“O que é a vida? É o princípio da morte. O que é a morte? É o fim da vida. O que é a existência? É a continuidade do sangue. O que é o sangue? É a razão da existência!”; é com esse pequeno monólogo que se deu o pontapé inicial da produção de filmes de terror no Brasil e com ele nosso maior tesouro do gênero, o personagem Zé do Caixão que foi escrito e interpretado por José Mojica Marins (1935-2020).
Meu caro amigo leitor devo confessar que não sou fã de filmes de terror tão pouco assisto filmes do gênero e provavelmente esse texto será um dos únicos em que escreverei sobre o tema. Como sabemos o grande pai do terror nacional nos deixou na último último dia 19 de março, aos 83 anos em decorrência de uma broncopneumonia. Com uma carreira extensa e diversos filmes José Mojica Marins foi responsável por introduzir o gênero em terras brasileiras com seu aclamado filme À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964) em que tivemos a primeira aparição do nosso maior vilão cinematográfico, Zé do Caixão.
O filme que estreou nos cinemas brasileiros em 1964 nos apresenta a história do coveiro Zé do Caixão e sua busca incansável pela mulher que irá gerar seu filho e com isso dará a ele a continuidade do seu sangue. Com uma aparência que destoa de tudo e todos ao seu redor Zé por si só já é uma figura que nos dá medo e sua personalidade mais ainda, desprovido de fé não acredita nem em Deus e muito menos no diabo, acha que tudo isso é apenas uma invenção para causar medos nas pessoas. Os diálogos do filmes são muito inteligentes e brincam com medos comuns tanto para época quanto para o agora e um grande exemplo disso é quando a esposa de Zé informa que não haverá carne para o almoço pois era sexta feira santa, o homem responde: “Que me importa que seja sexta-feira dos santos ou do demônio! Eu vou buscar o que eu quero e nenhum carola vai intervir! Hoje eu como carne, nem que seja carne de gente!”. Lenita aconselha ao marido cuidado com as palavras, pois o “diabo tenta”. Zé com um sarcasmo que nos impressiona responde “Se encontrá-lo vou convidá-lo para jantar”.
A grande magia do filme está em seu protagonista que não apresenta medo ou arrependimento de seus atos e que mata, fere, mutila qualquer pessoas que entre em seu caminho como a sua própria esposa Lenita que não podendo gerar um filho se torna um fardo para ele. Pessoalmente para mim a cena de sua morte é uma das mais angustiantes do filme, ela morre em consequência da picada de uma aranha, após ser amarrada por Zé e ter sua boca tampada por um pano, Lenita observa sem poder fazer nada o aracnídeo subindo em seu corpo enquanto Zé assiste e ri de seu sofrimento, uma verdadeira cena de angústia. Outro grande aspecto do filme é sua atmosfera que é bem construída sobre as estruturas de tensão e pavor, em todo o momento ficamos esperando para a próxima maldade de Zé.
Acredito que ninguém tenha a obrigação de assistir filmes antigos ou filmes considerados clássicos, cada um assiste o que gostar. Mas há filmes que são indispensáveis, vão além de clássicos esse é o caso de À Meia-Noite Levarei Sua Alma sua importância é inestimável para o cinema mundial e principalmente o brasileiro, foi o pontapé para nosso terror nacional e a afirmação que no Brasil fazemos filmes de terror muito bons e somos capazes de produzir personagens que assombram as memórias da população. Mojica deixou ensinamentos incalculáveis para os cineastas brasileiros mas o principal é: não desistam de seus projetos, mesmo que esteja contra todos ou que não tenham financiamento, pois o amor ao cinema é maior que as condições precárias.
Fonte: O Barquinho Cultural