Uma nova tecnologia para ELA

Sexo masculino, 73 anos de idade, branco, sem antecedentes hereditários dignos de referência, praticava atividade física. Um ligeiro enfraquecimento da mão direita, sobretudo nos dedos, evolui gradualmente acompanhada de atrofia dos músculos da mão. Quatro meses se passam e um novo exame acontece. A paralisia acentuada do braço estava entrelaçada à atrofia na musculatura do antebraço, braço e cintura escapular – composta pela escápula e clavícula. Contudo, o reflexo estava vivo no membro afetado e normal nos outros segmentos, sensibilidade normal em todo o corpo, inteligência perfeita e normalidade para alimentar-se.

Essa é parte da descrição do primeiro quadro de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) no Brasil, feita por Cypriano de Souza Freitas durante o 4º Congresso Médico Latino Americano, em agosto de 1909. Acaso fosse transportado no tempo, o paciente hoje poderia contar com uma tecnologia desenvolvida dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que permite amenizar os efeitos da ELA, doença que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa, progressiva e que acarreta em paralisia motora irreversível.

Um dos cientistas envolvidos no desenvolvimento do dispositivo, Danilo Nagem, explica que a nova tecnologia materializa-se na forma de uma órtese que auxiliará a movimentação do membro superior e que pode ser instalado em uma cadeira de rodas, substituindo um dos apoios de braço. Conforme definição ISO, uma órtese – ou ortótese – é um apoio ou dispositivo externo aplicado ao corpo para modificar os aspectos funcionais ou estruturais do sistema neuro músculo-esquelético para obtenção de alguma vantagem mecânica ou ortopédica.

“O mecanismo fica oculto na cadeira como um apoio de braço e pode realizar os movimentos da mão, punho, cotovelo e ombro, permitindo ao paciente alguns movimentos, como cumprimentar um amigo. Tem um outro aspecto relevante : pode ser acoplado à cadeira de rodas de forma discreta sem aparentar um sistema robotizado”, ressaltou.

A órtese é confeccionada de acordo com a anatomia do braço do usuário

Embora esteja presente em grande parte do mundo, as taxas de ELA são desconhecidas, pois é considerada uma doença rara. Na Europa e Estados Unidos, a doença afeta cerca de duas pessoas por 100 mil habitantes por ano. No Brasil, a estimativa é que ela atinja cerca de 12 mil pessoas. Seus efeitos costumam afetar toda a família, em virtude das limitações físicas que ela impõe. Assim, um dispositivo que colabore com uma maior independência do paciente tem impacto direto na qualidade de vida não apenas dele.

“É um dispositivo que, em conjunto com outros que estão sendo desenvolvidos no nosso projeto, gera autonomia para o paciente de ELA. Esse tipo de autonomia tenta recuperar um pouco da liberdade motora do membro superior e a dignidade do paciente ao permitir que pelo menos consiga segurar um objeto e sentir esse contato”, frisou Ricardo Valentim, pesquisador que integra o grupo que desenvolveu a nova tecnologia.

Apesar de seus efeitos adversos, a Esclerose Lateral Amiotrófica mantém a sensibilidade no membro atingido. Assim, para fazer com que os pacientes consigam sentir o objeto manuseado, a órtese tem uma estrutura vazada que, inclusive, deixa a palma da mão livre. “Já possuímos parte do projeto, o sistema de movimentação da mão. No momento estamos trabalhando no desenvolvimento do atuador de ombro e cotovelo que estão acoplados ao mecanismo da cadeira. Estamos compactando todos os dispositivos e verificando a possibilidade de construção de protótipos em parceria com empresas de tecnologias que podem manufaturar os dispositivos”, disse Ana Raquel Lindquist, coordenadora da pesquisa.

O pedido para patenteamento do novo equipamento foi depositado no dia 20 de novembro, sob a denominação “Órtese ativa para movimentação de membro superior e movimento de dedos”, e a lista completa com o nome dos 18 autores pode ser acessada na vitrine tecnológica da UFRN (https://agir.ufrn.br/vitrine/patentes). A pesquisa que deu como fruto a nova tecnologia foi realizada com a colaboração do CNPq e conta com cientistas vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Gestão e Inovação em Saúde (PPGgis), Departamento de Engenharia Biomédica, Departamento de Fisioterapia e ao Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS).

Dentro da Universidade, a Agência de Inovação (AGIR) é a unidade responsável pela avaliação dos requisitos de patenteabilidade, tais quais a novidade, capacidade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva. Embora pontue que é importante que os pesquisadores saibam reconhecer as características de um invento patenteável, o diretor da AGIR, Daniel de Lima Pontes, frisou que a Agência de Inovação propicia esse suporte aos cientistas, bem como trabalha também na transferência dessa tecnologia, pois “a ideia é levar ao setor produtivo e à sociedade, o conhecimento que desenvolvemos na academia”.

Diretor da AGIR, Daniel de Lima Pontes frisa que a UFRN dá apoio para os inventores durante todo o trâmite do pedido de patente

Não obstante o período de pandemia, as demandas dentro da Agência de Inovação continuam sendo recebidas pela equipe através do e-mail patente@agir.ufrn.br. “A participação dos alunos em uma patente é a principal conquista acadêmica. Um aluno se sente motivado, se sente parte do grupo, sente que seus pensamentos, suas ideias e seu esforço foram valorizados. Dessa forma, dentro de um ambiente acadêmico, mesmo que muitas vezes a patente possa vir a não dar lucro, o que é claro um dos objetivos de se proteger a invenção, a valorização do aluno e seu aprendizado é de vital importância acadêmica”, finalizou Danilo Nagem.

Por Wilson Galvão

Fonte: AGIR/UFRN

Sair da versão mobile