A crescente exposição das crianças a leituras em meios digitais por conta da pandemia do novo coronavírus – que fechou escolas ao redor de todo o mundo – pode levar a alterações no cérebro dos pequenos. A afirmação é da professora Maryanne Wolf, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, em artigo publicado no The Guardian nesta segunda-feira (24).
“O processo de aprender a ler muda nosso cérebro, mas o mesmo acontece com o que lemos, como lemos e no que lemos (impressos, telefone ou laptop). Ainda estamos nos estágios iniciais de compreensão do impacto da aprendizagem com base digital no desenvolvimento do cérebro de leitura das crianças, bem como na manutenção do cérebro de leitura em adultos. Mas transformar novas informações em conhecimento consolidado nos circuitos do cérebro requer múltiplas conexões com habilidades de raciocínio abstrato, cada uma das quais requer o tipo de tempo e atenção muitas vezes ausente na leitura digital”, diz a autora do livro “Leitor, volte para casa. O cérebro de leitura em um mundo digital” em tradução livre.
Segundo a professora, o ambiente digital propicia uma leitura não profunda, o que afeta a capacidade de análise e senso crítico. “A diferença entre ler rapidamente e ler com toda a nossa inteligência é a diferença entre cérebros de leitura totalmente ativados e suas versões em curto-circuito e tela opaca”, afirma.
“O que falta [na leitura digital] é o processo de leitura profunda, que requer uma qualidade de atenção cada vez mais ameaçada, em uma cultura e em um meio em que a distração constante bifurca nossa atenção. Esses processos incluem conectar o conhecimento prévio a novas informações, fazer analogias, tirar inferências, examinar o valor da verdade, passar para as perspectivas dos outros (expandir a empatia e o conhecimento) e integrar tudo na análise crítica. A leitura profunda é a ponte de nossa espécie para uma visão e um pensamento inovador”, explica a especialista.
Pesquisas feitas por Naomi Baron, Anne Mangen e Lalo Salmeron, citadas pela professora em seu artigo, encontraram declínios na compreensão do aluno ao ler as mesmas informações em telas em vez de impressas. Tami Katzir e Mirit Barzillai encontraram percepções e resultados semelhantes em alunos israelenses de quinta e sexta séries. E até crianças de 3 anos parecem menos capazes de lidar com materiais mais abstratos ao ouvir histórias nas telas do que ler nos livros.
Maryanne Wolf defende a importância de desenvolver o que chama de cérebro biletrado – adaptado para a alfabetização digital e impressa tradicional. “’Ler, falar e cantar’ deve ser o mantra desde a infância até o momento em que as crianças tenham seu próprio mundo interior de leitura.”
Mudanças na visão
Antes mesmo das mudanças impostas pela pandemia do novo coronavírus, o uso excessivo das telas por crianças já vinha sendo relacionado a mudanças nos olhos dos pequenos. Médicos norte-americanos relatam um aumento de casos de miopia – dificuldade de enxergar objetos distantes – e um aumento nas dores de cabeça e cansaço visual digital, com visão embaçada e um pouco de secura nos olhos.
Para evitar prejuízos, a Optometrista Laura Aelvoet sugere que os pais proponham pausas nas telas a cada 20 minutos. “A ideia é que a cada 20 minutos a criança pare e olhe a cerca de 6 metros de distância da janela, se puder, e apenas pisque, pisque, pisque.”
A especialista também sugere que os pais monitorem seus filhos quanto a sintomas como dores de cabeça ou visão turva. “Se surgirem quaisquer sintomas, os pais devem ter os olhos de seus filhos examinados por um especialista”.
Fonte: Revista Crescer
Imagem: Getty Images