Você consegue imaginar qual a relação entre o popular jogo pedra-papel-tesoura e o comportamento de espécies dentro de um ecossistema? No jogo, o papel, por exemplo, tem vantagem em relação a pedra, porém, desvantagem em relação à tesoura. Da mesma forma acontece a nível biológico dentro de um modelo cíclico: não existe hierarquia entre as espécies envolvidas, ou seja, elas estão em igualdade de poder, possuindo vantagem em relação à determinada espécie e desvantagem em relação à outra.
Estudos revelaram que o comportamento de determinadas espécies, como a bactéria Escherichia coli, era similar ao jogo. Entretanto, os motivos que justificavam tais ações não eram claros. Partindo dessa motivação, Beatriz Moura, estudante do curso de Ciências e Tecnologia juntamente com o professor Josinaldo Menezes, da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ECT/UFRN), desenvolveram o estudo intitulado Behavioural movement strategies in cyclic models, no qual foram utilizadas simulações numéricas para investigar a dinâmica de movimento de espécies dentro de um ecossistema. O artigo foi publicado na revista Scientific Reports – periódico on-line multidisciplinar de acesso aberto dos editores da Nature.
“Como o estudo tem um número grande de dados científicos testados e estatisticamente robustos, foi possível verificar qual a tática de movimento mais vantajosa para espécies em competição cíclica”, afirma Josinaldo Menezes. Segundo o pesquisador, o estudo colabora, principalmente, na questão dos limites dos ecossistemas em termos de extinção de espécies.
Um milhão de simulações
Os pesquisadores investigaram um sistema de cinco espécies, que competem entre si por recursos naturais. Foram consideradas três táticas possíveis de movimentação: ataque, antecipação e salvaguarda, que foram utilizadas pela espécie com o maior grau de inteligência.
Segundo Beatriz: “Para simular o grau de inteligência de qualquer espécie no jogo cíclico, foram utilizadas regras criadas a partir de conceitos biológicos que foram estruturadas em um modelo se-senão”. Após a aplicação dessas regras, os pesquisadores selecionaram a espécie 1 para aplicação.
“Na tática de ataque, a espécie estudada ataca diretamente a espécie sobre a qual tem vantagem (Fig.1). Na antecipação, a espécie vai em direção a espécie que a segunda espécie possui vantagem sobre, de modo que a primeira consegue ter certeza de que encontrará a segunda no mesmo local (Fig.2). Por fim, na estratégia de salvaguarda, na qual a espécie 1 desloca-se para a quarta, de modo a se proteger da quinta espécie, que possui vantagem sobre ela (Fig. 3)”, explica Beatriz.
A fim de obter os dados, foram realizadas mais de um milhão de simulações estocásticas, para as táticas de ataque, antecipação, salvaguarda e também quando nenhuma tática de movimento é utilizada, em que os valores numéricos são aleatórios. Os códigos foram desenvolvidos na linguagem de programação C.
Resultados
Para determinar a melhor tática, os pesquisadores realizaram três níveis de observação: individual, de população e o do ecossistema. A nível individual, foi calculado o chamado Risco de Seleção, que é a chance do indivíduo da espécie ser destruído de acordo com cada tática de movimento. A nível de população, foi calculado se a população da espécie cresce ou diminui quando cada tática é utilizada. Por fim, a nível ecossistema, foi calculada a probabilidade da biodiversidade ser destruída se uma determinada tática fosse utilizada.
Esta figura, retirada do artigo, mostra o que acontece com a população da espécie 1 quando ela decide escolher as diferentes táticas. No gráfico, o eixo horizontal representa a fração de indivíduos da espécie que estão condicionados para realizar a tática comportamental. Os pesquisadores introduziram esse fator a fim de verificar se era mais vantajoso para a espécie 1 que todos os indivíduos fizessem a tática ou apenas uma parte deles. O eixo vertical representa a população da espécie 1.
Como podemos observar, a tática de salvaguarda é a melhor estratégia de movimento, com o maior crescimento populacional obtido se todos os indivíduos estiverem condicionados. No entanto, é contra-intuitivo e surpreendente que a tática de antecipação resulte em um declínio populacional. Ou seja, se antecipar não é vantajoso em um jogo cíclico.
Para a tática de ataque, é possível observar que, quando o fator de condicionamento é menor ou igual a 0.2, o crescimento populacional é parecido com o obtido com a tática de salvaguarda. Porém, a partir de 0.4 a população começa a cair, mostrando-se ser desvantajosa.
Um outro resultado notável foi obtido para a tática de ataque. As simulações mostraram que quando 40% dos indivíduos estão condicionados, o crescimento populacional é máximo.
Segundo os pesquisadores, esse resultado pode explicar porque em algumas espécies de ácaros, por exemplo, apenas uma fração dos indivíduos são condicionados para realizar a tática de movimento de ataque. Esse cenário seria evolucionariamente estável, porque garante um maior crescimento populacional do que se todos os indivíduos estivessem aptos para realizar a tática.
Próximos passos
Para Josinaldo, existem duas ideias para continuar a pesquisa. A primeira é verificar o que aconteceria se todas as espécies escolhessem táticas diferentes de maneira inteligente. A segunda ideia é investigar outros sistemas biológicos, como crescimento de células cancerígenas, aplicando as técnicas desenvolvidas neste trabalho.
A pesquisa contribui diretamente para o estudo das dinâmicas populacionais de espécies e pode ser aplicada em áreas como Biologia Evolutiva e Ecologia, no monitoramento de espécies em extinção.
Fonte: Agecom/UFRN