Responsável por consequências importantes no desenvolvimento do feto, a exposição ao álcool durante a gravidez é uma questão de saúde pública. Conhecidas pela sigla FASD, as desordens do espectro alcoólico fetal são um grupo de efeitos adversos causados pelo consumo dessa substância e, de acordo com estimativas, acomete três a cada mil nascidos.
Sem o diagnóstico, é frequente que crianças com a síndrome recebam tratamento como se apresentassem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou autismo. No entanto, um estudo do Departamento de Fisiologia e Comportamento (DFS/UFRN) obteve resultados que podem contribuir para a identificação precoce da FASD por meio do comportamento.
“Embora os resultados sejam preliminares, a observação do comportamento ansioso muito cedo durante o desenvolvimento revela um caráter importante a ser observado nos indivíduos. Acredito que isso mostra que há formas de diagnóstico precoce e o comportamento pode auxiliar no fechamento do quadro clínico, o que possibilita tratamento adequado o mais cedo possível”, avalia a professora e pesquisadora do Departamento de Fisiologia e Comportamento, Ana Carolina Luchiari, uma das autoras do artigo.
Utilizando como modelo o peixe-zebra, espécie que guarda muitas semelhanças genéticas e fisiológicas com os humanos, ficou demonstrado um aumento do comportamento indicativo de ansiedade e uma diminuição na atividade locomotora em embriões expostos ao álcool. Para isso, as pesquisadoras separaram em três grupos diferentes ovos desse peixe com 24 horas de fertilização, o que corresponde ao primeiro trimestre da gravidez humana. A um foi dado água, como controle, e os outros dois receberam 0,25% e 0,50% de etanol.
Ao completarem dez dias após a fertilização, os peixinhos recém saídos dos ovos foram submetidos a dois tipos de testes. O de tanque novo, para analisar como o animal se comporta num ambiente novo; e o de esquiva inibitória, que avalia aprendizado e memória. Os parâmetros avaliados foram: tempo gasto em cada área da arena, o tempo utilizado no deslocamento de uma parte à outra e dados de mobilidade.
Nos resultados, publicados no artigo A exposição embrionária ao etanol aumenta o comportamento de ansiedade em peixes-zebra alevinos, não foram encontrados animais com malformações, já que as doses utilizadas no estudo são consideradas baixas. Apesar disso, foi possível observar mudanças comportamentais precoces nos indivíduos expostos ao etanol durante seu desenvolvimento embrionário.
Doutoranda em Psicobiologia com ênfase em Comportamento Animal do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia e primeira autora do artigo, Jaquelinne Pinheiro da Silva explica que ter o comportamento exploratório reduzido é muito prejudicial. Ao deixar de apresentar algumas características comportamentais em seu desenvolvimento, o animal acaba ficando para trás em relação aos seus coespecíficos, o que, segundo a pesquisadora, também pode ser aplicável a humanos.
“Uma criança que durante o desenvolvimento tem sua capacidade de explorar diminuída pode ter dificuldade em fazer associação, aprender temáticas novas, entender determinadas tarefas, principalmente na área de socialização, quando se espera que o movimento natural seja de curiosidade. Então esses nossos testes, embora sejam bem simples, têm resultados muito interessantes para a área”, analisa Jaquelinne.
Fora a relevância científica e acadêmica, trabalhos como esse reforçam ainda a necessidade de uma relação saudável com as bebidas alcoólicas, em especial quando se planeja uma gravidez, bem como ao longo da gestação. Nesse sentido, a pesquisadora Ana Carolina Luchiari ratifica a importância de se manter o autocontrole quanto aos níveis de consumo do álcool nesse período.
“Recomenda-se não beber jamais se estiver tentando engravidar ou durante a gestação. Mas uma grande quantidade de mulheres descobre a gravidez depois do primeiro mês, outras no terceiro e, mais raramente, até no último trimestre. As recomendações gerais à população são de evitar a ingestão excessiva de álcool e controlar a frequência, que deveria ser restrita ao uso social e em quantidades que não desencadeiem perdas motoras e perceptuais”, alerta a pesquisadora.
A partir desse trabalho, no horizonte dos pesquisadores está a busca por outros indicadores de FASD, como marcadores bioquímicos e parâmetros celulares que possam ser usados para fechar diagnóstico. Paralelamente, há estudos em andamento para propor formas de prevenção.
“Estamos testando produtos antioxidantes naturais e sintéticos que poderiam ser usados de forma irrestrita pela população, assim como flúor na água ou iodo no sal, de modo que possam ajudar na diminuição dos efeitos prejudiciais do álcool aos embriões”, revela a pesquisadora Ana Luchiari.
Além de Jaquelinne Pinheiro e Ana Luchiari, também assina a autoria do artigo a mestranda Thais Agues Barbosa. Confira também um vídeo, produzido pelo estudante do bacharelado em Ciências Biológicas da UFRN e participante do estudo, Bruno William Fernandes Silva, que explica como foi feito o trabalho.
Fonte: Agecom/UFRN