A Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap/RN), vai recomendar que a hidroxicloroquina e a cloroquina não sejam utilizados para o tratamento da Covid-19 em pacientes graves internados nos hospitais do Estado. O novo protocolo deve ser assinado nesta semana e deverá conter outras instruções referentes aos cuidados com os pacientes diagnosticados com a doença provocada pelo novo coronavírus. Apesar da recomendação, o critério de prescrever ou não o medicamento para o paciente continuará respeitando a autonomia dos médicos, que também deverão seguir o livre arbítrio dos pacientes em aceitarem ou não a medicação.
De acordo com o médico infectologista Igor Thiago Queiroz, presidente da Sociedade Norte-rio-grandense de Infectologia e um dos cinco profissionais de saúde da Sesap/RN responsáveis pelo protocolo, disse que a recomendação leva em consideração as evidências científicas sobre a medicação divulgadas recentemente.
“O que a gente vê das últimas evidências, de estudos publicados em revistas internacionais, é que a hidroxicloroquina foi utilizada numa fase muito tardia do adoecimento, não tínhamos aquela orientação sobre divisão de fases. O que a gente vê, nesses estudos, é que quem fez uso da cloroquina, nessa fase tardia, não teve benefício. Pelo contrário, aumentou o risco de efeitos colaterais e a mortalidade. Não vamos recomendar usar hidroxicloroquina no hospital, no paciente que já interna grave”, disse o médico, que participou da coletiva de imprensa promovida pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LAIS/UFRN) com o tema “Uso de antivirais: quais as evidências científicas?” nesta quarta-feira, 27.
No caso dos pacientes em estado leve, fora do hospital, a recomendação da comissão dos médicos, segundo Igor Thiago Queiroz, é de que “possa ser feito a critério do médico. Já temos respaldo do ponto de vista do Ministério da Saúde e do Conselho Regional de Medicina do RN (Cremern), mas que seja feita de forma acompanhada, que priorizem os estudos clínicos e procurem os professores universitários que estão fazendo suas pesquisas e que possam incluir mais pacientes para terem respostas científicas”, argumentou.
Quem é contra o uso da medicação é o infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Clóvis Arns. Segundo ele, pela falta de evidências científicas com relação ao uso do fármaco, a SBI tem recomendado que, atualmente, a cloroquina não seja administrada em nenhum dos estágios da doença.
“Tem um estudo dos veteranos de guerra dos Estados Unidos e mostraram que, mesmo nos pacientes da fase inicial, também poderiam ter arritmia cardíaca. Hoje, não temos evidência nenhuma que a cloroquina seja benéfica, nem na fase inicial nem na fase tardia. E na tardia, temos indicação de que ela pode ser desastrosa de causar arritmia cardíaca”, comentou.
No procedimento atual da Sesap/RN, a hidroxicloroquina e a cloroquina são utilizados em pacientes hospitalizados de forma grave com coronavírus, que apresentem dificuldades respiratórias e nos usuários que estão em situação critica, com falência respiratória, choque séptico e/ou disfunção de múltiplos órgãos.
Mesmo com o novo protocolo, ficará a critério dos médicos dos hospitais potiguares a possibilidade de receitar o remédio para esses pacientes, desde que um termo de consentimento seja assinado pelos usuários. No último dia 20 de maio, o Ministério da Saúde publicou um documento ampliando o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina em pacientes com sintomas leves e a aplicação do remédio já nos primeiros dias de sintomas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Antes, a medicação era utilizada apenas em pacientes com quadros graves.
O Ministério da Saúde salienta que, antes do uso da medicação, os pacientes precisarão ser devidamente informados sobre a falta de evidências científicas que atestem qualquer benefício da hidroxicloroquina ou cloroquina no tratamento da covid-19. Um “Termo de Ciência e Consentimento” foi redigido e divulgado pelo governo.
A reportagem procurou o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte (Cremern), que emitiu a seguinte nota sobre a mudança de protocolo da Sesap/RN. “A câmara técnica de enfrentamento a Covid-19 do Cremern está atenta às publicações científicas e que modificará suas recomendações quando necessário. Essa proposta de flexibilidade consta nas recomendações iniciais. Não comentaremos as mudanças realizadas pela Sesap, até porque não recebemos no novo protocolo até o momento”, informou.
Protocolo do Cremern
No último dia 20 de maio, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte (Cremern) elaborou um protocolo de atendimento que passou a ser adotado pelos profissionais de saúde do Estado para manejo e tratamento dos pacientes com coronavírus. O documento orienta a administração da hidroxicloroquina ou cloroquina isolada para pacientes nos estágios iniciais da doença, sem pneumonia.
Para pacientes que apresentam os sintomas iniciais da doença e sem pneumonia, o Cremern recomendou quatro alternativas de tratamento: a hidroxicloroquina associada com azitromicina; cloroquina; hidroxicloroquina ou cloroquina isolada e ivermectina associada à azitromicina. Para administrar a cloroquina, o Conselho Regional de Medicina destaca que o profissional deverá, obrigatoriamente, “relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da Covid-19, explicando os efeitos colaterais possíveis, obtendo consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso”. A medida também é preconizada pelo Governo Federal.
