Atrás do balcão da farmácia onde trabalha, Adriana Souza tenta estar preparada para assaltos para não se desesperar se um dia vier a acontecer. Mas para Adriana não é uma questão de “se vier a acontecer”, mas quando vai acontecer. “A gente fica o tempo todo esperando”, conta. Há quatro anos numa farmácia localizada na área comercial de Natal, a funcionária vive com o medo de que se repitam os crimes que seus colegas foram vítimas, mas ela não. Ou, como ela diz, “ainda não.”
No primeiro semestre deste ano, a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio Grande do Norte (Sesed) registrou 472 roubos a estabelecimentos comerciais — dentre eles, contra farmácias — no Estado, segundo dados enviados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Comparado com o primeiro semestre de 2019 (260 registros), houve um crescimento de 81,5% de assaltos contra os estabelecimentos comerciais e de 97,9% contra transeuntes (de 3,2 mil para 6,4 mil).
Entretanto, o aumento não é restrito ao período da pandemia. Entre 2018 e 2019, os crimes contra estabelecimentos comerciais também aumentaram no Rio Grande do Norte, assim como os assaltos a transeuntes (pessoas no espaço público) e às residências. O maior aumento foi o crime contra residências, de 538 registros em 2018 para 1.001 no ano passado. Em contrapartida, os roubos e furtos contra veículos diminuíram 17,2%, de 8.025 em 2018 para 6.928 em 2019.
Para o secretário estadual de Segurança, o coronel Francisco Araújo, as estatísticas refletem um movimento “sazonal” da criminalidade. Esse movimento levaria o crime a migrar de um tipo para o outro a partir da ostensividade das forças de segurança nas áreas que mais chamam a atenção. “Em 2017 e 2018, nós tínhamos um número muito grande de veículos roubados. As forças de segurança começaram a agir na ostensividade e na investigação para evitar esses crimes. Aí a criminalidade começa a migrar para outras áreas que eles acham mais fáceis”, declarou.
A farmácia onde Adriana Souza trabalha, localizada no centro comercial da Cidade Alta, investiu em câmeras na tentativa de evitar assaltos, mas foi roubada duas vezes em três anos. Mas existem casos mais frequentes. A colega de trabalho de Adriana, Cristina Silva, foi vítima de dois assaltos em 15 dias quando era funcionária de uma outra farmácia da mesma rede no bairro de Tirol, zona Sul de Natal. No mesmo período de 15 dias, a farmácia teve um terceiro assalto, mas ela não estava presente.
“Era o mesmo assaltante, no mesmo lugar e no mesmo horário”, relembra Cristina. Em seguida, a funcionária adotou um tom resignado que revelou a descrença na resolução dos crimes por parte do Estado: “A gente fica com muito medo, mas continua trabalhando porque é a vida.”
A Sesed não possui estatísticas prontas do índice de resolutividade dos crimes contra o patrimônio, mas, segundo o titular da pasta, o número de prisões efetuadas pela Polícia Civil cresceu este ano — para ele, o índice reflete uma maior atuação da força. “Esse ano nós nos esforçamos para aumentar a ostensividade nas ruas com diárias operacionais, muito pela pandemia do coronavírus, em que nossos policiais tinham o papel de colaborar com o cumprimento das medidas de isolamento. Só que isso acabou refletindo também na inibição de outros crimes”, concluiu o secretário Francisco Araújo.
Falta de efetivo dificulta combate ao crime no RN
O secretário estadual de segurança pública, coronel Francisco Araújo, afirmou que a falta de efetivo nas forças de segurança estaduais do Rio Grande do Norte são a maior dificuldade da Sesed no combate ao crime. Segundo o secretário, a carência de efetivo impede a maior ostensividade nas ruas para prevenção do crime por parte da Polícia Militar e dificulta as condições de investigações da Polícia Civil.
Apesar de não possuir estatísticas de investigações concluídas para todos os crimes, a Sesed afirmou que 64,1% das investigações relacionadas aos homicídios ocorridos em 2019 (1.446) chegaram aos autores do crime. Neste ano, o percentual é de 46,6%. “Não é um índice satisfatório. Queríamos que todas as delegacias especializadas tivessem um índice maior, mas o maior obstáculo hoje é o baixo efetivo”, disse o secretário.
O secretário destacou que apesar do efetivo as forças de segurança aumentaram a eficácia no combate aos crimes contra o sistema financeiro (caixas eletrônicos, lotéricas, carros-forte e bancos). Segundo as estatísticas também compiladas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os registros desses crimes passaram de 35 em 2018 para 8 em 2019. “Temos conseguido fazer uma integração de todas as polícias, inclusive a Polícia Federal, e usado da tecnologia para aumentar o combate aos crimes contra bancos, que estavam muito fortes aqui no Rio Grande do Norte.”
Outra estratégia da Sesed tem sido o pagamento das diárias operacionais para a Polícia Militar para manter o efetivo nas ruas. Devido a pandemia do coronavírus, os recursos disponíveis para diárias aumentaram porque a Polícia Militar passou a atuar no cumprimento das medidas de isolamento social. Segundo Araújo, isso possibilitou o aumento geral da presença ostensiva da PM nas ruas.
Em contrapartida, enquanto a ostensividade aumentou no perímetro urbano, diminuiu nas áreas rurais, por causa do efetivo para manter o policiamento adequado nas duas áreas. Segundo a Sesed, houve um aumento de crimes contra propriedades dessas áreas — incluídos nas estatísticas “crimes contra a residência” no relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “As pessoas passaram a ficar mais em casa e migraram para essas áreas mais afastadas, o que levou a uma migração do crime também. O crime é um fenômeno social que se adapta o tempo todo”, disse o secretário.
Novos soldados
Com déficit de aproximadamente 6 mil militares na segurança pública, a Polícia Militar do Rio Grande do Norte vai ter à disposição 1.024 novos soldados a partir do dia 11 deste mês para recuperar o efetivo. Esses soldados foram aprovados no concurso público de 2018 e encerraram o curso de formação na semana passada. Eles foram convocados pela corporação em 2019.
Os novos militares formados vão atuar na segurança das eleições e até dezembro serão distribuídos aos 31 batalhões do estado, entrando na escala comum de trabalho. O curso de formação teve duração de 11 meses. A partir de janeiro mais 400 aprovados no concurso serão convocados para uma nova turma de formação.
Segundo o titular da segurança, não se trata de um aumento no efetivo da Polícia Militar, e sim de uma “reposição”. “Nos últimos anos tivemos muitas aposentadorias, policiais aprovados em outros concursos e óbitos. Essa convocação vai repor o efetivo da Polícia Militar”, disse. “Todas instituições de segurança pública de todos os Estados brasileiros têm carência de efetivo e aqui não é diferente”, acrescentou.
A Polícia Civil também prepara concurso público para ser realizado em 2021 para repor o quadro de efetivos. A instituição também tem um déficit de servidores. O concurso vai ter 301 vagas, sendo 47 para delegados, 24 para escrivães e 230 para agentes. O último ocorreu em 2008. “Esse é um esforço do governo estadual para que haja essa reposição e o efetivo se recupere”, concluiu Araújo.
Fonte: Tribuna do Norte
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