Cem anos atrás, Hitler apresentou o que seria conhecido como o fundamento da ideologia do partido nazista a um salão lotado em Munique. Apenas 14 anos depois, orquestraria o fim da democracia na Alemanha para se colocar como um ditador de poderes ilimitados, destinado a provocar uma guerra mundial na qual o país ocuparia 11 nações europeias incluindo Polônia, Dinamarca e França, além de exterminar milhões de judeus antes de tirar sua própria vida, em 1945.
A seguir relembramos os lances mais importantes da ascensão do monstro ao poder.
Repentino interesse na história:
Após a repentina morte do seu pai quando tinha apenas 13 anos, Adolf Hitler frequentou uma escola primária onde sua postura, segundo todos os relatos, era rebelde, questionadora e de mau estudante no geral.
A única exceção foi na disciplina de História, na qual o professor Leopold Pötsch — que aparece com proeminência no manifesto de Hitler, Minha Luta — conseguiu cativar o adolescente com mitos heroicos do glorioso passado alemão, alimentando desde cedo um ardente sentimento de nacionalismo.
Hitler encontrou-se com Pötsch décadas depois, em 1938, depois de ter conquistado o poder.
Soldado durante a 1.ª Grande Guerra Mundial:
Apesar de nascido na Áustria, Hitler se alistou no Exército Bávaro da Alemanha e lutou na 1ª Guerra Mundial, recebendo diversas condecorações por bravura, incluindo duas Cruzes de Ferro.
Ele tinha profundo ressentimento pela derrota alemã e o subsequente Tratado de Versalhes, considerado por ele uma traição do governo do seu país. Ele se referiria em geral aos “Criminosos de Novembro”, que “apunhalaram a Alemanha pelas costas”, nos discursos proferidos com a intenção de difamar os partidos governantes.
A Carta de Gemlich:
Já na época de soldado Hitler era famoso por visões antissemíticas. Em 1919, quando o exército da Alemanha foi incitado a dizer claramente qual era sua posição sobre os judeus, Hitler foi designado para escrever a resposta.
A Carta de Gemlich, como ficou conhecida, é a primeira manifestação de Hitler por escrito na defesa da sistemática remoção dos judeus do país.
Partido dos Trabalhadores da Alemanha:
Depois da 1.ª Guerra Mundial, Hitler foi enviado pelo exército para se infiltrar no recém formado Partido dos Trabalhadores da Alemanha, que acabaria se tornando o Partido Nazista. Ele logo deixaria o exército para se dedicar integralmente à política, desenvolvendo a propaganda partidária — uma tática que os nazistas mais tarde empregariam com grande eficiência — e subindo na hierarquia do partido.
Primeiro discurso:
O incendiário estilo da oratória de Hitler ficou evidente desde o começo. O seu primeiro discurso para o Partido dos Trabalhadores da Alemanha, diante de um público humilde de umas 100 pessoas em uma cervejaria de Munique, se mostrou uma revelação.
Como mais tarde descreveu no Minha Luta: “eu conseguia discursar! Depois de trinta minutos as pessoas na cervejaria estavam eletrizadas…” Ele aperfeiçoaria a sua marca demagógica em mais de 5 mil discursos. Os espectadores mais tarde descreveriam sua voz como “magnética”, “fascinante” e “hipnótica”.
Novo nome, novo visual:
No início de 1920, no mesmo dia que apresentaria a nova plataforma do partido a uma enorme multidão, Hitler rebatizou o Partido dos Trabalhadores da Alemanha como Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães), ou simplesmente Partido Nazista. Ele criou o logotipo da agremiação a partir de um símbolo que viu muitas vezes em um monastério na sua infância na Áustria, usado diversas vezes nas publicações de nacionalistas alemães e propagandas antissemitas. A suástica negra, sob um fundo branco e uma moldura vermelha, se tornou o emblema mundialmente conhecido do partido.
Os 25 pontos do Programa:
Em 24 de fevereiro de 1920—amplamente lembrado como um momento seminal do nazismo—Hitler apresentou a plataforma do partido, batizada de “Programa dos 25 pontos”, para um público de 2 mil pessoas na cervejaria Hofbräuhaus, em Munique. O programa mesclava políticas socialistas, como a abolição do trabalho infantil e o amparo a uma classe média saudável, com outras extremamente nacionalistas e antissemíticas, além de pregar a revogação do odiado Tratado de Versalhes.
