O Rio Grande do Norte está utilizando a cloroquina no tratamento de pacientes internados em decorrência do novo coronavírus. A droga, que é uma das utilizadas em todo o mundo no combate à Covid-19, está sendo disponibilizada aos pacientes pela rede pública de Saúde através de 11 hospitais que fazem parte do Plano de Contingência estadual em Natal, Parnamirim, Caicó, Currais Novos, Mossoró e Pau dos Ferros. Também está ocorrendo a utilização do medicamento em pacientes na rede privada.
O presidente Jair Bolsonaro é um dos maiores entusiastas da utilização da cloroquina no tratamento da Covid-19. Em seu mais recente pronunciamento, na quarta-feira (8), o presidente disse que teve contato com a Índia para ampliar a compra de matéria-prima necessária para a produção do medicamento. Mesmo sem a eficácia cientificamente comprovada, o Rio Grande do Norte também decidiu pela utilização da droga.
Em nota técnica da Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat), ficou definido o fluxo de dispensação de cloroquina para pacientes com Covid-19 no Estado. A nota leva em consideração que não existe “terapias farmacológicas e imunobiológicos específicos para Covid-19″, além da taxa de letalidade da doença em indivíduos de idade avançada “em razão da insuficiência de alternativas terapêuticas para essa população em específico”.
O Ministério da Saúde disponibilizou para uso, a critério médico, a cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem abrir mão de outras medidas de suporte, inclusive a utilização de outros medicamentos. A medida do Ministério considera que não existe outro tratamento específico eficaz disponível no momento e que “há dezenas de estudos clínicos nacionais e internacionais em andamento, avaliando a eficácia e segurança de cloroquina/hidroxicloroquina para infecção por Covid-19″. Assim, não está descartada a hipótese de que o uso deixe de ser indicado, dependendo de novas evidências científicas.
Fluxo para solicitação
A Unicat definiu, através da nota, que o fluxo para solicitação da cloroquina enviada pelo Ministério da Saúde será através dos hospitais listados no Plano de Contingência Estadual, que são o Hospital Regional do Seridó (Caicó), Hospital Cleodon Carlos Andrade (Pau dos Ferros), Deoclécio Marques (Parnamirim), Tarcísio Maia (Mossoró), Rafael Fernandes (Mossoró), Dr. Mariano Coelho (Currais Novos), Maria Alice Fernandes (Natal), Giselda Trigueiro (Natal), Hospital da Polícia Militar (Natal), Santa Catarina (Natal) e o Hospital Colônia Dr. João Machado (Natal).
Segundo o secretário estadual de Saúde, Cipriano Maia, o medicamento está sendo utilizado de acordo com todos os protocolos determinados pelo Ministério da Saúde, que sugere o uso para pacientes hospitalizados na forma grave da doença, apresentando dificuldades respiratórias, e os que estão em situação crítica, com falência respiratória, choque séptico e/ou disfunção de múltiplos órgãos.
“(A rede de saúde) Está usando com base nos protocolos. Quem decide é a equipe médica, que tem autonomia para utilizar. É uma decisão dos médicos que atuam no serviço, isso tanto no público quanto no privado”, explicou Cipriano Maia.
Pacientes internados
Atualmente, o Rio Grande do Norte tem 108 pessoas internadas em decorrência do novo coronavírus. Na rede pública, há uma pessoa com caso confirmado e quatro suspeitos em UTI, enquanto 25 estão em unidades semi-intensivas (3 confirmados) e 30 pessoas internadas em leitos clínicos. Já na rede privada, são 23 pessoas em UTI, sendo 12 casos confirmados. Há ainda cinco casos confirmados em leitos clínicos, quatro suspeitos em unidades semi-intensivas e 16 casos suspeitos em leitos clínicos.
Utilização ainda não é unânime
O diretor do hospital Giselda Trigueiro, o médico infectologista André Prudente, informou que desde o início da pandemia que o medicamento já tem sido ministrado aos pacientes que deram entrada na unidade. O médico defende que, ao contrário do estabelecido neste momento, com o uso somente para pacientes graves, o medicamento seja utilizado em pacientes que estão em estágio inicial da doença.
“É um medicamento que deve ser usado principalmente quando os quadros se iniciam. Há muito mais eficácia do que para tirar as pessoas da gravidade. Isso tem sido discutido, para ampliar essa indicação, mesmo em casos leves, para evitar a evolução a complicações”, disse o médico em entrevista a InterTV Cabugi nesta quinta-feira (9).
