‘Jovens no trabalho e idosos em lojas’: os locais de maior risco de coronavírus de acordo com idade

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Um estudo realizado pela prestigiada Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres em parceria com a BBC em 2018 mostra que a forma como interagimos de acordo com nossa faixa etária pode influenciar no combate a doenças como o novo coronavírus.

Segundo a pesquisa com mais de 30 mil voluntários, adultos com idades entre 20 e 50 anos concentram a maior parte de suas interações nos locais de trabalho.

Por isso, “se alguns de nós começarmos a trabalhar agora remotamente, isso contribuirá para reduzir a transmissão geral na população”, escreveu uma das autoras do estudo, Petra Klepac, professora-assistente de modelagem de doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Já entre aqueles com mais de 65 anos, principal grupo de risco na pandemia atual, a metade de suas interações ocorre em outros ambientes (não em casa, na escola ou no trabalho), mas em lojas, restaurantes e centros de lazer. “Ao evitar essas interações, as pessoas que correm mais risco podem diminuir pela metade a chance de infecção”, afirmou Klepac.

“Ao mudar o nosso comportamento agora, e manter essas mudanças durante o surto, podemos reduzir significativamente nosso próprio risco de infecção, e o risco para os outros. Ao fazermos isso, protegemos os mais vulneráveis”, acrescentou ela, em artigo no jornal britânico The Guardian sobre a pandemia de coronavírus.

A China, que conseguiu zerar os casos novos na cidade onde o surto surgiu, pode servir de exemplo: uma das principais medidas adotadas ali foi isolar pessoas com suspeita de covid-19 dos seus familiares, porque quase 8 em 10 casos novos surgiam dentro de casas onde as pessoas estavam isoladas.

Coleta maciça de dados

O estudo é baseado em dados de um imenso projeto de ciência da instituição realizado em colaboração com a BBC e liderado pela professora Julia Gog, da Universidade de Cambridge.

Batizada de BBC Pandemic, a iniciativa coletou informações entre setembro e novembro de 2017 sobre como as pessoas de diferentes idades interagem com outras em diferentes contextos (casa, trabalho, escola etc.) de milhares de voluntários no Reino Unido.

Por meio de um aplicativo no celular, as pessoas monitoravam e registravam todas suas interações sociais: com quem, onde e como (física ou verbal). Assim, esse vasto banco de dados pode servir para indicar que medidas poderiam seriam mais ou menos efetivas para conter a disseminação de um vírus, por exemplo, como fechamento de escolas, restaurantes ou ambientes de trabalho.

Recentemente, os autores do estudo vêm trabalhando para divulgar os dados o mais rápido possível para subsidiar modelos matemáticos sobre a covid-19 e ajudar o Reino Unido a adotar as possíveis estratégias de intervenção.

Klepac defende medidas como distanciamento social e autoisolamento para combater o vírus.

Segundo ela, contudo, essas medidas têm que ser “sustentáveis” para reduzir o contágio.

“Essas medidas talvez reduzam o número reprodutivo da doença (número de pessoas que podem ser contagiadas por um infectado), mas assim que elas são suspensas, podemos observar uma transmissão novamente, e outro surto”, disse.

Klepac atenta, portanto, para a importância da “ação individual” para “reduzir a transmissão do vírus e diminuir sua propagação, limitar o número de infecções e reduzir a pressão sobre o sistema de saúde, para que todos que precisam de cuidados médicos possam ser assistidos”.

“A partir de agora, e durante toda a epidemia, todos temos um papel a desempenhar e uma responsabilidade de modificar nosso comportamento, a fim de proteger aqueles que estão em maior risco”, concluiu.

Na opinião de Klepac, o cancelamento de grandes eventos, o trabalho de casa e o fechamento de escolas são medidas benéficas que “visam reduzir o número de contatos entre as pessoas, cada uma delas uma oportunidade para transmitir uma infecção”.

Ela ressalva, porém, que não se trata apenas “de cancelar eventos e fechar escolas por algumas semanas”.

“Serão necessárias medidas mais severas para reduzir as infecções a níveis baixos o suficiente para manter a pressão do sistema de saúde a longo prazo. Como indivíduos, todos devemos reduzir o número de pessoas diferentes com as quais entramos em contato diariamente e estar preparados para fazê-lo por um período prolongado de tempo”, defende.

Críticas e mudança de rumo

O governo britânico vinha sendo duramente criticado por não seguir as estratégias adotadas por outros países europeus no combate ao coronavírus.

Enquanto Espanha, França e Itália colocaram toda a população em quarentena, o Reino Unido ainda não forçou nenhum tipo de veto a contato social. Não havia fechado escolas até meados da semana passada, por exemplo, uma das primeiras medidas tomadas pelos países europeus mais afetados pelo vírus.

Inicialmente, o governo do primeiro-ministro Boris Johnson defendia a ideia de “imunidade de grupo”, também chamada de “efeito rebanho”.

De acordo com esse conceito, aqueles que estão em risco de infecção podem ser protegidos porque estão cercados por pessoas resistentes à doença.

A “imunidade de grupo” é normalmente usada por epidemiologistas para falar dos benefícios da aplicação de vacinas recebidos por pessoas que não as tomaram. Isso porque, uma vez vacinadas, elas ganham imunidade contra um determinado patógeno, beneficiando indiretamente toda uma comunidade, inclusive aqueles que não tiveram acesso à vacinação.

Mas de repente tudo mudou: um modelo matemático apresentado pelo Imperial College de Londres deu um panorama extremamente sombrio de como a doença ia se propagar pelo país, como ia impactar o sistema público de saúde (o SUS do Reino Unido, chamado de NHS) e quantas pessoas iam morrer.

E a mensagem não poderia ser mais clara: ou mudava-se a estratégia ou mais de 80% dos habitantes iriam ser infectados e mais de 250 mil pessoas iriam morrer por causa do novo coronavírus, mesmo se o sistema puder atender todos os pacientes infectados.

Estimou-se que a demanda pelo sistema de saúde poderia ser até oito vezes maior que a capacidade.

Desde então, há cada vez mais medidas restritivas no Reino Unido. A exemplo: aulas foram suspensas e o comércio considerado não essencial (como bares e restaurantes) recebeu recomendações de fechar as portas. Até o momento, não há quarentenas vigentes no país.

Uma das medidas mais radicais adotadas pelo governo do Reino Unido foi a decisão de bancar até 80% do salário de parte da população para evitar demissões em massa.

Os dados do estudo do Imperial College de Londres mostram que a estratégia de supressão, que é a mistura de todas essas políticas restritivas de distanciamento social, reduziria em “dois terços” a demanda por atenção médica por parte dos serviços de saúde no ponto mais alto da crise e é “a política correta para responder à pandemia”.

Fonte: BBC Brasil

Imagem: iStock

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