Por volta de 1987, meu pai, o sr. Edvaldo Morais Lopes, por motivo de trabalho, foi transferido para a cidade Ceará-Mirim (RN). Após se estabelecer e organizar todas as coisas necessárias, levou toda a família, que residia em Mossoró (RN), para o novo lar.
Eu, que sou o filho mais velho, meu irmão Adriano e minha irmã Aline fomos estudar no Colégio Santa Águeda (CSA), tradicional escola da cidade. Alba, a irmã caçula, só nasceu no fim daquele ano.
Eu adorava os eventos que aconteciam na escola e queria participar de todos: as festas juninas, as gincanas, os disputadíssimos jogos internos, entre tantos outros.
Os jogos internos era um dos eventos mais aguardados pelos alunos, pois, além das modalidades esportivas, medalhas e aulas liberadas para assistir as competições, havia um grande show de abertura.
Os alunos vestidos com os uniformes do time da sua turma ou caracterizados com fantasias relacionadas ao tema escolhido para aquele ano (certa vez eu fui um xeique árabe), carregando bandeiras e outros adereços, desfilavam pelas ruas da cidade em direção ao ginásio de esportes municipal.
Uma das principais atrações do desfile era a Banda Fanfarra do CSA, que animava a todos com músicas populares variadas. Chamava a atenção dos moradores das casas de todas as ruas por onde o desfile passava, que iam até a calçada, ou pelo menos à janela, para apreciar o espetáculo.
Antes da Fanfarra do CSA eu só havia visto bandas de música na TV, nos desfiles do dia da Independência e em uma apresentação da Banda Marcial da Fundação Bradesco, durante um especial transmitido pela TV Bandeirantes, cuja gravação em VHS eu assisti repetidas vezes.
Fiquei encantado com aquela música, com os uniforme, instrumentos, evoluções e tudo mais. Queria poder fazer parte daquele grupo tão cativante.
Então, em 1990, quando iniciei os estudos na 5ª série do “primeiro grau maior”, fui aceito para ser um dos músicos da banda.
Eu não sabia nada sobre música. O mais próximo de um instrumento musical que eu havia tido contato eram aqueles pianinhos, xilofones, tambores e cornetinhas de brinquedo. Tinha muito a aprender.
À frente da banda estava o maestro Marcondes, foi com ele que aprendi as primeiras músicas. Teve também Altair, cujo nome era igual ao da diretora da escola, e eu achava isso muito engraçado. Depois veio Sandro, que também ficou algum tempo. Por fim, Gley, Paulo Neto e Jader integrantes mais experientes, ensaiavam e conduziam a galera quando necessário.
Nas primeiras semanas, eu e outros novatos aprendemos sobre a “ordem unida”: perfilar (organizar-se em filas e colunas), marchar, virar para os lados, dar meia volta, etc. Como é preciso bastante espaço para isso, usávamos o “galpão” onde ficava a cantina ou o pátio em frente à escola.
As aulas teóricas e reuniões aconteciam em uma das salas de aula. Os ensaios normalmente aconteciam à noite, para não atrapalhar as aulas.
Não usávamos partituras, e sim uma transcrição das notas como texto, no estilo: DÓ, DÓ, SOL, DÓ, RÉ, SOL; o ritmo e duração de cada nota da música precisavam ser decorados pelos alunos. Eu copiava tudo num caderninho para poder memorizar em casa.
Era um método rápido de ensinar, porém não era conhecimento musical completo. Aprendi a ler partituras bem depois, estudando com uma professora particular que ensinava teoria musical e flauta doce. Infelizmente já esqueci quase tudo.
A primeira música que aprendi foi Adeste Fidelis, um hino religioso com melodia bonita e notas fáceis. Treinei muitos dias até memorizar todas as notas e até tocava numa flauta doce que comprei, daquelas baratinhas mesmo.
Os materiais da banda ficavam guardados em uma sala com armários de madeira, muitos em péssimo estado de conservação, não tinha como usá-los como estavam.
