Letinho não desgrudava do irmão mais velho, Wendel. Onde tava um, tava o outro. Wendel – que se achava grande – não queria ficar cuidando do pirralho. Mas é obrigação sua, o pai lhe dizia.
Eu não tô vendo eles direito, disse Elineide, esticando o pescoço.
Mulher relaxa! Garçom! Fez o gesto do dedo indicador levantado para cima.- Na mesa de plástico, em frente ao mar, quatro ou cinco garrafas.
Tá ali, ó. Eu tô vendo. Tão brincando na areia. Estão só um pouco afastados. Mas dá pra ver daqui. Relaxa. Garçom, quanto custa o caldo?
Letinho gostava de usar a mão, enquanto cavava. Deixou a pá de lado. Gostava do contato da mão com a areia. Depois ficava molhando. Imaginava que a mão era uma escavadeira e a colocava como concha.
Tá bom? Perguntou a Wendel, que levava o que a escavadeira tirava do chão para outro lugar, em seu caminhão caçamba. Estavam montando um castelo.
Não. Mais! Vrruuummm! O caminhão levantava a caçamba e despejava toda a areia que Wendel ia modelando com a ajuda d’água. Mas tanto se levantava o castelo, como o mar derrubava, deixando o alicerce mole.
Tô cansado dessa brincadeira idiota, falou Wendel, esbravejando.
Por quê? perguntou Letinho.
Tá percebendo não? O mar tá derrubando tudo.
Já sei, tive uma ideia. Vamo brincar de morto-vivo!
Que é isso? Letinho adorava as brincadeiras do irmão. Era cheio de ideia.
A gente vai cavando, cavando, daí enterra os boneco.
Gostei!
Rapaz, aquele meia esquerda que o Abc comprou não joga nada! Ô bicho ruim!,falou Severo a um casal de amigos que estavam agora na companhia deles. Havia os encontrado por coincidência ali na praia.
Porra, o serviço daqui é muito ruim. Ninguém presta atenção na gente. Cadê o garçom? Pedi um caldo aqui faz meia-hora e disseram que era por conta do peixe que atrasou. Dá pra tu? Que desculpa! Com um mar desse tamanho aqui na frente vem falar em peixe que se atrasou. Venho aqui nunca mais!
Elineide, disse uma garota que estava na mesa. Cadê os meninos?
Tão ali, brincando. Esticou o pescoço. Letinho! Wendel! Os dois acenaram de longe.
Homi, deixa esses menino.
É que eu fico preocupada.
Tá bom?
Não, respondeu Wendel.
E agora?
Deixa eu ver- Enterrando seus brinquedos- Gostei não. Tive uma ideia!
Qual?
A gente se enterra, conta dez segundos, depois sai feito um zumbi.
Tá.
Quer ir primeiro?
Quero.
Tá difícil, tá muito difícil de se confiar em alguém. Não vou votar em ninguém. Não saio de casa esse ano pra dar meu voto a nenhum desses vagabundo. É tudo um bocado de mentiroso.
Sei como é que é, respondeu o homem do outro lado da mesa. Dá pra confiar não. Tudo igual. Não se salva um.
Ah, enfim chegou. Ô demora! Disse Severo ao garçom, que apenas colocava os pratos e talheres sobre a mesa, calado.
Pronto?
Não.
Wendel terminava de cobrir Letinho com a última camada de terra, mas conseguia ouvi-lo lá debaixo.
Tu deixa tua mão assim, feito uma concha, pra respirar, falou a Letinho.
Tá certo.Pronto?
Peraí. Deixa de ser aperreado. Nem peguei o celular… Já!Comecei a contar. Dez segundos. Aguenta?
Aguento! Respondeu a voz abafada de Leitinho.Pronto?
Não! Ainda tá em cinco! Deixa de aperreio!
Pronto?
Não!
Pronto?
Não!
É que eu não tô aguentado!
Peraí! Só mais alguns segundos! Você consegue! Vamos bater o recorde! Caramba! Pronto!Pronto!
Eu falei pronto!
Pron-to!
Tá me escutando não, pirralho?
Pron-to!
Letinho?
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