Assunto dos mais indesejados na sala de aula, o verbo sempre foi injustiçado no ensino da língua. Talvez pela discrepância que há entre a teoria e a prática. O fato é que, nos últimos tempos, praticamente foi abandonado das aulas de português no ensino médio. Como se trata de assunto muito amplo, versarei, apenas, sobre um aspecto: a conjugação verbal.
Desde cedo, aprendemos que os verbos estão agrupados, de acordo com a vogal temática, em três conjugações. Os verbos com infinitivo terminado em –ar (vogal temática –a-): desviar, cercar, suspirar, enganar, por exemplo, fazem parte da primeira; os da segunda são os verbos com infinitivo terminado em –er (vogal temática –e-): dizer, ter, correr, estremecer; pertencem à terceira conjugação os verbos com infinitivo terminado em –ir (vogal temática –i-): fugir, cair, dormir, pedir etc. Uma curiosidade: o verbo pôr e seus compostos (repor, depor, compor, impor etc.) pertencem à segunda conjugação, porque pôr origina-se da forma latina ponere.
Feita a explanação inicial, falarei sobre a turma do Mario. Para isso, é preciso entender a conjugação do verbo odiar. Um detalhe importante a considerar nesse verbo é que, em alguns casos, existe “ei”, como em “odeio”, e, em outros, apenas “i”, como em “odiou”. Vale a pena saber lidar corretamente com ele, porque se trata de um dos cinco da língua portuguesa terminados em “iar”, que, pelo menos no Brasil, não seguem a conjugação normal. Os demais são mediar (e seu derivado intermediar), ansiar, remediar e incendiar. Quando juntamos as iniciais deles, temos: MARIO (Mediar, Ansiar, Remediar, Incendiar e Odiar).
Todos eles obedecem ao chefe odiar, que – claro – manda. Os outros vão atrás, conjugando-se do mesmo jeitinho: eu odeio (medeio, anseio, remedeio, incendeio), tu odeias (medeias, anseias, remedeias, incendeias), ele odeia (medeia, anseia, remedeia, incendeia), nós odiamos (mediamos, ansiamos, remediamos, incendiamos), vós odiais (mediais, ansiais, remediais, incendiais), eles odeiam (medeiam, anseiam, remedeiam, incendeiam) e por aí vai.
Essa irregularidade da turma do MARIO foi estendida, opcionalmente, pelo Acordo Ortográfico de 2008, aos verbos terminados em “iar” que se originam de substantivos terminados em “io”, como prêmio e negócio: eu premio/premeio, tu premias/premeias; eu negocio/negoceio; tu negocias/negoceias.
Alargando um pouco o tema, vêm as dúvidas frequentes entre “ver” e “vir”. No pretérito perfeito (passado acabado), nós vimos (ver); nós viemos (vir). No futuro do subjuntivo, quando eu vir, tu vires (ver); quando eu vier, tu vieres (vir).
Por falar em futuro do subjuntivo, é importante lembrar que ele indica que o verbo é de realização provável e que exige o correlato no presente ou no futuro do presente, como em “Se estudar, brilhará na prova”, “Se frequentar a escola cedo, a criança se alfabetiza (alfabetizará) com facilidade”.
Já o imperfeito do subjuntivo avisa que o verbo é de realização improvável e pede o futuro do pretérito: “Se estudasse, brilharia na prova”, Se frequentasse a escola cedo, a criança se alfabetizaria com facilidade”.
O verbo reaver, que é irregular e defectivo, conjuga-se como haver, só existindo, porém, as formas em que aparece a letra “v”. No presente do indicativo, resume-se a nós reavemos e vós reaveis.
Apesar de derivado de querer, o verbo requerer é um rebelde, pois não se conjuga como o verbo de que deriva. A primeira pessoa do singular do presente do indicativo é requeiro e, no presente do subjuntivo, requeira, requeiras.
Como falei de verbos complicados, é bom citar “caber” e “valer”. No presente do indicativo, os dois apresentam irregularidade na primeira pessoa do singular: “eu caibo/valho”. Nas demais, a conjugação é regular: “tu cabes/vales”, “ele cabe/vale”. Difícil? Nem tanto. Na música “Não vou me adaptar”, o compositor Arnaldo Antunes acertou em cheio na conjugação do verbo “caber”: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia. Eu não encho mais a casa de alegria”. O autor escorregou na regência, pois, se alguém cabe, cabe em, por isso deveria ter dito “Eu não caibo mais nas roupas em que eu cabia”, mas caprichou na flexão do verbo. “E o Verbo se fez carne, e veio morar entre nós, e nós contemplamos a sua glória, glória como do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.” (1Jo 1,14)
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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