Mesmo com as escolas começando a reabrir nos Estados Unidos, o debate sobre a presença física de estudantes nas salas de aula se torna mais intenso. Em geral, acredita-se que as crianças possuem um risco menor de desenvolver a COVID-19 em sua forma mais grave, mas um novo relatório da Academia Americana de Pediatria (AAP) indica que os casos cumulativos dobraram no último mês: entre 9 de julho e 13 de agosto, o número aumentou de cerca de 200 mil para mais de 406 mil. Reabrir fisicamente as escolas pode acelerar esse crescimento, e potencialmente aumentar o número de crianças com sintomas graves e espalhar a doença pelas comunidades.
Quer as crianças se desloquem para as salas de aulas ou estudem remotamente em casa, cada possibilidade carrega um risco de prejudicar os estudantes, suas famílias e os adultos que trabalham com elas. O novo coronavírus que causa a COVID-19 pode se espalhar pelos corredores apertados e pelas salas de aula em uma escola. Mas confiar apenas no aprendizado virtual pode prejudicar o desenvolvimento educacional e social de uma criança, e pode ter efeitos econômicos sérios no longo prazo. Na tentativa de minimizar os danos, algumas escolas estão implementando individualmente diversas ações e planos, e estão preparadas para mudar de planos se as condições locais mudarem também.
O risco da saúde pública
Há evidências que sugerem que as crianças — que com certeza não são imunes à COVID-19 — são, de alguma forma, menos vulneráveis do que os adultos. Um estudo publicado em junho na Nature Medicine descobriu que as pessoas com menos de 20 anos tem metade da probabilidade de contrair a doença em comparação com adultos mais velhos. O relatório da AAP que indicava o aumento de casos entre as crianças também descobriu que essa população representa apenas 9,1% de todos os casos de COVID-19 dos Estados Unidos, e que os casos graves de coronavírus são raros entre crianças, resultando em menos hospitalizações e mortes. “Felizmente, a COVID em crianças, na vasta maioria dos casos, é muito fraca e limitada. Muitas crianças geralmente são assintomáticas”, diz Danielle Dooley, pediatra e porta-voz da AAP.
Apesar de o risco ser menor, ele existe. O relatório da AAP, que inclui dados de 44 estados, nota que uma pequena porcentagem desse grupo etário — entre 0,2% e 8,8% dos casos de COVID em crianças — demandou hospitalização. O mesmo relatório indica que 19 dos estados não relataram nenhuma morte entre crianças, e a maior taxa de mortes pediátricas era de 0,6% dos casos. Mas se o número total de infecções neste grupo etário aumentar, também crescerá o número de casos graves provavelmente.
As crianças também podem transmitir o coronavírus para adultos, que tendem a apresentar casos muito mais graves dos sintomas. Professores, funcionários, motoristas de ônibus e outros passam todos um período significante de tempo com estudantes em espaço confinados, onde estão expostos a um risco relativamente alto de contrair COVID-19 das crianças (além de uma a outra). Antes que qualquer estudante entrasse em algum prédio das escolas do Condado Gwinnett, na Georgia, 260 empregados que participaram de reuniões de planejamento ou testaram positivo para COVID-19, ou tiveram contato com alguém que teve a doença. Em Santa Clara, na Califórnia, 40 funcionários de escolas participaram de uma reunião fechada; dias depois, um dos funcionários testou positivo para a COVID-19. Como resultado de sua exposição, os outros atendentes tiveram de passar por uma quarentena. Muitos funcionários de escolas temem que o retorno às salas de aula coloque suas vidas e a de seus familiares em risco.
“O problema a considerar é se as crianças são ou não vetores”, diz Helen Jenkins, epidemiologista de doenças infecciosas na Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston. O conhecimento sobre o quanto uma criança pode transmitir o coronavírus ainda está em aberto. Jenkins diz que alguns dados sugerem que “aquelas infectadas tem metade da chance que um adulto tem de transmitir a doença para outros”. Dooley nota que “também estamos observando um aumento nos dados de crianças que não se mostram transmissoras, então elas não estão necessariamente passando [a doença] para outras crianças ou outros adultos em suas casas ou suas comunidades — dos dados que observamos até agora”. Mas outros dados indicam que crianças com mais de 10 anos podem atuar como vetores. Um estudo na Emerging Infectious Diseases, publicado online em julho, analisou relatórios de localização de contágio para quase 6000 pacientes com coronavírus na Coreia do Sul, e descobriu que aqueles com idade entre 10 e 19 anos espalharam o vírus tanto quanto os adultos.
Mesmo se as taxas de transmissão e os casos graves forem baixos, o comparecimento físico dos estudantes às escolas poderiam carregar pelo menos algumas infecções para os membros de suas famílias. E essas pessoas poderiam se revelar casos de doença mais graves, e espalhar o vírus de forma mais efetiva entre a população geral. Isso pode ter contribuído para uma segunda onda de casos de coronavírus em Israel; em maio, os números do país eram baixos, e as escolas reabriram com poucas restrições. Mas então o número de infecções em crianças rapidamente aumentou, seguido pelo de pessoas mais velhas. Em outros países, as escolas reabriram com mais cautela e implementando uma variedade de restrições: exigência de máscaras, limitação da interação entre os estudantes, ou planos de retomar a abertura aos poucos, aceitando apenas crianças mais jovens, ou funcionando apenas um dia por semana.
O risco de desenvolvimento
Há grandes vantagens em voltar às aulas. “A escola tem um papel central na vida de uma criança. Não é possível entregar todos os serviços e benefícios das escolas quando a criança está em uma situação de aprendizagem remota”, diz Dooley. Ela explica que a escola geralmente fornece alimentação — mais de 30 milhões de crianças são atendidas — além de cuidado recreacional, físico e mental. Além disso, “estar cercado por seus colegas, e estar cercado por uma comunidade de adultos que te apoiam — isso é crucial para o desenvolvimento de uma criança”, ela pontua. “Elas precisam desse contato com seus pares para crescerem.”
