Machado de Assis, maior escritor da literatura brasileira, cunhou a seguinte frase: “Os adjetivos passam e os substantivos ficam”. Não há o que contestar no pensamento machadiano. Aliás, trata-se de bela sentença para chamar a atenção ao uso exagerado de adjetivos, pois a linha que separa a vagueza da eficiência em sua aplicação pode ser muito tênue. O adjetivo precisa acrescentar precisão e economia à frase. Nunca enfeitar o enunciado.
Adjetivos bem selecionados têm o poder de determinar a atmosfera de um texto. Em histórias de terror, por exemplo, são eles que dão o tom assustador e ajudam a criar, nos leitores, as impressões necessárias para aceitar os fatos extraordinários que serão narrados.
Substantivo e verbo são a roupa e o sapato da frase. As demais classes gramaticais, os acessórios. Adjetivos, advérbios, pronomes, artigos indefinidos e outros devem ser usados com pão-durismo. Ensinou Monteiro Lobato, “o adjetivo é escasso e sóbrio — vai abundando progressivamente à medida que descemos a escala de valores”.
Voltando à frase de Machado, realmente os adjetivos passam. O caro, o barato, o feio ou bonito, o esperto, o pobre ou o rico mudam de condição. O arroz estava barato; agora, está caro. O bonito pode ficar feio; o humilde pode ficar arrogante. O doente pode recuperar-se; o forte fica fraco; e o raivoso pode virar amoroso.
Adjetivos bem-vindos particularizam o nome. Dão validade à informação. Observe: “Comprei uma calça azul”. “Gosto de camisas brancas”. “Dois jogadores argentinos se destacam no campeonato brasileiro de futebol”. Nesses casos, “azul”, “brancas” e “argentinos” prestam um senhor serviço à frase. Tornam o nome mais particular. Eu não comprei qualquer calça, mas a calça azul. Não é de qualquer cor de camisa que gosto, mas da branca. Os jogadores poderiam ser brasileiros, paraguaios, chilenos ou colombianos. O termo “argentinos” elimina as demais possibilidades.
Além de caracterizarem os referentes dos substantivos, os adjetivos cumprem outra importante função: estabelecer, com o substantivo, relações de tempo, de espaço, de finalidade, de procedência etc. São os denominados adjetivos de relação. Observe: prova mensal (tempo); bairro americano (espaço); azeite espanhol (procedência); pronto-socorro cardiológico (finalidade).
Por outro lado, há adjetivos que contaminam, como um vírus, o substantivo. São os adjetivos-ônibus. Vazios e sem graça, não acrescentam informação ao nome. São tão inespecíficos que podem se juntar a qualquer substantivo. É o caso de “maravilhoso”. O cantor pode ser maravilhoso. A casa pode ser maravilhosa. O professor pode ser maravilhoso. A noite pode ser maravilhosa. Tudo pode ser maravilhoso. Conclusão: “maravilhoso” não diz nada. Da mesma linha, temos “excepcional”, “fantástica” e “bonito”.
Certos adjetivos, quando vêm acompanhando determinados substantivos, formam chavões pela insistência do uso: ascensão meteórica, lucros fabulosos, inflação galopante, congestionamento monstruoso, prejuízos incalculáveis, vitória esmagadora. Não é difícil desfazer o mau gosto. Basta esquecer o adjetivo e especificar o substantivo: lucros fabulosos (lucros de R$ 3 bilhões em um ano), inflação galopante (inflação de 60% ao mês), congestionamento monstruoso (congestionamento de 100km), vitória esmagadora (85% dos votos válidos).
A escritora Marta Medeiros define bem a relação “substantivo X adjetivo”: “O substantivo é a alma, o adjetivo é a lágrima. O substantivo é o amor, o adjetivo é o beijo. O substantivo é o crime, o adjetivo é o sangue. Ambos complementares, porém o substantivo é o conteúdo, o adjetivo é apenas o papel de embrulho”. É importante atentar para a funcionalidade do adjetivo; afinal “Quem receber um profeta por ele ser profeta, terá uma recompensa de profeta. Quem receber um justo por ele ser justo, terá uma recompensa de justo”( Mt 10,41).
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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