Escolas públicas do RN enfrentam obstáculos para implantar atividades remotas durante pandemia

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A Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte (Seec) autorizou, sob condições determinadas em portaria, as escolas a realizarem ensino não presencial com os alunos durante o isolamento social por causa da pandemia da Covid-19. No entanto, a modalidade não pode ser aplicada em todas as unidades, porque boa parte dos estudantes não dispõe de internet.

A portaria do Governo do Estado determinou que, pelo menos, 75% do corpo estudantil deve ter acesso às aulas à distância para que elas aconteçam. Segundo a Seec, a da carga horária utilizada nessas eventuais atividades não presenciais vai valer, no máximo, 20% da carga horária anual do componente curricular.

Cada escola tem adotado medidas próprias para o acompanhamento dos seus alunos.

O sistema tem funcionado na Escola Estadual Stela Wanderley, que fica em Neópolis, Zona Sul de Natal, apesar de não contemplar todos os estudantes. A instituição tem 326 alunos matriculados entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental, e faz uso de plataformas online para as aulas não presenciais.

De acordo com Juvania Borges, coordenadora pedagógica da escola, algumas turmas estão com 75% de adesão e outras chegam até 90%. “Antes de abrirmos as turmas online fizemos o contato com as famílias para ver a possibilidade do acesso dos alunos a internet. Então conseguimos uma boa adesão. Mas o percentual nos surpreendeu”, conta.

O estudante Marcos Antônio Bezerra Filho, de 15 anos, da turma do 9º ano, diz que a experiência tem sido proveitosa. Marcos quer prestar a prova para ingressar no ensino médio do IFRN. Sem definições sobre o concurso em meio à pandemia, o garoto afirma que as aulas online têm servido para se manter estudando. “Estou gostando, tenho aprendido o conteúdo. Quando voltarmos, não vamos ter que começar do zero”.

Os alunos têm aula de segunda a sexta, duas ou três por dia, por videoconferência através do Google Meet. Além das aulas, eles também têm as atividades que os professores disponibilizam no Google Classroom.

“Eu estou amando. Assim ele ocupa a cabeça, não fica sem ter o que fazer dentro de casa durante esse período”, afirma a diarista Cláudia de Gois, mãe de Marcos Filho. Segundo ela, o pré-adolescente estava assustado com a Covid-19 e voltar aos estudos o tem ajudado nisso. “Ele ficava pensando que eu ia morrer, que coisas ruins iam acontecer. Agora está mais tranquilo”.

De acordo com Juvania Borges, o projeto teve adesão de 90% dos professores da escola. Eles receberam um treinamento de um técnico Educador Google durante 15 dias, para aprender a manusear as ferramentas e pôr as aulas virtuais em prática. “Eles também precisaram investir para dar as aulas. Alguns compraram microfones, suportes para o celular e alguns tiveram que formatar os computadores”.

“Optamos por começar de forma gradativa e iniciamos o trabalho com o 9º ano devido o interesse da maioria em fazer o IFRN e pela maturidade deles. Depois de quase 1 mês de aula com o 9º ano, implantamos o 8º ano e depois o 7º ano. Agora estamos tentando implantar as aulas nas turmas dos 6º anos”, conta Juvania.

Para a professora de Ciências Alexandra Carla, as aulas online têm servido de aprendizado. “A gente precisou se reinventar, aprender a usar essa tecnologia. Mas o trabalho tem sido receptivo pelos alunos”, relata. A professora acredita que essas plataformas podem continuar sendo usadas como uma maneira complementar às atividades presenciais, após a pandemia.

Entretanto, apesar de manter os estudantes em atividade durante o isolamento, o conteúdo das aulas, segundo o que determina a portaria do Governo do Estado, só pode conter assuntos já vistos quando as o ano letivo ainda estava sem interrupção, e não podem ser aplicadas atividades avaliativas. Isso por causa da parcela que não pode participar do ensino remoto.

“O fato de só poder revisarmos o assunto até desmotiva um pouco os professores. Porque chega uma hora que não tem mais o que revisar”, afirma Juvania Borges.

Estudantes sem acesso à internet

A realidade da Escola Estadual Stela Wanderley, no entanto, não é uma regra entre todas as instituições de ensino do Estado. Boa parte dos alunos da rede pública não tem acesso fácil a internet ou computador, para poder aderir ao ensino não presencial.

É o que acontece na Escola Estadual Raimundo Soares, na Cidade da Esperança, Zona Oeste da capital potiguar. São 368 alunos na instituição: 68 do ensino médio regular e 300 do Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A coordenadora administrativa e financeira da escola, Jucilene Silva, diz que antes mesmo da portaria da Seec a gestão da unidade tentou estabelecer um sistema de atividades ministradas pelos professores pelo WhatsApp. Contudo, o acesso dos estudantes ao aplicativo não chegava ao patamar de 75% estabelecido pelo governo. “Os alunos do ensino regular têm mais acesso à internet. Já os do EJA têm bem menos”, acrescenta. Dos 68 do ensino regular, 44 dispõem do app e dos 300 do EJA, 98 têm a rede social.

