Com mais de 2 milhões de casos no Estados Unidos desde que a pandemia do coronavírus começou no final de dezembro, já existem muitas pessoas que se recuperaram da Covid-19. No entanto, também há relatos de pessoas que continuam a ter efeitos colaterais duradouros decorrentes da infecção. Sou professor e médico, e minha especialidade é em doenças infecciosas que afetam adultos. Eu não só cuido de pacientes com infecções bacterianas, parasitárias e virais – Covid-19 inclusa – como também tenho participação ativa no ensino e na pesquisa sobre doenças que patógenos infecciosos podem causar.
Aqui eu ofereço um resumo do que já sabemos hoje sobre a recuperação da Covid-19 – e de em quais áreas importantes do nosso conhecimento ainda há lacunas. Boa parte destas informações, que foram coletadas de estudos que se iniciaram após a epidemia de SARS em 2003, é importante para aqueles que estão se recuperando e seus familiares e amigos, que precisam saber o que esperar da doença.
Confusão ou síndrome pós-tratamento intensivo
Para os pacientes que tiverem quadro mais grave e forem tratados em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), há um risco substancial de delírio. O delírio é caracterizado pela confusão, pela dificuldade em prestar atenção, pela pouca consciência de si mesmo, do seu ambiente e do tempo, e até mesmo pela inabilidade de interagir com os outros.
O delírio não é uma complicação específica da Covid-19, mas infelizmente é uma complicação comum do tratamento em UTI. Os fatores de risco incluem idade avançada e doença pré-existente. Alguns estudos dizem que até 75% dos pacientes tratados em UTI têm delírios. O problema não é só a confusão durante a hospitalização, mas também a que ocorre nos meses seguintes. Por exemplo: três ou nove meses após a alta, muitos daqueles que se recuperaram ainda têm dificuldades com a memória a curto prazo, com a habilidade de entender palavras escritas e faladas e com a aprendizagem. Algumas pessoas até já tiveram dificuldade em saber onde estavam e qual era a data. E o desempenho do controle cognitivo também foi significantemente pior naqueles que sofreram de delírio.
Médicos têm feito um esforço considerável para reduzir o delírio de pacientes em UTIs. Alguns métodos que podem ajudar são a redução do uso de sedativos, a reorientação repetida do paciente quanto a datas, ao tempo e à sua localização, a mobilização precoce, a redução de ruídos e a estimulação cognitiva.
Pulmões: Haverá uma dificuldade de respiração crônica?
Os pacientes com quadros mais severos da Covid-19 geralmente sofrem de pneumonia e da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) enquanto estão doentes. Médicos não têm acompanhado pacientes que se recuperaram do novo coronavírus por tempo suficiente para saberem se existirão problemas a longo prazo quanto à respiração.
No entanto, um estudo de profissionais de saúde na China que contraíram SARS, que é causada pelo coronavírus tipo SARS-CoV, que circulou na epidemia de 2003, é tranquilizador. A maioria dos danos nos pulmões (que são medidos por mudanças intersticiais verificadas em tomografias computadorizadas do pulmão e avaliações da função respiratória) foi curada em até dois anos após a doença.
Olfato e paladar
A maioria dos pacientes com Covid-19 perdem o olfato e o paladar. Apenas um quarto dos pacientes perceberam uma melhora após uma semana; a maioria deles não recuperou esses sentidos depois de 10 dias.
Síndrome da fadiga pós-infecção
Embora novamente seja muito cedo para termos certeza disso, no caso da epidemia de SARS, quase metade dos sobreviventes entrevistados ainda queixavam-se de fadiga após mais de três anos da recuperação deles.
Os critérios do Centro de Controle e Prevenção de Doenças [dos Estados Unidos] para o diagnóstico da síndrome da fadiga crônica foram atendidos em um quarto dos pacientes com Covid-19. Provavelmente será importante focar em intervenções na saúde mental dos sobreviventes da Covid-19, para ajudá-los a lidar com a convalescença prolongada que caracteriza a fadiga.
Coágulos sanguíneos
Coágulos sanguíneos podem aparecer em até um quarto dos pacientes com Covid-19 em estado crítico. Os coágulos podem causar sérias complicações a longo prazo se eles se soltaram dos vasos sanguíneos e migrarem para os pulmões, onde causam uma embolia pulmonar, ou para o cérebro, onde causam um derrame.
Para prevenir os coágulos, médicos estão instituindo medicamentos para diluir o sangue quando percebem um aumento na concentração do Dímero D, um fragmento da fibrina – a proteína que faz o sangue coagular.
Coração
Em um estudo, a inflamação do músculo cardíaco, chamada de miocardite, foi observada em um terço dos pacientes com Covid-19 com quadros graves. Arritmia – um batimento cardíaco irregular – também foi verificada. Não se sabe se isso ocorre por uma infecção diretamente no coração ou se é algo secundário ao estresse que é causado pela resposta inflamatória a essa infecção.
Sobretudo, as consequências a longo prazo nos sobreviventes da Covid-19 ainda não são compreendidas.
Diabetes
Diabéticos têm maior risco de desenvolverem uma Covid-19 severa, o que pode ser em parte explicado por uma exagerada resposta imune à infecção.
Mas a interação entre a Covid-19 e a diabetes pode ir na outra direção também. Elevações na glicose são vistas em casos severos da Covid-19 em alguns pacientes que não têm histórico de diabetes. Como o vírus interage com a enzima conversora da angiotensina 2 [ACE 2, na sigla em inglês] nas células humanas, é plausível que mudanças na atividade da ACE 2 seja uma das causas da diabetes em pacientes com o novo coronavírus. Em todo caso, será importante acompanhar esses prazos por um período mais longo.
A conclusão final é que a infecção do novo coronavírus tem efeitos profundos em muitos órgãos diferentes do corpo. A boa notícia é que nós esperamos que os danos causados pela Covid-19 serão curados na grande maioria dos pacientes. Porém, é importante lembrar que algumas condições a longo prazo podem ser antecipadas, prevenidas e tratadas para ajudar os pacientes.
* Professor de Medicina da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos
Fonte: The Conversation
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