Diga-me com quem tu andas

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-Um tipo ordinário. Consumidor de bebidas baratas-

Talvez fosse essa a descrição que um detetive usaria em sua caderneta, ao fuçar o amontoado de latinhas e litros de aguardente do meu lixo, misturado aos restos orgânicos do que foi minha janta de ontem à noite e caixas de venenos industrializados. Nada mais próximo da realidade. Bem mais próximo, do que os perfis que vejo por aí, nas redes sociais, com seus pensamentos retirados de algum livro de autoajuda, com seus ângulos de selfies- e não sei o porquê, quase sempre revelando apenas um lado da face, de banda, como a lua se revela – deixando o outro, um soluço, um uivo na escuridão- logo que se se sabem sós.

Não sei se é apenas um hábito meu – e imagino que não – sempre que vou à casa de um amigo, que não vejo há algum tempo, a primeira pergunta que faço é “ O que é que você anda lendo?”, quando minha vista já não tem corrido primeiro suas estantes, a observa-lhes títulos, nomes, desse e daquele autor – no meu modo de dizer Ah, então é assim que você tem passado seus dias- da mesma maneira quando deduzimos, ao nos depararmos com um estranho de livro na mão, andando pela rua, e entortamos a cabeça a fim de descobrir o tal título que carrega, porque assim talvez esse título possa nos revelar algo a mais a seu respeito.

(Uma vez uma garota estava lendo um livro dentro de um ônibus. Eu seguia ao lado. Na outra cadeira. E quando parou de lê-lo, marcou a página, fechou com reverência o tomo, e na capa, deu um beijo. Curioso, entortei a cabeça para saber que livro era. Então percebi se tratar da bíblia. Fiquei comovido com a cena e pensei em qual livro – ou autor- depositaria um beijo? – Pensei em Dostoiévski. Já que ao ler o Idiota arrancou-me uma lágrima. Então, o que seria uma lágrima para um beijo?).

Ainda que tentadora, entretanto, nunca pude tomar essa teoria inteiramente ao pé da letra. Apesar do dinheiro gasto com as pesquisas de opinião, as grandes marcas estão por aí, vendendo sempre a ideia de que é você quem precisa delas e não o contrário. De que aquilo que elas estão lhe oferecendo, é essencial à sua vida. Stevie Jobs, por exemplo, afirmava que consumidores não sabem o que querem, até que lhes mostremos– E você nem mesmo lembrou que aquele livro, que ficou bonito na sua estante, e que você ainda não leu, havia comprado porque estava na lista dos livros mais vendidos da semana segundo a revista Veja ou segundo o The New York Times.

Do mesmo modo, há os enigmas. As estantes desnudas. Um criado mudo, com uma ou outra foto. E logo me vem à mente a frase do escritor francês Jean Genet, que em certa ocasião, disse a um amigo “Provavelmente sou o único escrito vivo que não possui um livro em suas estantes”.

Frase que me serviu de consolo, quando, precisando quitar algumas dívidas, também me tornei outro escritor com quase nenhum livro sequer em suas estantes. Entretanto, tal experiência, também foi libertadora. Pois a partir dela, passei a ser menos leitor e mais escritor. No melhor – ou pior– uso da palavra: Vão se os anéis. E desde deste dia, tento aproveitar o que me sobrou: Os dedos. Minhas mãos.

“Tenho uns livros que ganhei. Vou te dar. Mas com uma condição: você não deve vendê-los a ninguém!” – Ok, respondi a um amigo outro dia. Aceitei a mesma condição ao qual o antigo dono desses livros havia lhe imposto, quando os recebeu, antes de mim.

“Ele não queria vende-los num sebo”. “Sei como é que é”, disse-lhe. E ao mesmo tempo pensei “Que tipo de homem hoje em dia faz uma promessa como essa? Ainda mais, em se tratando de livros?”

Na mesma hora desenhei-o na minha mente. Como um detetive que ao fuçar o lixo, toma a parte pelo todo. O vi, despedindo-se de cada livro, como uma mãe se despede dum filho.

-Com um beijo.

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