O pensamento do infectologista é o mesmo de alguns outros médicos. O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte, anestesiologista Geraldo Ferreira, explicou que o Sinmed fez uma consulta ao Conselho Regional de Medicina do Estado (CRM/RN) sobre a possibilidade de utilização do medicamento em pacientes que estão em melhores quadros clínicos. Segundo ele, já ocorre esse tipo de utilização em outros Estados, mas o CRM seguiu com a indicação de que deve ser somente para casos graves, conforme estabelece o Ministério da Saúde, e em pacientes que participem de pesquisas, desde que existam os protocolos para esses estudos.
“É uma medicação de uso corriqueiro. Há uma pressão muito grande dos médicos em razão de decisão em vários locais do país. Não é proibido o uso. Quando não há proibição e não há uma indicação formal, podem ser preparados protocolos de pesquisa onde o paciente autoriza ser incluído nesses protocolos e ele pode receber a medicação, mas isso precisa de um trâmite, obviamente”, explicou, afirmando ainda que é cogitado o uso até de forma profilática pelos profissionais, sem a doença.
De acordo com o médico, a cloroquina tem sido utilizada combinada com outros medicamentos, como o antibiótico azitromicina, além de outras drogas, como anticoagulantes. “São quase que coquetéis utilizados, também com antivirais utilizados no combate ao H1N1. São protocolos variados”, explicou.
Opinião
Uma das principais autoridades no país no ramo da medicina, o cardiologista Roberto Kalil Filho falou à Jovem Pan News que fez o uso da cloroquina para o próprio tratamento e que, atualmente, é favorável à utilização. Porém, ele disse que não sabe se o que fez seu quadro clínico melhorar foi esse medicamento. “Utilizei vários medicamentos, corticoides, antibióticos. Se me perguntar se eu melhorei por causa da cloroquina eu não terei como confirmar”, explicou.
O infectologista Kleber Luz, por outro lado, disse que não indicaria a utilização do medicamento. Em recuperação após um procedimento cardíaco, o médico não está atuando diretamente no enfrentamento à pandemia no Rio Grande do Norte, mas, em contato com a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, opinou sobre o medicamento. “Minha opinião é que não deve ser utilizado sem a conclusão de estudos sobre a eficácia”, disse o médico.
Em entrevista à Jovem Pan News Natal, o geriatra Juliano Silveira, que atua nas redes pública e privada de Natal, explicou que o uso da cloroquina tem sido comum nas unidades em que trabalha, principalmente combinada com azitromicina. O profissional diz que não acompanhou o uso em pacientes que não estão graves, mas alertou sobre os efeitos colaterais da medicação. Para ele, é preciso cautela e um estudo mais amplo para que ocorra essa utilização em pacientes que estão em fase inicial da doença.
“A hidroxicloroquina é uma medicação de risco. Os principais efeitos colaterais são arritmias severas, retinopatia, que são problemas na retina, comprometendo a visão, pode levar também a problemas hepáticos, como hepatite medicamentosa, e também hematológicos, inclusive com anemias. Não deve ser utilizada sem a prescrição médica”, disse. “Ainda é cedo para disseminar o uso da medicação. É preciso de uma maior robustez, mais dados. Não dá para se recomendar no dia a dia”, opinou o profissional.
Ministério espera estudos
O Ministério da Saúde indica o uso cloroquina e hidroxicloroquina apenas para pacientes diagnosticados com a covid-19 que estejam internados com quadro grave de saúde. O ministro Luiz Henrique Mandetta disse que não mudará o protocolo antes de evidências científicas robustas sobre segurança e eficácia da droga para pacientes leves, mas observou que médicos têm o direito de receitar esse tratamento, assumindo riscos e eventuais responsabilidades. “O que a gente alerta é que esse medicamento não é inócuo, não é um remédio que a gente fala ‘isso não tem problema nenhum'”, afirmou. Segundo Mandetta, 33% dos que tomaram o medicamento tiveram de suspender o uso.
“Atualmente a cloroquina e a hidroxicloroquina são medicamentos registrados pela Agência para o tratamento da artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. Apesar de dados promissores, ainda não existem estudos conclusivos que comprovam o uso desses medicamentos para o tratamento da covid-19″, informou a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesta semana.
A Anvisa também liberou a cloroquina e a hidroxicloroquina para pesquisas clínicas que estão testando a eficácia do medicamento para pacientes com Covid-19. O primeiro estudo clínico do País a testar o uso da hidroxicloroquina para tratamento de infecção pelo coronavírus terá seus resultados divulgados em dois ou três meses e envolverá 1,3 mil pacientes e 70 hospitais.
A iniciativa, batizada de Coalizão Covid Brasil, está sendo coordenada pelos Hospitais do Coração (HCor), Albert Einstein e Sírio-Libanês em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) e o Ministério da Saúde. O laboratório EMS participará das pesquisas com a doação de parte dos medicamentos que serão utilizados na investigação.
Crédito da Foto: Marcello Casal Jr/ABR
Fonte: TRIBUNA DO NORTE