanças climáticas prognósticos de cenários também de incertezas, que podem contribuir para contextos inéditos de reprodução social, ampliando a vulnerabilidade em todas as dimensões e resultando em situações de desastres naturais em escalas e frequências maiores, com maior exposição a ameaças e perigos naturais”, pontua Zoraide.
O LISAT está atuando também por meio de atividades contributivas, como a participação de pesquisadores e discentes na elaboração da Minuta da Política Estadual de Mudanças Climáticas, à convite da SEMARH, do Governo do RN; participação no Fórum Mudanças Climáticas, entidade formada por várias instituições de ensino e da sociedade civil; e participação no Conselho Gestor Dunas do Rosado, representando a UFRN.
“Esperamos continuar a desenvolver mais e mais pesquisas que possam solidificar os estudos com foco nas relações sociedade e ambiente, na percepção integradora do ponto de vista de integração de saberes e conhecimentos interdisciplinares, além de possibilitar, pensar e desenvolver respostas aos grandes problemas socioambientais da contemporaneidade”, conclui Zoraide Pessoa. Para conhecer mais sobre o LISAT, acompanhe as redes sociais no Instagram, Facebook e no canal do YouTube.
“Do mar se diz terra à vista”
Marcos Neves JR – Agecom/UFRN
Seja no toque de sua brisa na pele, no cheiro de sal que exala, no som de suas águas ou na paisagem perfeita oferecida aos olhos, as pessoas, cada uma à sua maneira, têm alguma relação com o mar. Fontes de devoção, respeito, inspiração, sustento, alimentação, os oceanos são elemento essencial à vida conforme a criamos na Terra. Ao os observarmos de fora, percebemos toda a força da natureza no movimento de suas ondas; ao mergulharmos no seu mistério, descobrimos a enorme diversidade que eles escondem.
Toda essa beleza, repleta de peixes, mamíferos, invertebrados e tantas outras formas de vida, depende, no entanto, da transformação de sensações e palavras em ações concretas para ser preservada. A atividade humana tem afetado direta e indiretamente a saúde dos oceanos, tornando-os ambientes cada vez mais vulneráveis e ameaçados de diferentes formas.
“São muitos impactos simultâneos causados por ações humanas desordenadas. Entre eles se destacam atualmente pesca, poluição sólida, plásticos, por exemplo, e química, pelo esgoto, além da crise climática que está tornando os oceanos mais quentes, ácidos e com menos oxigênio, ameaçando a vida nesses ambientes”, enumera o professor e pesquisador do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN, Guilherme Longo.
Frente à urgência do assunto, a Organização das Nações Unidas decretou a Década dos Oceanos, de 2021 a 2030, como forma de promover a discussão em torno do tema e disseminar informações. Com tal medida, especialistas como o professor Guilherme Longo acreditam que se possa gerar maior sensibilização quanto aos impactos causados nos oceanos pela atividade humana, fomentando ações no sentido de reduzi-las.
No Laboratório de Ecologia Marinha do DOL, esse objetivo é frequente e não é de hoje. Os pesquisadores vêm investigando em especial de que maneira recifes e corais brasileiros têm lidado com o aquecimento dos oceanos e outros impactos simultâneos, como a poluição. Esses trabalhos envolvem ainda estudantes do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e das graduações de Ciências Biológicas e Ecologia.
Alguns desses estudos já foram publicados pela Agecom. Um deles alertava para mudanças drásticas no Oceano Atlântico nos próximos 30 anos, o que alteraria significativamente o ecossistema marinho, além de impactar atividades como pesca e turismo. Todos os trabalhos realizados pelo grupo são divulgados pelo perfil @MarineEcoBR, no Twitter, mantido por pesquisadores do Laboratório.
Também é possível ajudar na preservação dos oceanos revendo atitudes individuais. Reduzir a produção de lixo, dando o destino mais adequado possível, e privilegiar o consumo de pescados de origem local, buscando informações sobre a sustentabilidade ambiental e social de sua pesca, são hábitos interessantes de se incluir no cotidiano. Sobretudo, é de suma importância reavaliar como é a nossa relação com os oceanos.
“O mar influencia a nossa vida, mesmo que não percebamos. Desde o pescado que chega à mesa, o turismo no estado, a caminhada na praia e até as tradicionais chuvas esperadas a partir de março [o dia de São José!] têm relação com o mar. Então já passou do momento de reconhecermos essa conexão e cuidarmos melhor desse ambiente fundamental para nossa qualidade de vida”, reflete o pesquisador.
Para finalizar, que sejamos como os versos da canção de Caetano Veloso – Terra (1978), apaixonados por uma menina Terra, “signo de elemento terra, do mar se diz: terra à vista, Terra para o pé, firmeza, terra para a mão, carícia. Outros astros lhe são guia”. Possamos desenvolver uma relação mais cuidadosa com a nossa Mãe Terra, despertando a consciência ecológica e sustentável, respeitando todos os seres que nela habitam e resgatando os valores ensinados ao homem por meio da natureza.
Fonte: Agecom/UFRN