Tecnologia para o sorriso

Os dados não fazem sorrir: de acordo com informações do IBGE, pelo menos 16 milhões de brasileiros não têm nenhum dente. Se considerarmos as pessoas com mais de 60 anos, quatro em cada dez (41,5%) são completamente desdentados. Dentre as diversas explicações para compreender a causa dessa realidade, uma delas aponta para a dificuldade de acesso aos tratamentos odontológicos devido ao custo elevado. Seria por que o uso de novas tecnologias no campo da odontologia encarece em demasia valor do tratamento?

Não necessariamente. Para a cirurgiã-dentista graduada pelo Centro Universitário Doutor Leão Sampaio (Unileão) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas (PPGCO) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ana Larisse Carneiro, o desenvolvimento tecnológico aplicado aos procedimentos odontológicos podem até ajudar a baratear o tratamento. E isso acontece com o tempo (os equipamentos, softwares e materiais vão ficando mais baratos) e quando, por exemplo, o uso da tecnologia permite reduzir etapas clínicas.  Além disso, é preciso considerar os benefícios que essas tecnologias proporcionam com relação à qualidade e à precisão do procedimento realizado e ao resultado final.

Ana Larisse desenvolve trabalho de mestrado na área da reabilitação oral com ênfase em prótese dentária. Seu trabalho é voltado para o uso de tecnologias digitais direcionadas para a confecção de estruturas em próteses fixadas sobre implantes. Recentemente ela foi notícia como Bolsista em Destaque em uma publicação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação que atua incentivando as pesquisas de pós-graduação no Brasil.

Isso porque Ana Larisse, orientada pela professora Adriana Carreiro do Departamento de Odontologia (DOD/UFRN), desenvolve uma pesquisa clínica relacionada ao desenvolvimento e uso de um dispositivo que ajuda no tratamento de pacientes desdentados totais. Trata-se de uma estrutura produzida em resina que une os implantes realizados em pacientes desdentados, permitindo fazer o escaneamento e a geração de uma imagem do interior da boca do paciente, ou seja, um modelo digital.

É com base nesse modelo que vai ser desenhada, e posteriormente produzida, a estrutura metálica a ser adaptada sobre esses implantes. Dessa forma, é possível justamente fazer a eliminação de uma etapa clínica, a de moldagem. Além disso, é possível obter mais precisão no resultado do trabalho, reduzir o tempo de tratamento e promover mais conforto para o paciente.

Dispositivo se encaixa sobre os implantes para servir como referência para o scanner

Desafio

O trabalho de reabilitação de pacientes completamente desdentados que realizaram implantes para receber uma prótese total apresenta uma dificuldade relacionada ao uso do scanner intraoral. Esse equipamento, parecido com uma caneta, permite criar em computador uma imagem em 3D da arcada dentária, servindo para planejar e definir o desenho da estrutura sobre a qual vai ser confeccionada a prótese.

Em outros termos, esse scanner permite a criação de um modelo digital da boca, substituindo aquele procedimento convencional feito por meio de uma moldeira preenchida com uma massa que é inserida na boca do paciente. Tal procedimento, vale destacar, causa desconforto em muitas pessoas.

O problema, conforme explica Ana Larisse, é que para gerar uma imagem com precisão, o scanner toma como pontos de referência os dentes que o paciente ainda possui, mas em alguém desdentado essa referência não é possível, o que leva à imprecisão da imagem obtida.  Segundo ela, na literatura científica é possível verificar um histórico de pesquisas nessa área, mas sem apontar para soluções clinicamente exitosas diante dessa dificuldade.

