Resgatando a metodologia do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, os professores Alex Galeno, do Instituto Humanitas da UFRN, e Fagner Torres de França, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, propõem em artigo uma reflexão sobre o modo de se produzir pesquisa nas ciências sociais. Eles propõem uma reforma sobre a análise de fenômenos da sociedade para além da perspectiva do acontecimento, trazendo outras áreas do conhecimento científico para dentro da investigação.
Por meio dos conceitos envolvidos na construção da sociologia do presente e da sociologia da complexidade, desenvolvidas pelo autor francês, os pesquisadores abordam o porquê da necessidade de uma abertura das Ciências Sociais para o estudo de fenômenos cada vez mais complexos e multidimensionais. Enquanto a sociologia do presente é uma abordagem multidisciplinar, a ideia de complexidade se encarrega de problematizar os eventos em questão, e esses dois pontos complementares entre si orientam o pesquisador a abrir seu campo de estudo e integrar outras áreas do conhecimento que tenham relação com o objeto de estudo.
Com base nesse fundamento, o artigo, publicado no Global Journal of Human Social Science, revela a importância do engajamento subjetivo e objetivo por parte do pesquisador e o restabelecimento da comunicação entre as áreas do conhecimento. Em defesa de uma pesquisa científica voltada à uma compreensão profunda, e por diferentes lentes, de um fenômeno social, os pesquisadores sugerem que essa perspectiva pode ser chave para os estudos sobre a sociedade.
Leitura da realidade para além dela
Edgar Morin defende a existência de um mundo físico, um mundo vivo, a transdisciplinaridade e o conhecimento. Integrados, esses eixos fundamentais de sua teoria funcionariam como alicerces para as pesquisas da área. É a partir dessa perspectiva que, na visão dele, um pesquisador deve refletir seu objeto de estudo, mantendo seus olhos abertos para outras áreas do conhecimento para que pense de forma nova.
De acordo com Alex Galeno e Fagner Torres, ser pesquisador significa ter coragem de estar no meio dos acontecimentos e deles extrair reflexões singulares, mas o que se vê acontecendo na atualidade é a falta de percepção ao que chamam de “movimento subterrâneo das placas tectônicas da sociedade”. Para os professores, alguns cientistas sociais acreditam que a realidade precisa ser traduzida para números e estatísticas, o que não está errado, desde que sejam acompanhados de um olhar sensível e aguçado para que a interpretação não encerre no superficial.
A pandemia causada pelo novo coronavírus é apontada como exemplo disso. “Todo dia o mundo nos mostra como somos interconectados, mas teimamos em não reconhecer este fato. Vivemos uma pandemia neste momento no mundo. Um vírus mutante em Wuhan, na China, é capaz de atingir todo o planeta em questão de semanas. O vírus é biológico, mas não apenas. É um problema político, porque alguns governos não sabem como lidar com isso e preferem negar sua existência ou fortalecer seus regimes de força”, expõem.
Alex e Fagner revelam que o vírus também é econômico, tanto pelo impacto no comércio, que precisou fechar suas portas, quanto pela busca pelo desenvolvimento de uma vacina, que pode render dinheiro para o país, mas não só, o vírus tem ainda outro aspecto. “Ele é cultural, porque as nossas condições de vida propiciaram seu aparecimento, e também porque tivemos que mudar radicalmente nossos modos de vida. De um dia para o outro o inimaginável aconteceu: a máquina parou”, finalizam.
Os professores explicam que Morin está sempre em busca de um método capaz de abordar os fenômenos sociais cada vez mais complexos em um mundo cada vez mais incerto. Por este motivo, eles defendem que a sociologia do presente é importante para que se amplie o presente para “criar as condições para um futuro menos apocalíptico”. Para eles, dar continuidade aos estudos dessa abordagem é necessário para se construir um olhar transdisciplinar sobre o mundo por meio do que está acontecendo no agora.
A questão da abordagem transdisciplinar proposta por Edgar Morin seria um avanço civilizatório, na visão dos pesquisadores. Na questão relacionada ao novo coronavírus, a multiplicidade de caminhos, da biologia à política, da ecologia à solidariedade humana, é bem-vinda. Para eles, se inclui também nesse processo pensar em uma educação transgressora desde as escolas. “Transgredir pela educação é o mínimo que podemos fazer se quisermos deixar um mundo mais justo para as gerações futuras. Se não quisermos, basta continuar fazendo o que estamos fazendo”, comentam.
O fazer de um pesquisador
Atualmente, retomar o método desenvolvido por Morin, em 1945, para as pesquisas a serem desenvolvidas pelas universidades se mostra desafiador por inúmeros motivos, dentre eles, o fato de ser preciso ter uma visão ao mesmo tempo telescópica e microscópica dos fenômenos, de forma a entender tanto aspectos gerais quanto particulares. “Outro motivo é a necessidade de se constituir um grupo multidisciplinar para estudar as múltiplas dimensões de um fenômeno, colocar os conceitos em perspectiva, confrontar os relatos dos pesquisadores, rever a estratégia de abordagem, mudá-la se for necessário”, afirma os pesquisadores da UFRN.
Contudo, mesmo com as barreiras, é possível incentivar que pesquisa dos dias atuais seja voltada para a metodologia de Morin. Na UFRN, por exemplo, os professores destacam dois grupos de pesquisa que trabalham em cima dessa perspectiva há muitos anos, como o Marginália e o Grecom.
O Grecom é coordenado pela professora Maria da Conceição Xavier de Almeida, do Centro de Educação (CE/UFRN), principal interlocutora de Edgar Morin em Natal/RN. Há 25 anos, o grupo trabalha de forma transdisciplinar com pesquisadores de diversos campos, entre eles, da Física, Matemática, Pedagogia, Sociologia, Geografia, Artes, Direito, Biologia e Ecologia. “Durante todos estes anos, o Grecom tem feito um trabalho de semear pequenas ilhas de resistência, de abertura, de ousadia, de criatividade no pensamento. Qualquer tema pode ser importante, dependendo de como o abordamos”, diz Alex Galeno.
Abrindo portas, o Grecom inspirou a criação de outros grupos de pesquisas na UFRN, como é o caso do Marginália, coordenado pelos professores Alex e Fagner. Sendo um grupo mais recente, trabalha com as abordagens, os métodos e dinâmicas de pesquisas dos integrantes. Desenvolvendo análises dos projetos de cada um e realizando oficinas do pensamento, atividades de exposição e discussão de textos, além de debates com convidados especiais. Assim como o Grecom, participam do Marginália pesquisadores de áreas distintas, dos campos da história, comunicação, sociologia e tecnologia.
Os dois grupos de pesquisa atuam como fomentadores para que os pesquisadores tenham um espaço de discussão sobre seus métodos e conheça referências em diferentes áreas, para que a visão sobre o objeto de pesquisa ganhe amplitude. Do contrário, metodologias e autores continuarão sendo utilizados para que se chegue aos mesmos resultados já obtidos anteriormente por outros pesquisadores.
Alex Galeno e Fagner Torres explicam que, para Morin, embora cada pesquisador precise ter o domínio de alguns métodos de pesquisa, o essencial é que ele ouse e busque para além de sua área. “As disciplinas e as especialidades são importantes e necessárias, mas seus conceitos explicativos encontram limites na pesquisa e aí, por vezes, é necessário abrir-se ao diálogo com as outras áreas do conhecimento, promover um encontro de saberes. Pensamos que é nesse tensionamento, nessa fricção das ideias, nessa porosidade disciplinar que algo de novo pode advir”, concluem.
Fonte: UFRN