Menos educação, mais obras. Esta é tendência sinalizada pelo Governo de Jair Bolsonaro, que oficializou no final da semana passada sua intenção de cortar 1,4 bilhão de reais do orçamento do Ministério da Educação e destinar parte deste dinheiro para bancar obras ainda em 2020. Cerca de 70% deste valor, 1 bilhão de reais, seriam retirados da educação básica, para o ensino de crianças.
Estão sob risco a reforma ou construção de escolas, a compra de livros didáticos, os programas de educação em tempo integral e de inovação tecnológica. São alguns dos pontos que haviam sido alvo de promessas de mais recursos durante a campanha presidencial de Bolsonaro em 2018. Anualmente, o Governo compra cerca de 130 milhões de livros e, conforme o último planejamento, havia a previsão de implantar a escola em tempo integral em ao menos 102 novas unidades de ensino pelos próximos quatro anos.
Os detalhes sobre os cortes dos recursos constam de um projeto de lei em que o Executivo pede aos congressistas autorização para abrir créditos suplementares de 6,1 bilhões de reais. Recém-chegada ao Legislativo, a proposta ainda pode ser modificada pelos parlamentares, mas já indica qual é o rumo que o presidente quer dar para o fim deste ano, quando pretende anunciar uma série de obras de infraestrutura de olho na segunda metade de seu mandato e, consecutivamente, na campanha à reeleição em 2022.
Com o futuro remanejamento destes recursos, os ministérios que mais se beneficiariam seriam o do Desenvolvimento Regional, que receberia 2,3 bilhões de reais, e o da Infraestrutura, 1,05 bilhão de reais. E o que mais perderia, seria exatamente o da Educação. As alterações orçamentárias têm sido discutidas há pelo menos 40 dias em Brasília. Quando soube da possibilidade de ter seu orçamento para educação básica retalhado, o ministro Milton Ribeiro procurou o Palácio do Planalto para tentar impedir. Não teve sucesso.
Baixo empenho
O corte nesta área já vinha sendo monitorado por especialistas e ONGs que atuam no setor. Ao longo de 2020, a organização Todos Pela Educação vinha notando uma baixa execução orçamentária do MEC, ou seja, que a pasta segurava os recursos que já tinha autorização para gastar. Na prática, isso sinalizava que, quando o Governo tivesse necessidade de readequar custos, esta área poderia ser uma das mais afetadas. O que agora se confirmou. Antes mesmo dos cortes se configurarem, o orçamento do MEC hoje é o menor desde 2012.
No mês passado, durante audiência em uma comissão parlamentar no Congresso, Ribeiro disse que o corte lhe “entristeceu”. Sem dar nomes, afirmou que seus antecessores não empenharam nem executaram os valores como deveriam para garantir os recursos e que o Governo faria as mudanças porque era necessário honrar emendas feitas pelos parlamentares no Orçamento Geral da União. Antes de Ribeiro, passaram pela pasta Abraham Weintraub e Ricardo Velez.
“O povo da economia, que quer economizar de todo jeito, viu que tinha um valor considerável praticamente parado no segundo semestre e simplesmente estendeu a mão, mudou a rubrica e tirou da gente”, explicou. Questionado pelo EL PAÍS sobre como pretendia garantir os pagamentos previstos na área de educação básica, o MEC não se manifestou.
Os cortes foram sugeridos pela Junta de Execução Orçamentária, um colegiado composto por três ministros: Paulo Guedes (Economia), o general Walter Braga Netto (Casa Civil) e o general Luiz Eduardo Ramos (Governo). Os dois militares são defensores do maior gasto público para estimular a economia. Tem como seu principal aliado interno, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Social).
Conforme a proposta, além da Educação, os outros órgãos que mais perdem recursos são: a Economia (615,6 milhões de reais), a Cidadania (385,2 milhões), a Defesa (330 milhões), a Justiça e Segurança Pública (300 milhões) e o Turismo (148,7 milhões). Por outro lado, os ministérios que mais receberiam essa redistribuição de valores, além do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura seriam: Minas e Energia (286,6 milhões); Saúde (243,6 milhões) e Agricultura (50,5 milhões).
Confrontos internos
O pano de fundo destes cortes é a briga entre dois grupos do Governo Bolsonaro. Um, liderado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que com apoio da ala militar quer estimular a economia com grandes obras – e dando força ao projeto que realoca recursos de áreas como a educação para essas obras públicas. O outro, que tem como seu principal representante o ministro da Economia, Paulo Guedes. Este entende que o correto é manter a austeridade e, portanto, o teto de gastos públicos.
Na sexta-feira passada, os conflitos entre os grupos foram a público. Com acusações de parte a parte. Marinho disse que Guedes o surpreendeu negativamente, enquanto que o chefe da Economia afirmou que seu colega de esplanada era desleal. Antes, o embate de Guedes era com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Eles estavam rompidos há pelo menos três meses. Mas, como ambos são defensores do teto de gastos e não receberam nenhuma sinalização de Bolsonaro sobre este tema, decidiram se reconciliar. O risco que corriam era que, em confronto, dificilmente conseguiriam manter o mecanismo, que tem como objetivo evitar que o gasto público seja maior do que o do ano anterior.
Entre assessores do Palácio do Planalto, a expectativa é que o presidente se manifeste sobre a questão econômica nesta semana. A ideia é dar uma sinalização ao mercado financeiro que tem notado uma falta de credibilidade de Guedes e que ele estaria sendo abandonado por Bolsonaro.
Fonte: El País Brasil
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