E aqui mais um belíssimo texto do poeta Eduardo Ezus, que por esses dias vai estar me ajudando na coluna, enquanto finalizo um projeto.Acho que não preciso dizer que estarão em boas mãos. Até logo.
Novamente falo sobre o mar: massa verdeazul, incolor, indivisível, que ao longe perfila um esconderijo para o sol.
Ruge do infinito, lapidando o paredão de pedra milenar. Despedaçando-se em espuma, reparte ao ar inúmeras gotas. Artesão atemporal, o mar esculpe as formas mais abstratas, fazendo das décadas segundos, até que nos chegue o talhe imenso que assombra e admira.
Envolvimento, profundidade: palavras que aprendi levando caldo das ondas. O mar é a irreversível musa, que aflige poetas, pintores, suicidas de todos os tempos. Na dualidade que significa, ele é algo como uma divindade: estando perto demais, quero-o distante; estando longe, desejo-o um pouco perto.
Mazinho costumava afogar suas febres contemplando o mar. Em sua mente, soavam quase apagadas, músicas de Renato Russo. Caymmi, quatro décadas antes, trazia o mar para os ouvidos. Por trás do chiado radiofônico, cantava em ondas: amores, desastres, necessidades. Cantava a pescaria, o canoeiro, o Abaeté; Rosinha de Chica e meu avô, Pedro, na canção O Mar.
É a experiência da vida – e da morte -, como em Zila, que, geométrica, calculou o mar na extensão de seus versos. E não interessa se são paredões cinzas, de concreto armado; se são armações urbanas: o mar, uma vez dentro, explode em ondas e afoga a tudo. Já nem importa muito a realidade: tudo é água: eis a primeira questão filosófica.
Também não importa o tempo, nem mesmo a estação. O mar, trago-o comigo, a qualquer hora, chuva ou sol, numa garrafa interior, ou numa moldura: tal como esta, com dimensões douradas e de material barato, reproduzido em impressão digital no centro da parede branca, invadindo a memória e a sala do apartamento alugado.