Em termos de repertório de palavras, nós, brasileiros, somos campeões. De geração em geração, vamos enterrando umas e trazendo à baila outras tantas. Garimpar esses termos é embarcar em uma nostálgica viagem no tempo e entender por que Millôr Fernandes dizia que “o futuro é o passado, usado”. Uma pequena busca nos faz lembrar palavras e expressões curiosas, nem sempre mortas ou enterradas. Vamos a algumas.
Anágua (roupa íntima) – Usada pelas mulheres como uma forma de proteção, a anágua desapareceu. Como os tempos são outros, não há palavra correspondente a esse termo no presente.
Aprumar (ir para frente, vencer na vida) – O verbo aprumar era utilizado em referência ao sucesso que se obtinha, apesar das dificuldades visíveis. Noel Rosa deixou bem claro na letra do samba “Com que roupa?” o que era vencer na vida: “Agora vou mudar minha conduta/Eu vou pra luta, pois quero me aprumar/Vou tratar você com força bruta/Pra poder me reabilitar”. Aprumar, hoje, equivale a ser promovido.
Assistência (viatura destinada a transportar enfermos) – Outro craque da música, Adoniran Barbosa, deixou a assistência famosa, quando escreveu, na canção “Iracema”, uma das músicas mais tristes da história, os seguintes versos: “Iracema, fartavam vinte dias pra o nosso casamento, que nóis ia se casar/Você atravessou a São João, veio um carro, te pega e te pincha no chão/Você foi para assistência, Iracema/O chofer não teve curpa, você atravessou na contramão…”. Hoje assistência virou ambulância.
Azeite (azar o seu) – “Você não quer aceitar a minha proposta? Não? Azeite!” Era assim que as pessoas reagiam diante de uma negativa. Azeite expressava uma reação equivalente a “não estou nem aí, dane-se”. Essa expressão faz parte do enredo das histórias infantis, em particular uma em que a velha má prende duas crianças e, ao fugirem com a casa pegando fogo e a velha presa, as crianças respondem ao pedido de água da malvada: “Azeite, senhora vó!” Hoje, em vez de dizerem “azeite”, as pessoas dizem: “Dane-se”.
Batata (não falhar) – Se há um termo que não sai da boca do povo, literalmente, é a batata. Seja na culinária, com a batata-doce, da família das convolvuláceas, ou a batata-inglesa, da família das solanáceas, ou em expressões populares, nós somos adeptos da “batata”. Chamamos a panturrilha de batata da perna; uma complicação é uma batata quente; morder a batata é ingerir bebida alcoólica; quando se manda alguém plantar batata(s) diz-se o mesmo que “pare de incomodar”; soltar batatas é dizer besteiras. Mas uma está em desuso: batata ou na batata, com o significado de “não falhar”. Aparecia em frases assim: “O professor chega todo dia às 7 horas na batata; “O agricultor disse que ia chover e foi batata”.
Benedito (expressão de espanto) – Antigamente, quando um filho fazia travessuras, a mãe soltava a frase: “Será o Benedito?” Há controvérsias sobre a origem da expressão. Alguns dizem que nos anos de 1930, quando o então presidente, Getúlio Vargas, ficou indeciso em relação ao nome do interventor para Minas Gerais, os mineiros numa alusão a Benedito Valadares, um dos mais cotados para o cargo, cochichavam entre si: “Será o Benedito?”. Hoje a expressão “Será o Benedito?” foi substituída por “Verdade?”
Boticário (farmacêutico) – Houve um tempo em que farmácia se escrevia com ph. Nessa época, as pessoas iam ao boticário para ele aplicar uma injeção. Além disso, esse profissional passava o dia na farmácia vendendo e aconselhando remédios. Hoje, se perguntarmos a um jovem o que é “boticário”, ele vai responder que se trata de uma loja de perfumes.
Palavras e expressões à parte, sabemos que o palavreado que hoje está no auge poderá ser amanhã uma coleção de lembranças engraçadas ou inexplicáveis. Em 2050, talvez seja difícil explicar a uma criança que uma sequência da letra “K” significou “morrendo de rir”. Quem viver verá. E assim segue a língua, sempre a se revestir de novas palavras e expressões, a nos lembrar que “Ninguém costura remendo de pano novo em roupa velha; senão o remendo novo repuxa o tecido, e o rasgão fica maior ainda”. (Mc 2,21)
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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