Crises de tosse, falta de ar e uma exaustão constante. Esses foram os primeiros sinais de covid na britânica Dawn Knight, 46 anos, que contraiu o vírus em março deste ano, depois de voltar de umas férias em família na Tailândia. Ela não tinha dúvidas: era um caso clássico de coronavírus. Mas, após algumas semanas, surgiu outro sintoma do qual ela ainda não tinha ouvido falar: a inexistência de menstruação.
“Meus sintomas da covid eram terríveis e continuaram por meses e meses; eu mal conseguindo sair do sofá. Então, minha falta de menstruação era o menor dos meus problemas”, lembra a enfermeira de Somerset, no sudoeste da Inglaterra. “Mas foi muito estranho porque minha menstruação era regular como um relógio desde que me lembro”, completou. Com o passar dos meses, ficou claro que ela havia desenvolvido o chamado “covid longo”, quando os indivíduos não são mais infecciosos, mas sintomas como fadiga e falta de ar persistem. “Às vezes, parece que estou sendo estrangulada”, conta.
Em junho, Dawn foi ao médico quando novos sintomas surgiram: pulso acelerado e sensação de queimação nas mãos e nos pés. Os resultados dos exames de sangue foram surpreendentes: seus níveis de hormônios reprodutivos estrogênio, progesterona e hormônio folículo-estimulante (FSH) estavam em taxas de “pós-menopausa”.
“O médico disse que estou na pós-menopausa”, diz a mãe de dois, que recentemente recebeu o diagnóstico formal de covid longo, fenômeno que afeta uma em cada 20 pessoas, especialmente mulheres, embora os pesquisadores não tenham certeza do motivo. “Fiquei realmente surpresa. Embora eu não queira mais filhos, eu não esperava e não tinha nenhum dos sinais. Isso não aconteceu com minha mãe antes dos 50 anos”, afirmou. No Reino Unido, a idade média para a entrada da menopausa é 51 anos.
No entanto, não é incomum que uma mulher esteja na pré-menopausa por volta dos 40 anos — quando os níveis dos hormônios sexuais (estrogênio e progesterona) começam a oscilar ao longo do ciclo, causando mau humor e suores noturnos, e tornando os períodos mais leves e irregular. Mas isso pode durar anos, à medida que a progesterona e o estrogênio caem gradualmente antes que as menstruações parem completamente. É mais incomum acontecer de repente, sem quaisquer sintomas.
Mas Dawn está longe de ser a única. Centenas de mulheres recorreram às redes sociais para relatar experiências semelhantes. No Facebook, um grupo de apoio global para vítimas do chamado covid longo, já tem de 22 mil membros do sexo feminino, e tem sido palco para dezenas de discussões sobre a repentina falta de menstruação e preocupações sobre fertilidade. Sem os períodos mensais, é improvável que uma mulher ovule regularmente e um óvulo seja liberado para fertilização.
Uma pesquisa com mais de 100 mulheres descobriu que 80% relataram que seus períodos haviam mudado desde que foram infectadas. Claire Hastie, que fundou o grupo no Facebook, revela que membros de todo o mundo relataram mudanças menstruais. “As mulheres disseram que suas menstruações pararam, enquanto, para outras, são menos frequentes. Para alguns, como eu, seus sintomas longos de covid pioram na época da menstruação. Algo muito estranho está acontecendo”, disse ela, que ainda luta para conseguir caminhar depois de contrair o coronavírus em março.
O que diz a ciência?
Atualmente, segundo o Daily Mail, há pouca pesquisa nesta área. Louise Newson, especialista em clínica geral e menopausa e diretora de uma clínica particular em Stratford-upon-Avon, está trabalhando com especialistas da University of Edinburgh e da University College London para investigar se o vírus pode estar desencadeando a menopausa precoce. Ela diz que, embora alguns sintomas comuns de covid longo, como tontura e fadiga, também sejam sintomas da menopausa, relatos crescentes significam que as ligações entre os dois “parecem mais do que apenas coincidência”.
“Tenho me envolvido com os grupos online e é surpreendente quantas mulheres tiveram seus períodos mudados ou interrompidos. É verdade que o grupo mais comum de pessoas que sofre de covid longo está na casa dos 50 anos, então a menopausa, ou pré-menopausa, pode ser um fator em seus sintomas”, disse. “Precisamos pesquisar se esta é uma menopausa normal que coincide com o coronavírus ou se o coronavírus em si está causando problemas para os ovários, onde os hormônios são produzidos”, completou.
Já se sabe que outras infecções, como sepse ou uma forte gripe, podem interromper os períodos ou fazer com que parem temporariamente. Acredita-se que o problema esteja no centro de controle no meio do cérebro, chamado hipotálamo, que é responsável por regular uma série de funções corporais. Quando o hipotálamo detecta sinais de estresse, seja mental ou físico, sinaliza para a liberação de substâncias químicas que salvaguardam as funções básicas de sobrevivência, e interrompe outras menos importantes; por exemplo, aquelas ligadas à reprodução.
“É uma configuração realmente complexa e qualquer estressor pode destruir tudo”, comenta Mary Jane Minkin, ginecologista da Escola de Medicina de Yale, nos Estados Unidos. Já o ginecologista Jackie Maybin, pesquisador sênior da Universidade de Edimburgo, que está colaborando na nova pesquisa com Louise Newson, acrescenta: “Desligar processos como a menstruação, que não é necessária, é uma maneira natural de conservar energia e priorizando o sistema imunológico”.
E a fertilidade masculina?
Há outra teoria ainda mais preocupante. De acordo com alguns especialistas, o coronavírus pode estar atacando diretamente os ovários, reduzindo a produção de progesterona, estrogênio e testosterona. Se isso está realmente acontecendo, a resposta pode estar nos receptores — chamados ACE2 — por meio dos quais o covid entra nas células do corpo para causar infecção. Assim como uma chave em uma fechadura. Existem muitos desses receptores no coração e nos pulmões e acredita-se que seja o motivo de eles serem tão gravemente afetados. E eles também estão nos ovários, no revestimento do útero e, nos homens, nos testículos. Isso significa que o vírus poderia, em teoria, se espalhar para as células dos ovários através da corrente sanguínea, tendo entrado no corpo pelo nariz, olhos ou boca.
O que acontece na prática não está claro, mas pesquisas chinesas mostraram que a fertilidade masculina também pode ser afetada pelo vírus. Há evidências de que ter hormônios já em declínio pode tornar o coronavírus muito mais prejudicial para alguns. Estudos mostram que, embora as mulheres tenham 50% mais probabilidade de serem afetadas por covid de longo prazo do que os homens, são as mulheres na pós-menopausa que correm ainda mais risco. Após a menopausa, as mulheres estão cada vez mais propensas a pegar covid e apresentar sintomas mais graves, dizem os especialistas.
Existe tratamento?
No entanto, se os hormônios — ou a falta deles — são parcialmente culpados pelos longos sintomas de covid, existem tratamentos que podem ajudar. Louise Newson diz que mulheres na menopausa que vieram à sua clínica e que sofrem com os sintomas há algum tempo, notaram uma grande melhora após receberem a terapia de reposição hormonal (TRH). O tratamento, prescrito pelo Serviço Nacional de Saúde para aliviar os sintomas da menopausa é uma combinação de estrogênio, progesterona e às vezes testosterona. “Não estou dizendo que os hormônios são a resposta completa para covid longo, mas, precisamos fazer essas mulheres se sentirem melhor”, finalizou.
Fonte: Revista Crescer
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