No intervalo de um ano, a população ocupada do Rio Grande do Norte reduziu em 112 mil pessoas, o equivalente a pouco menos da metade da população de Parnamirim. Com a queda, o nível de ocupação desceu a 41,8%, menor índice desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A redução foi de 8,5% no comparativo entre os anos de 2019 e 2020. De acordo com os dados, a população ocupada saiu de 1,319 milhão, em 2019, para 1,207 milhão no ano passado. Na série histórica, o pico de ocupação ocorreu em 2015, quando 1,338 milhão de pessoas estavam trabalhando no RN. Em 2012, eram 1,258 milhão, aponta levantamento.
A PNAD Contínua mostra que, no ano passado, o Estado tinha 2,886 milhões de pessoas em idade de trabalhar, 2,2% a mais que o total no ano anterior (2,825). Entre 2012 e 2020, essa população cresceu 12,07%, mas o número de pessoas ocupadas caiu 4,05%. Já a população na força de trabalho, que agrega ocupados e desocupados (aqueles que estão em busca de trabalho e estão disponíveis para assumir uma vaga) registrou uma queda de 5,6% entre 2019 e 2020, passando de 1.515 milhão para 1,433 milhão. Dessa população total na força de trabalho, 226 mil estavam desocupados, segundo cálculo feito pela TRIBUNA DO NORTE, a partir da PNAD Contínua–Retrospectiva 2012-2020/Médias anuais. No ano anterior, eram 199 mil, uma redução de13,56%.
Os dados mostram ainda um total de 691 mil pessoas de 14 anos ou mais desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas ou na força de trabalho potencial, no ano passado, ante um total de 639 mil em 2019. Desde o início da série histórica da Pnad Contínua esse contingente, que em 2012 era de 459 mil, cresceu 50,54%.
Os números da PNAD apontam para uma taxa anual de desocupação no RN de 15,8% em 2020 – a maior desde 2012 (11,4%) e acima 2,7 pontos percentuais ante o percentual verificado no ano passado (13,%). A taxa média de desocupação em 2020 foi recorde em 20 estados do País, acompanhando a média nacional, que aumentou de 11,9% em 2019 para 13,5% no ano passado, a maior da série histórica. Em 2020, as maiores taxas de desocupação ficaram com Bahia (19,8%), Alagoas (18,6%), Sergipe (18,4%) e Rio de Janeiro (17,4%), enquanto as menores com Santa Catarina (6,1%), Rio Grande do Sul (9,1%) e Paraná (9,4%). Os maiores baques, em perdas de vagas, foram em comércio (-1,702 milhão), serviços domésticos (-1,198 milhão ) e alojamento e alimentação (-1,172 milhão). Todos os três setores bateram recordes de demissões. A indústria também demitiu em massa, alcançando quase um milhão de vagas extintas, aponta a PNAD.
Análise
A recuperação do mercado de trabalho demandará tempo e dependerá da evolução da pandemia do novo coronavírus, avalia Adriana Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE nacional. “Foram perdas muito profundas. Reverter esse quadro vai demandar não só tempo, mas o que vai acontecer ao longo desse tempo: como as atividades econômicas vão operar e as questões do controle sanitário”, disse ela.
“Para o início deste ano, a expectativa é de crescimento ainda moderado do ritmo e da qualidade da retomada do mercado de trabalho. Os limites estão associados à recente renovação das medidas de isolamento social, ao lento início da vacinação, e ao fim das políticas de incentivo fiscal e monetário às famílias e empresas. Como o mercado de trabalho deve ser insuficiente para absorver os atuais inativos, deve haver aumento da taxa de desocupados”, diz Lucas Assis, analista da Tendências Consultoria Integrada.
“Tive que começar a tentar me reinventar”
Antes da pandemia, Myrianna Albuquerque, de 38 anos, tinha uma base sólida de clientes para trabalhar com marketing digital. Apesar de não possuir vínculo empregatício formal, a mãe de duas filhas conseguia se manter trabalhando como freelancer em Recife, onde viviam. Em 2020, voltou para Natal e teve de recomeçar. Passou a buscar mais clientes e oportunidades de emprego, que não surgiam. “Enviei currículo para agências de publicidade, mas não tinha nem retorno. Tive que começar a tentar me reinventar”, conta.
A situação de Myrianna não é única. No Rio Grande do Norte, a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE revelou uma taxa de desocupação, em 2020, de 15,8%, a maior taxa desde 2012. Em números absolutos, estima-se que 226 mil potiguares estevam na busca ativa por emprego, sem respostas do mercado.
Apesar do RN ter tido uma taxa semelhante a de 2017, o cenário vivido em 2021 é muito diferente. A subsecretária do Trabalho da Secretaria do Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas), Josiane Bezerra, explica que, diferente daquele período, o cenário atual é de incerteza, provocada pela pandemia.
“Na década passada a capacidade de criação de vagas pelo mercado de trabalho praticamente triplicou, nós chegamos a entrar em situação de pleno emprego”, afirma. Ela diz que os primeiros meses após a pandemia foram difíceis para o mercado de trabalho no Estado, com muitos postos fechados. A partir do segundo semestre, a economia começou a reaquecer, e alguns dos postos foram reabertos.
“Se formos verificar os dados do ano passado, no primeiro semestre as vagas desaparecem no Brasil inteiro. Tanto que terminamos o ano comemorando o saldo positivo entre admissões e demissões no Rio Grande do Norte”, diz ela. Segundo Josiane, o fato do Estado depender fortemente do setor de serviços pesa para a situação atual do mercado de trabalho. “Ele foi um dos mais afetados pela pandemia”, declarou.
