Nas últimas décadas, o ensino de língua portuguesa sofreu muitas mudanças. A propagação de cursos de Linguística Aplicada nas universidades ajudou muito nesse processo. Bom para nosso idioma, que passou a ter novos conceitos e olhares. Adveio o respeito a todas as manifestações linguísticas. Antes, só o ensino de regras gramaticais e o falar culto merecia atenção da escola. Contudo, respeitar as variantes linguísticas não significa não distinguir essas variações.
Como professor de língua portuguesa – de ensino médio e universitário –, tenho acompanhado certos exageros sobre isso. Parece que o princípio básico de se considerar as funções da linguagem e os elementos básicos da comunicação (emissor, mensagem, receptor, contexto, canal, código) não está sendo cumprido. É um vale-tudo que mais complica do que orienta.
O papel mínimo que cabe às aulas de língua materna é ofertar bases teóricas e práticas para os estudantes desempenharem as tarefas que lhe são solicitadas durante o processo educacional, além – é claro – de ajudá-los a se expressar com clareza e eficiência.
No dia a dia, não importa o contexto (conversa informal ou formal, apresentação de trabalhos, defesa oral de um argumento ou num simples pedido para ir ao banheiro), trata-se o nosso idioma com muito descuido.
Antes que alguém me acuse de querer controlar o falar das pessoas, até porque isso não se controla, alerto para o fato de que não se trata disso, mas de atentar a essas diferenças.
Sou do tempo em que “você” era tratamento destinado a amigos; “senhor(a)”, aos mais velhos. Pode ser que para alguns essa nostalgia não leve a nada, mas essa relação emissor-receptor importa muito no trato com o idioma. Saber que existe diferença entre as pessoas a quem se dirige é um dos recursos básicos para quem quer se dar bem usando a linguagem.
Se você tem por “dominar o idioma” aquele conceito de decorar a gramática, esqueça. Quem domina a língua hoje é um poliglota na própria língua ou, nas palavras de Raul Seixas: “uma metamorfose ambulante”. A aula de português deve ser uma reflexão sobre as possibilidades que a linguagem nos oferece como instrumento de comunicação e cidadania.
Nessa experiência apaixonante de dar aulas há 26 anos, ainda vejo alunos (mesmo os da faculdade) que não sabem fazer uma pergunta sem usar a palavra “tipo”: “Professor, eu posso, tipo, usar maiúscula depois de dois-pontos?”; “Eu acho que, tipo, fica certo, não é?”
Porém, o “tipo” não é expressão linguística só de adolescentes ou de bancos escolares. A língua é viva, e o “tipo” está aí para “ajudar” você a começar qualquer frase, mesmo quando não se precisa dele: “Preciso, tipo, comprar umas coisinhas, tipo, pra minha formatura…”. É tanto “tipo”, que quando se precisa dele, ele parece não servir mais: “Novo tipo de celular”.
Preste atenção, faça um teste e, certamente, ouvirá alguém falando “tipo” à mesa ao lado, na fila do banco ou em uma reunião importante. Esse fenômeno linguístico da oralidade, de fato, merece ser estudado pelos linguistas. Ainda não vi registros marcantes na escrita, mas parece inevitável. Por isso, acho necessário cobrar a habilidade linguística dos alunos. Digo que eles devem saber a hora necessária de usar uma expressão. É como vestir uma roupa que pode ser adequada a um ambiente, mas não será a outro.
Há, nas minhas aulas, alunos que desistem de me fazer perguntas após eu estabelecer a condição de não puderem usar a palavra “tipo” desnecessariamente. “Que maldade, por que você faz isso?”, perguntam alguns. A resposta é simples: preparo meus alunos para saberem se expressar em todos os contextos. Numa aula de língua portuguesa, a oralidade também deve ser avaliada. Acho que ninguém em sã consciência prefere este trecho assim: “Que maldade, por que você – tipo – faz isso?”, perguntam alguns. A resposta – tipo – é simples: preparo meus alunos – tipo – para saberem se expressar – tipo – em todos os contextos. Numa aula de língua portuguesa, a oralidade – tipo – também deve ser avaliada.
Por fim, cabe dizer que atentar a esses princípios das funções da linguagem contribui “para conhecer a sabedoria e a disciplina, para entender sentenças de prudência, para receber uma instrução esclarecida, na justiça, no direito e na equidade” (Pr 1, 2-3).
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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Crédito da Foto: Getty images / Escola em Movimento