Führer do Partido:
Após se consolidar como a voz do partido, Hitler estava prestes a tomar as rédeas do poder. Quando o fundador da sigla, Anton Drexler (foto), começou a dialogar com os nacionais socialistas, Hitler objetou energicamente e recomendou sua renúncia, recusando-se a voltar até que ele próprio fosse declarado presidente do partido com “poderes ditatoriais”. Percebendo que o partido poderia não sobreviver com a perda do seu mais carismático integrante, Drexler renunciou. Hitler tornou-se o líder, ou Führer, do Partido Nazista em 1921, uma posição que ocuparia até a morte.
Tropa de Choque:
Hitler não perdeu tempo em consolidar seu poder no comando do partido nazista. Ele reuniu uma violenta milícia de ex-soldados, a Sturmabteilung (Divisão de Assalto), que ficou conhecida como tropa de Choque ou Camisas Marrons, inspiradas nos Camisas Negras de Mussolini. Liderados por Hermann Göring em 1923, o exército semiautônomo se tornou o braço forte do partido, responsável pela segurança, cumprimento da lei e intimidação de opositores políticos.
Juventude Hitlerista:
Disposto a doutrinar uma nova geração, Hitler organizou mais uma milícia paramilitar: a Juventude Hitlerista. Inspirada nos movimentos populares do escotismo e do naturismo, incluía ligas, tanto para garotos quanto meninas de 10 a 18 anos de idade. Hitler mais tarde diria: “quando um opositor diz, ‘eu não o apoiarei’, eu respondo com calma, ‘seu filho já é nosso. Você vai morrer. Seus descendentes, no entanto, apoiarão o nosso novo campo. Em pouco tempo eles não conhecerão mais nada além desta nova comunidade”.
Golpe na Cervejaria:
Em 1923, os filiados ao partido nazista cresceram ao número de 55 mil membros. Inspirado pela “Marcha sobre Roma” de Mussolini, Hitler tentou tomar o controle do governo, atacando um encontro de lideranças em uma cervejaria. O golpe, ou putsch, fracassou, e depois de um violento confronto com diversos mortos, Hitler foi preso. Ele usou seu julgamento como uma plataforma para difamar ainda mais um governo profundamente impopular e defender a tentativa de golpe como um ato de patriotismo. Condenado por alta traição, acabou recebendo uma pena branda de apenas oito meses de cadeia por juízes simpáticos a ele.
Mein Kampf:
Enquanto estava preso, Hitler escreveu o Mein Kampf (“Minha Luta”), o primeiro e mais conhecido dos seus dois livros. Meio memórias e meio manifesto, além de um fluxo de consciência cheio de verborragia, o livro se tornou a mais “clara e singular formulação ideológica do nazismo”, cheio de antissemitismo, eugenia e projetos de dominação mundial. Após a derrota do projeto de Hitler, a obra foi considerada tão tóxica que acabou restrita ou totalmente proibida em alguns países por décadas.
Caminho para a legitimidade:
Depois do golpe fracassado e da temporada preso, Hitler estava mais que nunca convicto do seu destino de se tornar o ditador da Alemanha. Ao falhar em conquistar o país com a força bruta, passou a apostar em deteriorar o governo por dentro e ascender ao poder com legitimidade. Em 1925, seus esforços começaram a compensar: o partido nazista foi reintegrado e reestruturado, e muitos dos que conspiraram com ele (e acabariam seus ministros), incluindo Hermann Göring, Joseph Goebbels e Heinrich Himmler, foram consolidados nas suas linhas de frente.
Conferência de Bamberg:
Durante a ausência de Hitler na prisão, querelas e agitações apareceram dentro do partido. Buscando unificar as facções que favoreciam suas políticas sociais, além daquelas que apoiavam suas medidas nacionalistas e racistas, anulando quaisquer desafios à sua autoridade, Hitler organizou a Conferência de Bamberg com 60 líderes nazistas. Usou a ocasião para reafirmar que o programa dos 25 pontos era “imutável” e que seu controle do partido era ditatorial e total.
