E aqui mais um belíssimo texto do poeta Eduardo Ezus, que por esses dias vai estar me ajudando na coluna, enquanto finalizo um projeto. Acho que não preciso dizer que estarão em boas mãos. Até logo.
Quando o café está na xícara, ela é a quentura. Quando o pão está no forno, é o inchaço. No voo do pássaro, é a pausa no bebedouro; o ouvido que escuta o canto e a limitação que oculta frequências inaudíveis.
Na criança, ela é a queda, o roscar da minhoca entre os dedos, a fome sem fome de comer o barro. É a chupeta de lado e o mordisco no pente.
Quando não há comida, ela não há.
Quando o grito reina, ela é vácuo atmosférico. Quando o silêncio, é visão. Quando o beijo acontece, ela é o macio molhado, a deglutição das salivas, a falta de nojo.
Quando o sistema é isolado, ela é agitação elétrica.
Na sala ou onde for, presentes e faltantes, ela é o invisível coeso, a liga entre presença e lembrança. É o esquecimento geral de que todos podemos ir, e por isso ficamos, ditongo fraterno.
Quando há choro, ela é sem palavras.
Conceitos implantados entre nós pretendem dela que seja um mofo de interiores, empapada em perfume francês. Ela fede e é toda frescura. Mete o dedo na cara: e aí, tornar-se a reação no outro.
Quando a enquadram, ela amolece, mas não morre. Diz coisas como soltasse parafusos na engrenagem. Desliza nas quinas do enquadro, renasce nas esquinas dos subúrbios, flor de metal, flor virtual, rosa do povo.
No poeta, ela é a sombra da raiz sobre a copa da palavra.
É resistência, qualquer que seja.
E quando é o que eu, Ezra, Manoel, Antônio ou Fernando dizemos, ela deixa de ser, e é simplesmente assim.