Os cerca de 8 mil indígenas que vivem no Rio Grande do Norte ficaram de fora do grupo que está sendo vacinado contra a Covid-19 nesta primeira etapa, que teve início na terça-feira 19. O estado potiguar é o único do Brasil que não recebeu doses para imunização dos povos que vivem nas 14 aldeias espalhadas por nove municípios.
O Ministério da Saúde enviou 82.440 doses, o que seria suficiente para imunizar cerca de 41 mil potiguares, uma vez que a Coronavac é administrada em duas aplicações. As doses foram divididas entre profissionais da saúde (37.848), pessoas com deficiência (10) e idosos com 60 anos ou mais institucionalizadas (2.346), mas nenhuma foi enviada para aplicação na população indígena, que está entre os grupos prioritários.
A justificativa do informe técnico do Ministério da Saúde é de que o Rio Grande do Norte não possui terras indígenas demarcadas oficialmente pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Portanto, para o Departamento de Saúde Indígena (Desai) — órgão ligado ao governo federal — não há indígenas vivendo no Rio Grande do Norte, embora cerca de 6 mil indígenas das etnias Potiguara, Tapuia Paiacú e Tapuia estejam organizados em 14 aldeias. Outros 2 mil índios vivem em centros urbanos (não-aldeados).
“Acho isso uma vergonha, a gente vinha acompanhando com a certeza de que seríamos vacinados e fomos pegos de surpresa. Isso causou muita indignação em todas as lideranças do estado. O governo federal usou essa artimanha para retirar nossos direitos. Agora eu acreditava que a nossa governadora pudesse garantir essas doses para os povos indígenas do Rio Grande do Norte. Mais uma vez fomos excluídos, passados para trás”, comentou Francisca Bezerra, indígena da etnia Tapará e coordenadora da Articulação de Povos Indígenas do Nordeste (Apoinme).
Apesar do gargalo no Rio Grande do Norte, um índio da etnia potiguara foi vacinado na Paraíba, que recebeu 10,4 mil doses para imunizar os indígenas do estado. Trata-se de Genildo Avelar, de 44 anos, que pertence ao grupo de risco por ser hipertenso e diabético. A exclusão dos povos indígenas do início da campanha de imunização contra a Covid-19 no RN reforça a importância da luta pela demarcação das terras no estado, afirma a cacique Francisca Bezerra.
“Eu não digo nem que a gente quer ser reconhecido, digo que a gente quer ser respeitado. Muita gente sabe que o estado não tem terra demarcada e não é de hoje, mas todo mundo sabe que a gente existe. Nós já estamos aqui e fomos os primeiros a chegar. Corremos sérios riscos por não termos nossas terras demarcadas, expostos a fazendeiros e imobiliários que a gente não sabe quem é. Temos problemas também com queimadas, que destroem nossa natureza prejudicando nossa fauna e flora. É muito constrangedor e desrespeitoso”, acrescentou.
De maneira independente, o Fórum de Lideranças dos Mendonças irá tentar se reunir com a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) para cobrar ações do governo do RN sobre o assunto. Os Mendonças estão distribuídos em 6 aldeias na região do Mato Grande potiguar, sendo 5 em João Câmara e uma em Jardim de Angicos.
“O Rio Grande do Norte tem zero vacinas pros indígenas. O Ministério da Saúde diz que a terra precisa ser demarcada pro indígena ser vacinado. Quem demarca as terras é o poder público federal, então a gente fica à mercê do governo federal que aplica mais um projeto genocida ao não incluir os indígenas do estado nessa primeira etapa da vacinação. Fica aqui o meu repúdio ao governo federal e também ao estadual que está sendo omisso nesse quesito”, ressaltou José Carlos, coordenador do Fórum de Lideranças dos Mendonças.
Povos indígenas politicamente conscientes e organizados em aldeias no RN
1 – Apodi (Tapuia Paiacú) em Apodi;
2 – Caboclos (Potiguara) em Assu;
3 – Assentamento Marajó (Potiguara) em João Câmara;
4 – Amarelão (Potiguara) em João Câmara;
5 – Serrote de São Bento (Potiguara) em João Câmara;
6 – Açucena (Potiguara) em João Câmara;
7 – Assentamento Santa Terezinha (Potiguara) em João Câmara;
8 – Cachoeira/Nova Descoberta (Potiguara) em Jardim de Angicos;
9 – Tapará (Tapuia) em Macaíba e São Gonçalo do Amarante;
10 – Ladeira Grande (Tapuia) em São Gonçalo do Amarante;
11 – Lagoa do Mato (Tapuia) em Macaíba;
12 – Catu (Potiguara) em Goianinha e Canguaretama;
13 – Sagi Trabanda (Potiguara) em Baía Formosa;
14 – Jacú (Potiguara) em Baía Formosa.
Além dos oito mil indígenas, entre aldeados e moradores de centros urbanos, cerca de 120 índios venezuelanos da etnia Warao vivem atualmente em solo potiguar, de acordo com Thales Dantas, presidente do Comitê Estadual Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes do RN (Ceram).
“Eles são povos muito nômades aqui no Brasil, então fica um pouco difícil de fazer o rastreamento. Esse número de 120 é referente a um levantamento que fizemos agora no começo de 2021. Metade desse pessoal é criança e os outros 60 tem uma média de idade de aproximadamente 26 anos, então são pessoas jovens em sua maioria. No entanto, eles serão incluídos no cronograma de vacinação, conforme o estado receber as doses e serão imunizados sem distinção de nacionalidade. A orientação é promover um tratamento igualitário, afastando condutas preconceituosas”, destacou Dantas.
Covid-19 na população indígena
O estado tem 56 casos confirmados de Covid-19 e cinco mortes causadas pela doença, de acordo com um levantamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do RN (Apirn). Os dados foram consultados na quinta-feira 21. A primeira morte de um indígena por Covid-19 no RN aconteceu em 14 de maio do ano passado. A vítima foi um índio urbano que morava na Zona Norte de Natal.
O que diz a Sesap?
A reportagem questionou a gestão estadual para entender as tratativas junto ao governo federal. A Sesap informou que “pediu a correção e inclusão dos indígenas do estado como grupo prioritário para receber a vacinação”, e que fez a solicitação ao Programa Nacional de Imunização (PNI). Por nota, a secretaria disse ainda que espera começar a vacinar indígenas “assim que a correção for feita e novas doses chegarem”. A reportagem entrou em contato com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, mas não obteve retorno até o fechamento deste material.
Fonte: Agora RN
Imagem: José Aldenir