Eliane Dias

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E aqui mais um belíssimo texto do poeta Eduardo Ezus, que por esses dias vai estar me ajudando na coluna, enquanto finalizo um projeto.Acho que não preciso dizer que estarão em boas mãos. Até logo.

No chão da sala, ela ouve a voz melodiosa e embriagada dele. Um tanto acima do peso, ele está sentado no piano, um copo de whisky vai e vem em cima da superfície lustrosa do instrumento, enquanto uma cortina de fumaça esgarça-se ao ar.

Ela é preta e pobre, nascida em um barraco cedido. Além disso, ela é a filha da empregada dele e seu destino estatístico a empurra para continuar seguindo esta mesma carreira.

Não sei há quanto tempo, ela achou um livrinho Quarto de despejo, livrinho gigante, enquanto mexia e catava lixo com um seu joséjoão desses que há espalhados por aí, em ariscas campinas, fiel e melhormente denominadas periferias.

Passaram-se dias e anos desde o episódio, e ela, de fato, tornou-se empregada da psicóloga, uma namorada do músico amigo dele, que morava só na cidade, que andava nua pela casa, onde só havia arroz e coca-cola. Com ela aprendeu que mulher podia ler, escutar os grandes sucessos da mpb, e o melhor, ter uma casa só dela.

Quem é você, que me rodeia? Quem será?

Ele foi um diplomata e poeta, que enveredou pelos rumos da música e da dramaturgia, bebedor e fumador, apreciador de galanteios. Ficou muito conhecido pelos sonetos. Talvez você o tenha conhecido, é provável.

A psicóloga, não sei se a conheceu, mas certamente conhece o namorado dela à época, ou o canto dele, tocando o violão, a voz macia desenhando numa folha qualquer um sol amarelo.

Ela, que não imaginava as voltas que o mundo daria, nem em que nortes poderia ecoar a sua voz firme e convicta, ou muito menos o alcance geométrico de suas decisões; que, tendo controle sobre a própria vida, já não tem aquela paciência para desnecessárias explicações aos homens sobre os benefícios de um mundo mais igual, eles que corram atrás da evolução justa e necessária;talvez você não a conheça. É bem provável que não, apesar das conexões que temos acesso agora. Mas é provável que conheça ou já tenha ouvido a voz de seu marido, declamando em tom singular, versos sobre um negro drama.

Não estou isento de (vicissitudes e) contrariedades, nem minha mão magra tem o poder de dividir as águas desta longa tormenta. Mas quando aqui e ali vem-me um vento brando, que leva longe e com leveza essa minha voz fina, eu apenas sussurro: “O que esse padrão ainda nos diz? E por que ainda diz?” E espero sedento, junto ao ouvido de cada um, que as nuvens se abram e que um dia luminoso irradie sobre nossas cabeças.

Imagem: Pinterest/Cacheado Brasil

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