Os sofistas foram professores que saíram de diversas cidades gregas para ensinar em Atenas, no século V a.C., acompanhando o desenvolvimento econômico, político, militar e cultural da cidade. Eles eram pagos pelas famílias com mais posses para ensinar aos jovens os conhecimentos necessários para seguir a carreira pública ou para se especializar em algum ofício.
Cada sofista tinha o domínio de um conjunto de conhecimentos que ensinava para seus alunos. Mas, em geral, praticamente todos os sofistas ensinavam a habilidade de falar bem. Nesse período, em Atenas, expressar-se bem em público era muito importante, porque as principais decisões para a cidade e para os cidadãos atenienses, como a participação ou não em uma guerra, eram tomadas em assembleias, por meio de votação. Por isso, a maioria dos sofistas dava aulas de retórica, que é a arte de bem utilizar a palavra para persuadir ou convencer os ouvintes. Muitos sofistas ficaram conhecidos por esses ensinamentos e cobravam caro por eles.
Nos tempos de hoje, estamos sempre argumentando, seja em conversas informais ou em textos, principalmente em redações de concurso, as quais cobram dos participantes o poder de argumentar. O argumento é uma proposição que se presta a levar à admissão de outras. É o recurso que se emprega para convencer alguém a mudar de opinião ou de comportamento. É “prova” que demonstra o que se quer defender (ideia, tese ou posição).
Há vários tipos, conforme ensinam as boas aulas e os manuais de redação. O argumento de autoridade consiste em invocar o pensamento ou a opinião de alguém cujo saber é notório e socialmente reconhecido. O argumento de consenso é aquele que se fundamenta na opinião corrente. Como não suscita réplica, pode ser usado para angariar a simpatia do leitor e para alicerçar outros argumentos. Ainda há outros: os argumentos por citação fundamentam um encaminhamento analítico daquilo que se quer provar por meio de opiniões de outros autores, que conferem autoridade ao ponto de vista defendido no texto; os por comprovação valem-se de dados, percentuais e estatísticas para se comprovar uma tese; os de raciocínio lógico também fundamentam um encaminhamento analítico daquilo que se quer provar por meio do estabelecimento ou explicitação de nexos causais (relações de causa e efeito).
Para deixar o assunto mais lúdico, vale dizer que, na música popular brasileira, vieram à tona algumas polêmicas entre compositores. Talvez a mais famosa seja a que envolve “Argumento”, canção de Paulinho da Viola, que fala da descaracterização do samba em relação ao ritmo e seus instrumentos.
Na década de 1970, Paulinho – embaixador da Portela – já era um sambista consagrado, tendo a sua música “Pecado Capital” inserida em novela de mesmo nome. Emergiu, então, um cantor e compositor, tocando piano e trajando terno e gravata. Benito di Paula não só alcançou o grande público como também pôs em dúvida o que realmente seria o samba àquela altura.
Apesar de negar que tenha sido a sua intenção confrontar Benito, Paulinho da Viola compôs “Argumento”, cuja letra faz uso de uma estratégia argumentativa, a atenuação. Os recursos de atenuação são usados no processo de refutação dos argumentos contrários à tese que se pretende defender. Seu emprego contribui para aumentar a credibilidade do texto, pois demonstra que o redator respeita os argumentos alheios e é capaz de analisar os fatos com ponderação: “Tá legal/Tá legal, eu aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto assim…”
A refutação é o procedimento de contestação ou réplica dos argumentos contrários. É parte fundamental de textos argumentativos. Uma estratégia é aceitar os fatos, mas demonstrar que foram mal empregados, identificar um defeito no raciocínio do oponente: “Olha que a rapaziada está sentindo a falta/De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim…” Outros recursos próprios da refutação são citar exemplos que provem o contrário do que diz o adversário e questionar a autoridade do argumento alheio encontrando outra autoridade que diga exatamente o contrário do que disse a primeira: “Faça como um velho marinheiro/Que durante o nevoeiro/Leva o barco devagar”.
Atendendo à sugestão do “velho marinheiro” avesso a mudanças repentinas, que teria supostamente reclamado de “Retalhos de cetim”, Benito deixou-se levar pelo “enfrentamento” e respondeu com música carnavalizada. Em réplica, o cantor de Nova Friburgo lançou “Não me importa nada”: “Já não tenho hora, já perdi meu sono/ Não me importo nada, eu lhe abandono/ Já não tenho hora, já perdi meu sono/ Não me importo nada, eu lhe abandono/ Você me aborrece, com opiniões/ Você nem merece, nem me ver passar/ Você quer que eu fale, mas eu vou dizer/Olha, eu só tenho que ter/Pena de você/ Você está perdido, se perdeu no tempo/Da cabeça aos pés, tá cheio de vento/ Faça alguma coisa, deixa a gente em paz/ Olha o campo verde, é todo seu, rapaz!”
Paulinho da Viola e Benito di Paula, dois mestres da boa música, encontraram- se e desfizeram a confusão. Mas uma lição fica disso tudo: “A palavra pode dar bode,/confundir e atrapalhar./Mas quem sacode/as sílabas como melodia/pode acordar o dia/e convencer o mar”. O bom orador também se vale desta passagem: “Ouvirei a tese com a qual me acusas, mas o espírito da minha inteligência falará por mim”. Jó 20,2
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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