Claro, tudo isso somado ao mais importante serviço que a escola fornece: educação. “A educação é um determinante muito importante de saúde de curto e longo prazo”, diz Dooley. Estudantes que tentam aprender virtualmente necessitam de equipamento e de uma boa conexão de internet. Estudantes de educação especial precisam de uma atenção extra que nem sempre recebem através de videoconferências. Crianças mais jovens precisam do apoio de um adulto, geralmente de um pai ou mãe que trabalha em casa ou um tutor contratado, para completar seu trabalho. Muitos estudantes, em particular aqueles de lares de baixa renda, não têm essas opções e por isso estão ficando para trás em seu rendimento. Famílias de alta renda podem comprar suplementos, fornecer internet com uma velocidade melhor e contratar professores particulares, o que permite que suas crianças evitem tais contratempos. Além disso, a diferença social entre famílias brancas e famílias de minorias significa que esse desequilíbrio no resultado escolar pode aumentar a diferença entre os estudantes brancos e os de minorias, de acordo com um novo relatório do instituto de pesquisa Center for American Progress e da empresa de consultoria McKinsey & Company.
Muitos pais também dependem do sistema escolar para cuidar das crianças durante o horário de trabalho. E como o aprendizado remoto geralmente necessita da ajuda de pelo menos um adulto, até mesmo os pais que conseguem trabalhar em casa vivem o estresse de ter dois trabalhos integrais: um remunerado e um não remunerado, de ensinar e cuidar da criança. A situação geralmente é descrita como “esmagadora”. Isso pode causar problemas econômicos, além de problemas de saúde mental. Se as escolas realmente não abrirem, alguns pais (muitas vezes as mães) terão de ser forçados a deixar a força de trabalho — e então não conseguirão retornar. No aspecto individual, as famílias perderão renda; no nível da sociedade como um todo, isso poderia afetar gravemente a economia.
Para evitar isso, instituições como a AAP, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, várias organizações de educadores e a Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina, argumentaram a favor do ensino presencial — se puder ser conduzido com segurança. Isso significa estabelecer regras efetivas e rigorosas, e protocolos que irão permitir os estudantes a comparecer fisicamente à escola, enquanto diminui os riscos à saúde dos estudantes e de suas comunidades.
Como reabrir as escolas
Não existem regras iguais e universais para uma reabertura segura. As taxas de transmissão das comunidades variam muito de região para região, e de mês para mês. Diferentes distritos encaram realidades financeiras muito diferentes. Mesmo dentro de um mesmo sistema escolas, estudantes mais jovens e mais velhos apresentam diferenças em suas habilidades para aprender virtualmente e na probabilidade de que venham a espalhar o novo coronavírus. “Nós temos que estar preparados e flexíveis para um ano escolar em constante mudança”, diz Dooley. “Protocolos e procedimentos aplicados no começo do ano letivo podem ser alterados conforme o nível da doença possa evoluir em uma comunidade.”
Muitas das medidas para manter estudantes em segurança são as mesmas necessárias para proteger a população geral: cobrir o rosto, lavar regularmente as mãos durante o dia, limitar os estudantes a pequenas bolhas sociais, melhorar a ventilação nas salas de aula, e mesmo dar aulas ao ar livre quando possível. Manter as crianças e os adultos a uma distância segura também ajudaria. Mas isso pode ser difícil porque demanda um espaço que às vezes não está disponível. Alguns dizem que esse problema pode ser resolvido desenvolvendo calendários para que cada estudante compareça menos dias nas aulas presenciais (e estude em casa no resto do tempo), reduzindo o número de pessoas no prédio em certo momento. “Outra coisa que podemos fazer é testar regularmente”, diz Jenkins.
“As crianças geralmente são assintomáticas”, então fazer testes rápidos iria permitir que as escolas identifiquem e isolem as pessoas com COVID-19 para proteger outros alunos e professores.
Diversas dessas medidas — melhorar a ventilação, colocar algumas crianças no sistema de estudo virtual e fornecer testes com rapidez e regularidade — precisarão de fundos adicionais, potencialmente do governo federal. Talvez por conta dessa dificuldade (além da pressão política de alguns que insistem que forçar as precauções contra a pandemia é desnecessário ou intrusivo), muitas escolas correram para reabrirem fisicamente sem tomar as precauções necessárias. No último mês, Flórida e Iowa anunciaram que as escolas devem fornecer ensino presencial, apesar do fato de que os casos de COVID-19 estavam aumentando em ambos os estados. Na Geórgia, fotos de estudantes, em sua maioria sem máscara, se amontoando nos corredores se espalharam nas redes sociais; após nove pessoas testarem positivo para a COVID-19, a escola teve que instituir o aprendizado somente online enquanto o prédio foi fechado para limpeza. Sem medidas de segurança — ou com picos repentinos no contágio da comunidade — outras escolas podem reabrir apenas para que logo tenham que fechar de novo.
“Uma das melhores coisas que podemos fazer para manter as escolas seguras é manter a transmissão local baixa”, diz Jenkins. Para conseguir isso, ela recomenda que as autoridades atuem firmemente para controlar o vírus, mesmo que isso signifique fechar comércios como academias e bares. “É muito tentador querer reabrir o máximo possível de indústrias, por conta da pressão para retomar a economia”, ela diz. “Mas é improvável que tenhamos tudo. Eu espero [que os governadores estão] pensando nas prioridades, e eu espero que as escolas estejam no topo delas”.
Fonte: Revista Scientific American
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