“Essa realidade nos levou a concluir que a gente não tem o alcance a esses alunos”, reforça Jucilene. De todo modo, professores da Raimundo Soares se reuniram para tentar manter o vínculo com os estudantes. “Para manter a empatia”, afirma Jucilene.

Os educadores então decidiram não aplicar atividades, mas se comunicar pelo aplicativo de mensagens sugerindo livros que podem ser baixados na internet, vídeos educativos, notícias e videoaulas.

“Para oferecer a eles conteúdos de mais qualidade no meio disso tudo. Um professor não vai enviar fakenews, por exemplo. Existe uma diferença enorme entre você pegar uma informação qualquer e uma informação do professor”, explica a coordenadora.

Eles se dividiram em escalas para a pesquisa e o envio do material. “Alguns (alunos) baixam, outros, não. A gente não tem como fazer esse controle, mas tem como tentar estimular. Eu acho que é uma ponta de uma ponte que a gente tá querendo manter de pé”.

A professora de História Shyrlaine Querino é uma das que se dispôs a auxiliar os estudantes nesse momento, inclusive os que estão na 3ª Série e pretendem fazer o Exame nacional do Ensino Médio (Enem). “E independente disso, a gente quer que o aluno entenda que conhecimento nunca é demais. Não é só para fazer o Enem, mas o conhecimento é para a formação deles como cidadãos”, orienta.

Adrielly Fernandes, de 18 anos, está entre os que pretendem realizar o Exame. E já tem uma graduação em mente: quer Medicina. A estudante relata que diante da falta de perspectivas gerada pela pandemia do novo coronavírus, sente-se desestimulada para estudar. Contudo tem seguido com os planos. “Alguns professores têm nos mandados videoaulas e exercícios para estudarmos. Mas sem as aulas presenciais é difícil aprender o conteúdo”, reclama.

Através da assessoria de comunicação, a Secretaria de Educação do Estado informou que as datas do ano letivo só serão definidas após o retorno às aulas presenciais.

Município

Na rede do Município de Natal a situação é semelhante. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, a pasta não orientou qualquer atividade remota aos gestores das escolas, por saber que a maior parte dos estudantes não tem acesso à internet.

A secretaria criou e disponibilizou a gestores e professores uma página online, com links que podem ser compartilhados com alunos e pais. Esses links contêm atividades lúdicas educativas, sem caráter letivo.

O planejamento do calendário 2020 vai ser feito a partir do retorno. Contudo, segundo a SME, haverá aulas aos sábados, mas não em todos. Por outro lado, não terá carga horária estendida, por causa da estrutura das escolas: elas são ocupadas em todos os turnos.

Tanto nas escolas públicas do Estado, quanto nas do Município da capital, além de nas particulares, as aulas presenciais estão suspensas desde o dia 18 de março. O mais novo decreto publicado pelo Poder Executivo do Rio Grande do Norte estende a suspensão até 31 de maio.

Situação no Brasil

Um levantamento feito pela reportagem mostra que em todo o país há dificuldade em manter as aulas não presenciais. A reportagem aponta que nenhuma rede estadual de ensino sabe como será a retomada. Questionadas, elas afirmaram não saber se haverá aulas aos sábados para repor possíveis conteúdos ou se pretendem adotar carga horária estendida. Em geral, elas afirmam que avaliam as alternativas.

O balanço mostra que:

  • A decisão de suspender as aulas presenciais foi tomada pelas redes de ensino entre 11 e 23 de março.
  • Desde então, 15 estados decretaram recesso ou férias para ganhar tempo e encontrar alternativas: Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
  • Além do Distrito Federal, apenas 11 estados suspenderam as aulas: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima.
  • 16 estados planejam considerar atividades remotas como carga horária do ano letivo – equivalendo-as às aulas presenciais: AC, AP, AM, CE, GO, MA, MG, MS, PB, PR, PI, RN, RS, RR, SP e SC.
  • Além do DF, 7 estados declararam que não vão usar a educação remota como carga horária do ano letivo: AL, BA, DF, ES, MT, PA, SE e TO. PE não decidiu ainda; RO e RJ não responderam.
  • MG foi último estado a adotar alguma atividade; o conteúdo passou a ser transmitido nesta segunda-feira (18).
  • A suspensão de aulas não encontrou uma resposta coordenada: todos os estados e o DF adotaram atividades remotas, mas cada estado adotou uma maneira de repassar o conteúdo – plataformas virtuais, sites, TV aberta e até por meio do WhatsApp.
  • Nas redes municipais, não ocorreu o mesmo movimento: ao menos sete capitais não adotaram nenhuma atividade remota.

Fonte: G1 RN

Imagem: Freepik

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