“O tratamento antiviral poderá ser prescrito na fase inicial da doença, preferencialmente, aos pacientes portadores dos fatores de risco para a forma mais grave. Também poderá ser administrado nas demais fases naqueles casos em que não foi possível realizar no início, considerando os fatores de exclusão para o uso e tomando as devidas precauções”, diz o documento do Cremern.
Medicação é usada desde abril nos hospitais do Estado
O Rio Grande do Norte está utilizando a cloroquina no tratamento de pacientes internados em decorrência do novo coronavírus desde o mês de abril. A droga, que é uma das utilizadas em todo o mundo no combate à Covid-19, é disponibilizada aos pacientes pela rede pública de Saúde através de 11 hospitais que fazem parte do Plano de Contingência estadual em Natal, Parnamirim, Caicó, Currais Novos, Mossoró e Pau dos Ferros. Também está ocorrendo a utilização do medicamento em pacientes na rede privada. Mesmo sem a eficácia cientificamente comprovada, o Rio Grande do Norte decidiu pela utilização da droga.
Em nota técnica da Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat) de abril deste ano, ficou definido o fluxo de dispensação de cloroquina para pacientes com Covid-19 no Estado. A nota leva em consideração que não existe “terapias farmacológicas e imunobiológicos específicos para Covid-19″, além da taxa de letalidade da doença em indivíduos de idade avançada “em razão da insuficiência de alternativas terapêuticas para essa população em específico”.
O Ministério da Saúde disponibilizou para uso, a critério médico, a cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem abrir mão de outras medidas de suporte, inclusive a utilização de outros medicamentos. A medida do Ministério considera que não existe outro tratamento específico eficaz disponível no momento e que “há dezenas de estudos clínicos nacionais e internacionais em andamento, avaliando a eficácia e segurança de cloroquina/hidroxicloroquina para infecção por Covid-19″. Assim, não está descartada a hipótese de que o uso deixe de ser indicado, dependendo de novas evidências científicas.
Fluxo para solicitação
A Unicat definiu, através da nota, que o fluxo para solicitação da cloroquina enviada pelo Ministério da Saúde será através dos hospitais listados no Plano de Contingência Estadual, que são o Hospital Regional do Seridó (Caicó), Hospital Cleodon Carlos Andrade (Pau dos Ferros), Deoclécio Marques (Parnamirim), Tarcísio Maia (Mossoró), Rafael Fernandes (Mossoró), Dr. Mariano Coelho (Currais Novos), Maria Alice Fernandes (Natal), Giselda Trigueiro (Natal), Hospital da Polícia Militar (Natal), Santa Catarina (Natal) e o Hospital Colônia Dr. João Machado (Natal).
RN registra 22 novas mortes
Sem perspectivas de queda da curva de contágio pelo novo coronavírus no Rio Grande do Norte, a Sesap fez uma apelo à população para que respeite as normas de isolamento social, diante da capacidade cada vez mais reduzida do Estado de abrir novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para tratar os pacientes com quadros graves de Covid-19. Em coletiva de imprensa realizada nesta quarta-feira, 27, o titular da Sesap/RN, Cipriano Maia, afirmou que “se o nível de contágio continuar aumentando, o que pressupõe mais casos graves e críticos, essa situação de demanda e capacidade de abertura não será equacionada”.
Desde o começo da pandemia, 189 leitos novos já foram abertos no RN, tanto em hospitais estaudais como através de parcerias com os municípios e instituições filantrópicas. O número é mais que o triplo do que havia sido inicialmente projetado pela Sesap/RN para conseguir atender os pacientes graves no Estado.
De acordo com a subcoordenadora de vigilância epidemiológica do RN, Alessandra Lucchesi, há um “ritmo de transmissibilidade constante” no RN ao longo das últimas semanas, e a população deve reforçar as medidas de distanciamento social e higiene (como lavar as mãos com frequência e utilizar máscaras ao sair de casa) para evitar o contágio. Apesar do maior número de óbitos no Rio Grande do Norte estar entre pessoas que apresentam alguma comorbidade (79,1%) ou idosos (62,3%), a maior parte dos casos recentes confirmados estão entre pessoas dos 30 aos 49 anos (50,4%).
“Proteger os jovens é também proteger os nossos idosos neste momento”, explicou Lucchesi. Isso porque, apesar de estarem morrendo menos pela doença, os jovens possuem grandes chances de transmitir para idosos e pessoas com maiores chances de desenvolver um quadro grave de Covid-19.
Até a quarta-feira, o RN possuía 14.035 casos suspeitos da doença, 890 a mais do que na terça-feira, 26. O número de casos confirmados também aumentou para 5.630, 158 a mais do que no dia anterior. O Estado teve, ainda, 22 novas mortes confirmadas, elevando para 242 o total de óbitos por covid-19.
Em Natal e Mossoró, os leitos de UTI encontram-se 100% ocupados, e há fila na Central de Regulação de pessoas que aguardam vagas para serem transferidas. No Seridó, a taxa de ocupação é de 82%, enquanto no Alto-Oeste, 50% dos leitos estão ocupados, totalizando 7 leitos gerais disponíveis em todo RN para os pacientes de covid.
Fonte: Tribuna do Norte
Imagem: iStock/Otaviano Lacet