Muitos, como Myrianna, tiveram que buscar alternativas e começar a empreender por conta própria para tentar sustentar a família. Para ela, que é mãe de duas filhas, a situação é ainda mais difícil: com a pandemia, o ensino presencial nas escolas foi suspenso, e ela precisa dar conta de ajudar as crianças a participar do ensino remoto. “Meus pais são idosos, então eu não tinha com quem deixá-las. Isso complica muito na hora da recolocação no mercado”, disse.
Recentemente, Myrianna começou a montar uma nova empresa voltada para o setor audiovisual, e espera que o negócio possa crescer, nos próximos meses. “Eu ainda consegui ficar em casa com o auxílio emergencial, mas com o fim do auxílio realmente não consegui outra forma de renda”, declara.
Para tentar facilitar a divulgação das vagas, a Sethas tem buscado, através do Sistema Nacional de Empregos (SINE), fazer a ponte entre empregadores e desempregados. A maior parte das demandas durante a pandemia, no entanto, têm sido para acessar o seguro-desemprego. O atendimento presencial no SINE está suspenso, mas assistência continua de forma remota, a partir das redes sociais e por telefone de 8h às 13h.
Flávio Queiroz: “Crise atingiu todas as classes de trabalhadores”
No intervalo de um ano, a população ocupada do Rio Grande do Norte reduziu em 112 mil pessoas ( 8,5% de 2019 para 2020), com o nível de ocupação caindo ao menor índice desde 2012 (41,8%). Que avaliação o senhor faz?
Os resultados da Pnad Contínua evidenciaram que o ano de 2020 agravou a difícil situação do mercado de trabalho do Rio Grande do Norte, o que é realidade desde 2016. De 2012 a 2015, o nível de ocupação manteve-se em aproximadamente, 49%, ou seja, cerca de metade da população com idade de trabalhar (14 anos ou mais) estava ocupada. De 2016 a 2019, a situação mudou, o nível de ocupação caiu para uma média de 46,5%, chegando ao nível mais baixo em 2020, principalmente por causa das condições do Estado no contexto da pandemia de Covid-19. A queda do nível de ocupação é consequência de uma saída de parte da população adulta do mercado de trabalho, tendo em vista a perda de 112 mil postos de trabalho, e também da fragilidade da economia norte-rio-grandense para enfrentar a crise e a decadência do mercado, que está evidente desde 2016.
O nível de ocupação ficou abaixo de 50% em 15 estados, sendo todos do Nordeste, cinco do Norte e o Rio de Janeiro. O que puxou essa queda?
Os estados do Norte e do Nordeste possuem uma dinâmica do setor privado bastante diferente das demais unidades da federação do país, principalmente do Sul e Sudeste, com exceção do Rio de Janeiro. Um dos fatores que puxaram a queda do nível de ocupação foi a forte relação das economias com o setor de serviços, não integrado aos setores da indústria e da agropecuária. No Nordeste, especialmente, o turismo e as atividades de alojamento e alimentação têm grande importância, algo semelhante acontece no Rio de Janeiro, que sofre também com problemas na política estadual. O cenário em geral foi negativo no país, mas nos estados com maior queda do nível de ocupação foi ainda mais por causa da baixa dinâmica do setor privado.
Além do impacto da pandemia que fatores podem ter sido gatilho para essa redução?
Um fator muito importante é o vínculo muito forte da economia do estado com o setor de serviços, que teve a segunda maior queda entre as unidades da federação (15,7%), menor apenas que Alagoas (16,1%). Isso, somado à falta de ligação do setor às cadeias produtivas da indústria e da agropecuária, prejudica a dinâmica do mercado de trabalho. A falta de políticas industrial e agropecuária voltadas para a criação de trabalho e renda também influenciaram na baixa do nível de ocupação no mercado potiguar. Com o orçamento público mais voltado para atender as urgentes demandas de gastos com a equipamentos e contratações na área de saúde, além do ambiente de incerteza para o setor privado, ficou prejudicada também a possibilidade de maiores investimentos nas diversas atividades da economia, diminuindo as condições de geração de emprego e renda.
O senhor acredita em recuperação desses números ainda nesse semestre?
A mudança depende de política pública nos âmbitos nacional, estadual e municipal e da participação da iniciativa privada. Dificilmente, haverá recuperação ao nível de 2019 ainda neste semestre, pois o impacto da pandemia na economia foi muito forte. A recuperação ao nível pré-pandemia é possível com medidas de inventivo à iniciativa privada, como linhas de crédito para financiar novos investimentos, e ações governamentais que assegurem mais estabilidade social e econômica nos próximos semestres, como a vacinação da população e assistência a micro e pequenas empresas, a fim de evitar mais perdas de postos de trabalho.
No RN, o Rendimento médio de todos trabalhos efetivo aumentou 7,7%. Em um ano de pandemia e corte de salários, o que levou a esse crescimento?
A crise atingiu todas as classes de trabalhadores, mas principalmente as de renda mais baixa, como os trabalhadores domésticos. Com a diminuição da quantidade de pessoas ocupadas com renda menor, verifica-se como consequência a elevação da média de rendimentos, não refletindo necessariamente que as pessoas passaram a ganhar mais. O que isso indica é um aumento da participação no mercado de trabalho dos trabalhadores com maior rendimento médio.
Crédito da Foto: Magnus Nascimento
Fonte: TRIBUNA DO NORTE