Algumas escorregadelas da língua – Por João Maria de Lima

Algumas escorregadelas da língua - Foto: Depositphotos

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São muitas as frases sobre a importância da língua portuguesa e sobre a dificuldade que o idioma de Camões nos impõe. Talvez a mais citada, entre as jocosas, seja a do Barão de Itararé: “O português é uma língua muito difícil. Tanto que calça é uma coisa que se bota, e bota é uma coisa que se calça”. Brincadeiras à parte, é de se considerar o pensamento atribuído a Voltaire: “Aprender várias línguas é assunto de um ou dois anos. Ser eloquente na própria língua exige metade da vida”.

Diversos são os episódios em que nos deparamos com escorregões linguísticos, os quais revelam a falta de atenção de quem fala ou escreve. No processo deimpeachment” da presidente Dilma Roussef, o que mais se ouviu foi: “Em nome dos meus filhos, em nome da minha mulher, em nome da minha mãe, voto sim”. Será que esses parlamentares tinham procuração para votar em nome dos citados?  O que se espera é que um político, não importa a bandeira partidária, represente todos os cidadãos, e não só os familiares. Ou, então, substituam “em nome de” por “em homenagem a”, “em respeito a”.

Neste período de relaxamento da pandemia, a entrada em alguns lugares tem sido controlada. Uma medida muito utilizada é a verificação da temperatura. Nessas horas, as pessoas insistem em dizer que precisam “tirar a temperatura”, assim como já diziam “tirar a pressão”. Dessa forma, corremos sérios riscos, pois ninguém vive sem “temperatura” ou “pressão”. A função dos aparelhos é verificar ou medir, nunca tirar.

Outro deslize na área médica é afirmar que o “transplantado teve alta”. O paciente é quem tem alta. O transplantado é o órgão. Quem recebe o órgão é o receptor; quem doa é o doador. Então, melhor seria dizer que o paciente do transplante teve alta.

É comum, na esfera esportiva, em especial no futebol, dizer que determinado clube tem um bom plantel para se referir ao grupo ou conjunto de jogadores de que dispõe o time. “Plantel” é coletivo de animais selecionados. Os atletas não se incomodam, e a imprensa não corrige. Segue o jogo das inadequações linguísticas.

Voltando ao cenário atual, em que se disputam eleições municipais, um candidato garantiu que estava “compromissado com a verdade”. Em compensação, não está com o português, pois, se tivesse algum compromisso, diria que estava “comprometido com a verdade”. Quando formamos o particípio, devemos ter em mente que ele deriva do infinitivo do verbo (comprometer); nunca do substantivo (compromisso). Isso vale para todos os casos.

Em uma palestra sobre oratória, o palestrante pediu à plateia que, quando estivesse no papel do orador, “prestasse atenção à maneira com que o público reagia”. Mas a palavra “maneira” refere-se ao modo, e não à companhia, por isso o conector adequado à frase deve expressar a ideia de modo (como), e não “com que”. Assim, o orador deve prestar atenção à maneira “como” o público reage.

Convite que causa arrepios é aquele que traz a frase isolada: “Contando com sua prestigiosa presença”. Seja em qual for a correspondência, essa forma verbal exige sempre a presença de outro verbo, para que a frase tenha sentido. Se o interesse é manter o gerúndio, uma opção seria: “Contando com sua prestigiosa presença, renovamos saudações”. Se a opção é escrever apenas uma frase, uma alternativa válida é dizer: “Contamos com sua prestigiosa presença”. Desse jeito, a língua será prestigiada. Por todos esses exemplos, é importante ficar atento ao fato de que “Mesmo o insensato, quando se cala, passa por calmo; e aquele que cerra os lábios, por prudente”. (Pr 17,28).

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Depositphotos

 

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