Não restam dúvidas: o aumento da temperatura do planeta é real. O processo pode até ser considerado natural em alguma medida, no entanto, atividades humanas têm contribuído para uma aceleração cada vez maior do aquecimento global, entre elas a queima de combustíveis fósseis e a utilização predatória do solo, causando o desmatamento das florestas.
Efeitos desse fenômeno afetam todas as formas de vida do planeta. Nesse sentido, um estudo do Departamento de Ecologia da UFRN busca compreender como o aumento da temperatura dos oceanos e outros parâmetros ambientais impactam espécies de peixes nas águas costeiras do continente americano, utilizando estimativas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), para os anos de 2050 e 2100.
Em artigo publicado recentemente na revista Fisheries Research, os pesquisadores divulgaram resultados do estudo. Intitulado Prejuízo ou benefício? Como os cenários futuros de mudanças climáticas podem influenciar a distribuição de pequenos peixes pelágicos nos mares costeiros das Américas, o trabalho apresenta indicativos surpreendentes à primeira vista.
Segundo o artigo, as duas espécies de agulhinhas estudadas provavelmente não devem ser prejudicadas pelo aquecimento dos oceanos. Ao contrário, há até a possibilidade de que tirem proveito das mudanças climáticas, expandindo sua distribuição pelas águas ao longo das Américas.
Porém a ação humana é obstáculo novamente para a sobrevivência das espécies. Além das atividades que contribuem para o aquecimento global, outras ações humanas como a carcinicultura e o turismo causam degradação nos ambientes marinhos e costeiros dos quais dependem as agulhinhas. Sem as condições para a existência abundante e saudável de fanerógamas, plantas aquáticas conhecidas como capim agulha, as chances de sucesso dessas espécies ficam prejudicadas.
Pesquisadora e professora do Departamento de Ecologia da UFRN, Priscila Lopes é uma das autoras do artigo. Em sua opinião, ressaltando o fato de não ser possível sequer comemorar que algumas espécies se beneficiem com as novas condições esperadas pelo aquecimento do planeta até 2100, o estudo revela a importância de pensar o manejo dos recursos naturais, sejam eles de alta relevância econômica ou não, de forma integrada,.
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“Aqui, por exemplo, vemos que ainda que para estas espécies especificamente as mudanças climáticas possam levar a um aumento de sua área de ocorrência, sem cuidarmos do resto da costa, isso não quer dizer nada. É como se descobríssemos alguém com algum talento especial, mas nunca déssemos os meios para essa pessoa desenvolvê-lo”, compara a professora.
Na avaliação do pesquisador Thiago Pereira Guerra, primeiro autor do artigo, cenários como esse são de difícil reversão, no entanto, a sociedade não pode desistir. Para ele, investir em educação ambiental e cobrar as autoridades competentes sobre cuidados relacionados ao meio ambiente são as medidas necessárias para o enfrentamento da situação.
“Temos de conscientizar as novas gerações de que é necessário utilizar os recursos de forma sustentável, pois não há economia sem natureza. Em paralelo a isso, devemos cobrar dos tomadores de decisão, embasados em estudos e pesquisas, políticas públicas que reduzam os impactos negativos nesses ambientes. Acho que são as medidas mais eficazes, pois qualquer outra seria apenas paliativa e não resolveria nenhum problema, tanto o das agulhinhas como de qualquer outra espécie”, alerta Thiago.
Agulhinhas
As espécies estudadas – agulhinha preta (Hemiramphus brasiliensis) e agulhinha branca (Hyporhamphus unifasciatus) – possuem uma grande importância ecológica, pois são presas de grandes peixes de valor comercial, como os atuns e os agulhões. Elas também desempenham um papel socioeconômico, sendo capturadas em pescarias de pequena escala e utilizadas pelas populações pesqueiras artesanais como fonte de alimento e renda.
Nas Américas, a agulhinha preta se distribui quase que exclusivamente no oceano Atlântico, sendo mais frequentemente encontrada no Golfo do México e no Caribe. Já a agulhinha branca, embora se assemelhe na distribuição com a preta, também está presente no oceano Pacífico, desde a Califórnia, com maior abundância pela América Central até o Equador.
Em águas brasileiras, ambas as espécies ocupam as águas da costa do Nordeste até o Sudeste. Eventualmente, podem ser encontradas nas demais regiões, mas muito raramente, pois têm preferência por águas mais quentes. No nordeste, tanto a agulhinha branca como a preta são bastante abundantes, entretanto, explica Thiago, “algumas regiões vêm registrando diminuição na captura, principalmente a agulhinha branca, que tem maior valor comercial por ser mais apreciada para o consumo”.
Autoria do artigo
Além de Thiago e Priscila, assinam ainda o artigo Prejuízo ou benefício? Como os cenários futuros de mudanças climáticas podem influenciar a distribuição de pequenos peixes pelágicos nos mares costeiros das Américas as pesquisadoras Josiene Maria Falcão Fraga dos Santos, da Universidade Estadual de Alagoas, e Maria Grazia Pennino, do Centro Oceanográfico de Murcia, Espanha.
Fonte: Agecom/UFRN