Uma pesquisa orientada por professor da UFRN fez descobertas significativas para o estudo da herpetologia da América do Sul. O que antes se considerava como apenas uma espécie de rã, a Leptodactylus latrans, mais conhecida como a rã-manteiga da Mata Atlântica e até mesmo caçote, na verdade, se trata de quatro espécies distintas. O resultado foi o reconhecimento de espécies não descritas que eram chamadas pela ciência pelo mesmo nome científico há algum tempo.
Agora, em vez de rã-manteiga são rãs-manteiga, todas com a característica em comum de serem extremamente escorregadias, mas se diferenciando minimamente entre si. Por isso, o trabalho reconheceu três novas rãs que eram conhecidas unicamente como Leptodactylus latrans, são elas: a L. payaya, L. paranaru e L. luctator. A boa notícia é que a L. latrans continua existindo, apenas foram descritas novas colegas. Inclusive, ela é uma espécie que ocorre principalmente na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais.
Com a descoberta, os pesquisadores descreveram duas espécies até então desconhecidas por todos: a Leptodactylus payaya e a Leptodactylus paranaru. A primeira, L. payaya, ocorre na Bahia e em Pernambuco, nos chamados brejos de altitude dentro da Caatinga, como a Chapada Diamantina e Parque Nacional do Catimbau. “Os Payaya são uma etnia indígena que habitava a região da Chapada Diamantina, principal área de distribuição da espécie”, conta o professor Adrian Garda.
Já a segunda espécie, a L. paranaru, ocorre no sul da Floresta Atlântica, na região costeira do sul de São Paulo até o norte do Rio Grande do Sul. “Uma curiosidade é que a palavra que escolhemos para batizar a espécie, ‘paranaru’, é a combinação de duas palavras de origem tupi-guarani: Paranã, entendida como ‘oceano’, e Aru, que significa ‘sapo’. O bicho recebeu este nome por ser restrito à região costeira, por isso, ‘sapo do mar’. Mas cuidado, ele não ocorre no mar nem em água salgada, apenas nas florestas na região costeira”, compartilha Adrian.
E a espécie L. luctator? Bom, ela foi revalidada. Os herpetólogos descobriram que, para a terceira espécie percebida por eles, já havia um nome científico disponível: Leptodactylus luctator, atribuído a esses bichos há mais de cem anos atrás, em 1892, por um pesquisador da época. Entretanto, a ciência deixou de reconhecer essa espécie como válida em 1964, quando outro pesquisador comparou diversos animais e acreditou que L. luctator era a mesma coisa que a espécie L. latrans. Com a descoberta, os pesquisadores confirmaram que aquele primeiro cientista estava certo e revalidaram a espécie Leptodactylus luctator, que ocorre nas áreas mais altas do interior do Brasil, na região da Chapada Diamantina (Bahia), e chega à Argentina, Paraguai e Uruguai.
O trabalho, recém-publicado na revista Herpetological Monographs, foi liderado pelo herpetólogo Felipe Magalhães, ex-aluno da UFRN e agora doutor pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob orientação do professor Adrian Garda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e com a colaboração de pesquisadores de diversas instituições do Brasil (UFMS, UNESP, UnB, UFU, UFBA), da Argentina (IBS, CONICET-UNaM, CONICET-UNL), Paraguai (IIBP), Uruguaí ( Museo Nacional de Historia Natural) e Estados Unidos (Rutgers University e University of Richmond).
Contribuição para a preservação das espécies
O grupo de espécies de Leptodactylus latrans atualmente compreende oito espécies de rãs de médio a grande porte. O estudo revela que a morfologia externa homogênea e distribuição geográfica continental na América do Sul têm apresentado limitações severas para uma revisão abrangente e por isso os limites das espécies permanecem incertos.
Para a pesquisa, foram reunidas 728 sequências mitocondriais de 429 localidades, abrangendo toda a distribuição geográfica do grupo L. latrans. Assim, com base em uma amostragem geográfica em grande escala, incluindo análises de DNA e dados acústicos e morfológicos, foi possível realizar uma avaliação abrangente sobre as espécies do grupo.
Os resultados reforçam a visão de que a diversidade Neotropical é subestimada e enfatizam que a amostragem geográfica apropriada em uma estrutura integrativa é crucial para o estabelecimento de limites específicos entre rãs Neotropicais. De acordo com o professor Adrian Garda, a descoberta mostra que até mesmo as espécies de porte grande para anfíbios, amplamente distribuídas e bastante conhecidas, como é o caso para a L. latrans, contém espécies ainda não descritas para a ciência.
“E isso não só para a Floresta Atlântica, mas também para Caatinga, como é o caso de Leptodactylus payaya. A importância frente à degradação dos nossos biomas é a mais básica e primária de todas: se não sabemos quais espécies existem, como saberemos se elas estão protegidas ou não? Como iremos considerá-las em planejamentos de conservação, como os que são desenvolvidos nos âmbitos federal, estadual e municipal? Saber quais espécies existem e onde elas ocorrem é o primeiro e mais fundamental elemento da Biologia da Conservação”, afirma o herpetólogo.
Próximos passos
Adrian é o autor sênior da pesquisa e o orientador do primeiro autor do artigo, Felipe de Medeiros Magalhães, que fez o doutorado na UFPB sob sua orientação. Felipe, ainda, foi aluno de graduação e mestrado da UFRN, no Programa de Pós-graduação em Sistemática e Evolução, ambos também com orientação de Adrian.
Além de orientá-lo, o professor contribuiu com a seleção do tema de pesquisa, a coleta de amostras ao longo dos últimos 20 anos pelo Brasil todo, com as perguntas a serem respondidas e as análises a serem utilizadas, com o financiamento de campo e laboratório do projeto, além de ter escrito desde as primeiras versões do artigo juntamente com Felipe. Adrian, inclusive, desenvolve pesquisas com herpetologia na UFRN desde 2009 e já publicou 81 artigos científicos na área. Além disso, já orientou um total de 30 alunos de pós-graduação nesse período e é bolsista de produtividade do CNPq nível 1C.
“Seguiremos estudando a sistemática e a biogeografia desses animais e já temos outro trabalho pronto quase submetido sobre o grupo, onde analisamos individualmente cada espécie para entender que fatores, dentro de sua área de distribuição, afetaram historicamente a distribuição geográfica das espécies em questão”, afirma o professor. Além disso, segundo conta, o pesquisador Felipe, que começou sua trajetória científica dentro dos laboratórios da UFRN, está a caminho de um Pós Doutorado na Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, nos EUA, onde irá agora ampliar a análise desses animais em nível genético, avaliando agora o genoma das espécies em busca de informações adicionais sobre a origem e evolução do grupo na América do Sul.
Fonte: Agecom/UFRN