Ao ingressar, em 2018, no PPGCO da UFRN, ela passou a trabalhar com a equipe da professora Adriana Carreiro (DOD/UFRN) em pesquisas relacionadas ao uso de equipamentos capazes de substituir os materiais comumente utilizados em próteses dentárias. Assim, sua pesquisa foi direcionada para dar continuidade ao trabalho de doutoramento da professora Maria Fátima Campos, que tratava da reabilitação de pacientes com prótese provisória do tipo total fixa instalada sobre implantes, utilizando o método convencional. O desafio seria substituir essas próteses provisórias por finais, usando recursos de tecnologia digital em pacientes desdentados.

“Só estamos conseguindo realizar isso em decorrência de inúmeros fatores. Um deles é o desenvolvimento de um dispositivo para promover referência para o scanner intraoral”, explicou.

Etapas

Entre pensar a solução para um problema e resolvê-lo, há um percurso a ser cumprido. Da idealização do projeto até transformá-lo em realidade, várias etapas precisaram ser superadas. Uma delas diz respeito ao desenho do dispositivo e de seus componentes, à indicação de montagem, à definição de especificidades de medidas e de materiais.

Superar essa fase permitiu ir para o próximo passo, a produção de um modelo digital do protótipo. Na tela do computador foi possível ter, em diversos ângulos, uma visualização prévia do dispositivo antes da fabricação.

Na etapa seguinte, foi feita uma impressão desse modelo em uma impressora 3D. Para fazer os testes, o material usado foi resina e a cor foi escolhida de maneira a facilitar o reconhecimento pelo scanner.

Confeccionado em resina, o dispositivo é montado sobre os implantes

Na sequência, vieram as etapas de ensaios e as avaliações clínicas. Foi nessa fase que se testou o dispositivo na boca de pacientes. Instalado sobre os implantes, ele precisava servir de referência e permitir fazer com precisão o escaneamento da arcada desdentada. A partir da imagem tridimensional gerada no computador por meio de um software, foi planejada a estrutura metálica na qual pode ser confeccionada a prótese definitiva.

A imagem escaneada da arcada vai para o computador onde se realiza o planejamento da estrutura metálica da prótese

Após todas essas etapas e diversos ensaios clínicos, os resultados preliminares têm animado a equipe. “O projeto é que ele seja fabricado em PEEK, uma resina da engenharia que evite deformações durante o processo de esterilização. No entanto, ainda não foi possível confeccionar o mesmo com esse material, tendo em vista que ainda está sendo testado”, disse a mestranda.

PERSPECTIVAS

O uso de tecnologias digitais na odontologia pode trazer benefícios tanto para o paciente quanto para o dentista. Em se tratando de reabilitação por meio de próteses, esses recursos apresentam vantagens em relação ao método convencional que está mais sujeito à influência da posição dos implantes, à habilidade do profissional, a erros laboratoriais, geralmente associados à confecção de modelos de trabalho e até do processo de fundição.

Segundo Ana Larisse, o dispositivo desenvolvido é inovador porque torna viável o uso de tecnologia de escaneamento no caso específico de pacientes desdentados. Mas o trabalho precisa ir além: é necessário comprovar cientificamente os benefícios dessa invenção. E essa é outra parte da pesquisa que ela desenvolve e visa demonstrar evidências de que o uso desse dispositivo voltado para permitir a criação de uma imagem em 3D da boca de paciente desdentado apresenta viabilidade e avanço em relação ao método convencional. Trata-se de uma etapa fundamental para o processo de registro de patente que estabelece o direito de propriedade sobre um invento.

Os resultados até agora são positivos. O dispositivo de reabilitação oral permite que pacientes desdentados possam ser tratados usando os benefícios da tecnologia digitais usadas na odontologia ao mesmo passo em que significa uma redução de etapa e no tempo de tratamento. “Eu acredito que a inovação da pesquisa, frente os resultados contrários da literatura, as patentes desenvolvidas dentro desse projeto causaram forte interesse. No entanto, sem dúvida o retorno para o paciente no que concerne um tratamento mais rápido, traz grandes contribuições não só para a pesquisa para a sociedade”, concluiu.

Fonte: Ascom/UFRN

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