Anos das vacas magras:
Os anos 1920 foram o início de um período de prosperidade e estabilidade para a Alemanha, os “Anos Dourados de Weimar”, que diminuíram a animosidade contra os partidos dominantes. Impossibilitado de capitalizar no ressentimento e no ódio do povo, o partido de Hitler teve dificuldade em conseguir votos nas eleições gerais da metade para o final da década. Hitler usou o período para criar uma estrutura hierárquica que garantiria seu controle exclusivo. Ele restringiria suas tropas de assalto e criaria uma unidade de guarda-costas de elite, a Schutzstaffel (Esquadrão de Proteção)—mais conhecida como as SS.
Grande Depressão:
Em 1929, o impacto da Grande Depressão na Alemanha deu a Hitler as condições de capitalizar politicamente: raiva, medo e privação. Os nazistas começaram a usar cada vez mais a propaganda em comícios de Hitler, nos quais denunciava os judeus, o capitalismo, o comunismo e outras ideologias, além de pregar o extremismo para conquistar novas filiações ao partido. Em 1930, os nazistas já tinham ao todo 107 cadeiras no parlamento da Alemanha, o Reichstag, e formavam o segundo maior partido do país.
Chanceler:
Com a desordem econômica que seguiu a Grande Depressão, nenhum partido conseguiu assegurar a maioria dos votos e coalizões frágeis caíam uma após a outra, exigindo novas eleições. Em 1932, apoiado pelo alto empresariado, o Nazismo conseguiria 14 milhões de votos na eleição nacional e se tornaria o maior partido da Alemanha. Em uma manobra sagaz, Hitler manipulou os partidos dominantes para que reprimissem uma coalizão comunista e pressionassem o presidente Paul von Hindenburg a nomeá-lo chanceler, obrigando à convocação de mais uma eleição geral em 1933.
Incêndio no Reichstag:
Hitler foi rápido em consolidar seu poder como chanceler. Sua polícia secreta, a Gestapo, foi dinamicamente articulada e 50 mil homens da tropa de choque acabaram como agentes. Dias antes da eleição de março (quando Hitler ganhou maioria), ele ordenou um ataque à sede comunista, alegando ter encontrado provas de um suposto plano de atacar prédios públicos. Dois dias depois, o parlamento foi incendiado e as lideranças comunistas acabaram culpadas, desencadeando prisões em massa e tortura de opositores ao partido nazista. No dia seguinte, Hitler publicou o “Decreto do Presidente do Reich para a Proteção do povo e do Estado” suspendendo todos os direitos básicos constitucionais.
Lei de Plenos Poderes:
Depois de mais uma vez fracassar em garantir maioria nas eleições de março de 1933, Hitler descaradamente prendeu os integrantes do Reichstag na oposição, incluindo 81 parlamentares comunistas, posicionando integrantes da tropa de assalto e da Gestapo nas câmaras para acossar os parlamentares que ficaram a votar a “Lei para Remediar a Aflição do Povo e do Reich”, conhecida como a Lei de Plenos Poderes. Tal lei deu a ele poder absoluto de legislar. Pouco depois, todos os outros partidos políticos foram banidos e a Alemanha deixou de ser uma democracia. Teve início o Terceiro Reich.
A Noite dos Longos Punhais:
Em 1934, apenas um possível impedimento permanecia: as Forças Armadas da Alemanha. Como a milícia nazista era cada vez mais poderosa com a liderança de Ernst Röhm, ele buscou substituir o exército alemão pela guarda popular. Na intenção de cortejar e incorporar as lideranças militares, Hitler fez com que a sua SS assassinasse quase uma centena das lideranças milicianas, incluindo Röhm, no que se tornaria conhecida como a “Noite dos Longos Punhais”. Quando o Presidente von Hindenburg morreu no mês seguinte, Hitler aboliu o cargo de presidente e se nomeou Führer e Comandante-em-Chefe. Seu poder agora era absoluto.
Fonte: Espresso Agency
Imagem: Canadian Press Images/Markus Schreiber