Num sei contar as hora. Nunca aprendi. Também nunca me ensinaram não. Mas sei que tá perto. Sei porque os intestino avisa. É sempre a merma hora – imbora faça ideia não. Sei que tem sol quando ela vem. Fico aqui, quietinho, então ela chega. O cheiro vem antes dela dobrá esquina. Daí me levanto. Fico todo agitado. Bobo. Me jogo no chão. Deito, rolo. A boca espuma, como agora. Então me chutam as costela. Dizendo na minha cara que tô doente. Dizendo pra eu morrer notro lugar. Daí eu vô. Morrer notro lugar. Daí as mosca vem comigo. Que não me soltam a ferida. Que me picam todo. Vêm me ver morrer. Saber se dos meus osso ainda dá caldo. Já que me cuidam da carne morta. Sim mermo. O que podia ser do filho duma cadela? Conheci pai não. Minha mãe dizia que era um cachorro. Deixô nós tudo. Eu e meus irmão. Depois foi minha mãe que partiu também. Fazer o quê? É ficar com cara de choro, até que te joguem um osso. É robar na fêra pra poder cumê. Fazer o quê se Deus me deu esse nariz pra sentir comida de longe e a boca da misera cola nas costa? Se me deu um par dolho pra ver tudo cinza? Só me resta encontrar uma sombra e beber da lama. Mas ninguém pode vê ninguém queto não. E menino é pior. E tenta me furar o zoio. E me chuta. E corre atrás de mim. E me acerta. Com pau. Com pedra. E eu cain cain saio mancando. Então me deito embaixo duma igreja. E vejo a imagem de Deus. E uma mulher vem com sopa e uns pedaço de pão. E me diz que todos são Seus filhos. Então me pergunto: pai, por que me abandonaste? E a meus irmão? Agradeço. Vou-me embora. E andando encontro uns homi segurando um cachorro na culera. E eu tremo todo. E eles soltam o cachorro, que me leva um pedaço de carne que não tenho, eu cain, cain fujo. E eles sorri. Eu só queria uma sombra pra deitar essa carda de ossos. Penso no meu pai. Volto para a igreja. Antes deu chegar, me puxam o pescoço com uma corda. Me levam num carro junto com outros. Me chamam de animal, dizendo que sou um cão. Dizendo que estou doente. Há uma denúncia. Apontam uma arma pra mim. O que sou eu, se não um cão? Penso no meu pai. Minha mãe tava certa. Um tiro. Eu, que só queria me deitar na sombra.