Em um país em que, há algum tempo, pregam-se a discordância de ideias e a intolerância, não podemos abrir mão da concordância linguística, embora reconheça-se que nem sempre concordar é fácil.
Em princípio, a concordância verbal não traz dificuldade, pois o verbo concorda em gênero (singular e plural) e pessoa (passei/passamos/passaram) com o sujeito ou agente da oração. Logo: Eu passei pela rua; Nós passamos pela rua; eles passaram pela rua.
A confusão começa, na maioria das vezes, quando o verbo vem antes do sujeito, o que favorece situações como “Basta” dois dias para o trabalho. O certo é Bastam dois dias para o trabalho. Provavelmente não haveria dúvidas se os termos da oração estivessem na ordem direta: Dois dias bastam para o trabalho.
Outra situação em que os problemas se avolumam ocorre quando o sujeito é composto, isto é, formado de dois ou mais núcleos. A epígrafe do texto, retirada do livro de São Marcos, é um bom exemplo disso, apesar de a regra ser bem mais fácil do que se imagina: caso o sujeito seja composto (o céu e a terra) e venha depois do verbo (passará), este concordará com todos (no plural) ou com o núcleo mais próximo (no singular). Conforme se vê, Passarão o céu e a terra também seria válido. O que se deve observar em frases assim é a intencionalidade de quem escreve. Na frase bíblica, parece ter havido a intenção de se enfatizar o núcleo mais próximo (céu).
Outro caso habitual ocorre quando o sujeito (o agente da oração), em geral no plural, está distante do verbo: As razões, além da distância e do desgaste da viagem, é (o certo:são) a incerteza da sua presença; As promoções que o clube lança duas vezes por ano está (o certo: estão) elevando o número de sócios.
O ouvido pode ter papel importante na consumação do erro. Assim, se o sujeito está no singular, mas se faz acompanhar de palavras no plural, o último som retido pela memória impõe erradamente muitas vezes a concordância no plural: A coincidência dos fatos fazem (o certo: faz) supor que nasceram um para o outro; O depoimento das testemunhas causaram (o certo: causou) revolta; A origem das fakenews foram (o certo: foi) identificada.
Se deixarmos de lado os verbos sem esquecermos a concordância, teremos alguns casos que merecem nossa atenção. Nos adjetivos compostos (duas ou mais palavras ligadas por hífen), só o último elemento é flexionado: estudo histórico-filosófico, vida profissional-amorosa, análises político-econômico-financeiras. Porém, há exceção: surdo-mudo varia normalmente, seja adjetivo, seja substantivo (homem surdo-mudo, homens surdos-mudos; mulher surda-muda, mulheres surdas-mudas; as surdas-mudas; os surdos-mudos).
Muitas vezes, a concordância se faz com a ideia implícita, desprezando o substantivo. É o caso de A Augusto Leite será reformada, em que está subentendida a palavra praça. É como se fosse: A praça Augusto Leite será reformada. Outros exemplos: O Gargalheiras (açude) pode sangrar este ano; O Hanna Safieh (edifício) foi palco de uma tragédia; A Prudente de Morais (avenida) vive congestionada.
O adjetivo que se refere a uma forma de tratamento combina com o sexo da pessoa: Vossa Senhoria (homem) está alterado; Vossa Senhoria (mulher) está alterada; Sua Alteza (rainha) está recuperada?; Sua Alteza (rei) ficou irritado?
Em meio a tanta discordância no dia a dia, buscar a concordância verbal e nominal é um bom começo, pois Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus (Mt 18,19).
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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