Aquele que nunca teve dúvidas quanto à colocação do pronome na frase que se vanglorie. Mas o fato é que essa é uma dúvida comum entre nós, brasileiros, porque vivemos quase uma realidade paralela àquela apregoada pela gramática normativa e àquela língua falada e escrita em Portugal, nossa maior referência quando o assunto é nosso idioma.
“Quando se comenta” ou “quando comenta-se”? “Onde se viu” ou “onde viu-se”? Afinal, onde colocamos o pronome “se”? Ele fica antes ou depois do verbo? Evidentemente, cada caso é um caso, e esse assunto é motivo de muita discussão entre gramáticos e linguistas. Nesses exemplos citados, o pronome “se” fica antes do verbo, porque, em ambos, temos o que a gramática tradicional chama de fatores de próclise. No caso, eles são a conjunção “quando” e o advérbio “onde”. Então dizemos: quando se comenta e onde se viu.
Sem intenção de explicar todas as regras desse assunto, vamos relembrar os conceitos. Próclise é a colocação do pronome átono antes do verbo. Ênclise é a colocação do pronome átono depois do verbo. Mesóclise é a colocação do pronome átono no meio do verbo. No Brasil, mesmo quando não há fator de próclise na oração, a tendência é usar o pronome antes do verbo. Parece que, por nossas terras, a colocação pronominal tomou o próprio rumo. É mais comum, por exemplo, “a cena o comoveu”, em vez de “ a cena comoveu-o”, “ o fez” é muito mais comum que “fê-lo”.
O mais polêmico dos casos é a mesóclise, que está, no português do Brasil, praticamente em desuso. Quase não encontramos exemplos na linguagem corrente. Segundo a regra, a mesóclise deve ser usada com verbos no futuro do presente ou futuro do pretérito, já que não se pode usar a ênclise, ou seja, o pronome depois do verbo. Assim, não se diz: “anunciará-o” nem “anunciaria-o”, mas “anuncia-lo-á” e “anuncia-lo-ia”, com o pronome se alojando entre o radical e a desinência do verbo.
Pouco tempo atrás, foi motivo de muita polêmica a mesóclise empregada pelo ex-presidente Michel Temer, ao empossar seus ministros. Ele disse o seguinte: “Quando menos fosse, sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica”. Seguiram-se, ainda, outras ocorrências, sobretudo no começo do governo, ainda no interinato. Muitos críticos chegaram a dizer que se tratava de uma forma de exclusão o fato de o presidente fazer uso desse recurso linguístico, ao qual chamaram de “uma joia antiquada da gramática”.
Por outro lado, os simpatizantes da maneira de se expressar do então presidente retrucaram: “Em virtude das zombarias provocadas pelo esporádico emprego de mesóclises em suas declarações, o atual presidente resolveu aboli-las de seu vocabulário. Dir-vos-ei: nossos ouvidos preferem o português culto do empossado governante ao invés do português “curto” de seus dois antecessores!”.
A guerra estava declarada, mas é preciso dizer que, embora Temer “soltasse” uma mesóclise aqui, outra ali, o seu discurso oscilava quanto ao grau de formalidade. É diferente dos discursos do ex-presidente Jânio Quadros, que ficou famoso por usar essa colocação pronominal e mantinha o grau de formalidade do início ao fim, até mesmo em entrevistas ou falas improvisadas. Atribui-se a ele a frase: “Bebo porque é líquido; se fosse sólido, comê-lo-ia” e várias piadas que envolvem o tema.
Há pessoas que veem no emprego de construções eruditas ou palavras de pouco uso um valor. Já outras acreditam que o preciosismo e a preocupação exagerada com a correção acabam provocando um efeito contrário ao pretendido. É claro que está correto usar a mesóclise com os verbos no futuro. O importante é que ela seja um recurso linguístico para facilitar a linguagem, e não de rebuscamento. Essa tarefa não é fácil.
Drummond dizia que lutar com as palavras era a mais vã das lutas. Aprendamos com ele, que – diante da dificuldade de achar palavras que pudessem melhor expressar suas ideias –, reagiu assim: “Insisto, solerte. Busco persuadi-las. Ser-lhes-ei escravo de rara humildade”; pois “Infeliz o que despreza a Sabedoria e a instrução; vã é sua esperança, estéreis seus esforços e inúteis suas obras”. (Sb 3,11)
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
Crédito da Foto: Reprodução / Resumo Escolar