A diretora do colégio da época, irmã Altair, fez um bom investimento e grande parte dos instrumentos foi consertada, recebendo novas peles, baquetas, cintos, etc. Também foram adquiridos trompetes novinhos, atabaques e mais algumas coisas.
Após os consertos e aquisições, os instrumentos disponíveis eram: fuzileiro, surdo, caixa, tarol, pratos, atabaque, trompete, corneta de pisto, clarim e cornetão de pisto. Uns quatro de cada.
Eu tocava corneta de um pisto e às vezes ficava com o trompete. Pedi a minha mãe para fazer uma bolsa de tecido para que eu pudesse guardar o instrumento e transportá-lo com facilidade. Virou moda e vários colegas copiaram a ideia.
Os rapazes de maior estatura, Edson, Bia e Papion, tocavam fuzileiro. As meninas, Karla, Heber, Gilvania, Lilian, Leila, Lála, Débora… ficaram com os pratos e outros instrumentos de percussão, assim como Pinto, Luciano, Gley e muitos mais. No sopro, além de mim, tocavam Jader, Kleber, Guguto, Douglas, Ney, Paulo Neto, Hélmano, entre outros.
Infelizmente não consigo lembrar o nome de todos que tocaram na minha época. Chegava e saía gente com frequência. Alguns deixavam de participar por não estudar mais no colégio, outros perdiam o interesse, ou por falta de tempo, etc. Entretanto, vários ex-alunos continuavam participando ativamente, ajudando os novatos a se enturmar.
Muitas outras pessoas ajudavam a banda de diversas maneiras. O professor de educação física, “Casquinha” nos acompanhava sempre que era possível, assim como a querida Geraldina, uma mãe para toda aquela garotada. Outras freiras do colégio, inclusive a própria diretora, não mediam esforços para que as apresentações acontecessem sem problemas.
Fosse ajudando a vestir os uniformes, costurando algum botão caído, preparando e distribuindo lanches, ou simplesmente acompanhando, conversando e orientando todos aqueles jovens, eles estavam lá por nós.
O repertório era bem variado e incluía músicas de Daniela Mercury, Scorpions, RPM, Leandro e Leonardo, Xuxa e muitos outros sucessos dos anos 90, músicas religiosas, sertanejo, axé, hinos, músicas instrumentais e de percussão. Agradava a todos os públicos.
O desfile dos jogos internos do CSA era apenas uma das inúmeras apresentações que fazíamos ao longo do ano. Muitas escolas municipais e estaduais de Ceará-Mirim nos convidavam para participar dos seus desfiles, e íamos com muito prazer. Também tocávamos nos desfiles de cidades vizinhas como Natal, Coqueiros, Taipu, João Câmara, Dom Marculino, Pureza, Poço Branco, entre outras.
As viagens mais longas foram para Nova Cruz/RN, todo ano estávamos lá no desfile do colégio das irmãs; Barreiros/PE, participamos dois anos no encontro de bandas; e Bom Conselho/PE, também no colégio das irmãs.
Eu adorava as viagens da banda, pois eram oportunidades para conhecer novos lugares e se enturmar ainda mais com os outros componentes. Era uma bagunça só lá no fundão do ônibus. Como eu era o mais jovem, sempre ficava aos cuidados do maestro ou de algum outro adulto que nos acompanhava.
Um pequeno problema das viagens era que eu enjoava sempre que andava de ônibus, então tinha que tomar remédio para enjôo e dormia praticamente o caminho todo. O pessoal vivia brincando com isso, dizendo que eu estava marchando dormindo e tal.
Nem sempre a escola podia custear o ônibus, então pedíamos ajuda à prefeitura para que cedesse o ônibus do estudante. Era um ônibus bem velho, mas nos levou em várias dessas viagens. Quebrou algumas vezes e passamos horas esperando o socorro, numa época sem celular, era muito mais difícil avisar em casa ou pedir ajuda. Felizmente sempre chegamos bem.
Também fazíamos arrecadação de fundos para poder bancar algumas dessas viagens ou comprar os uniformes. Rifas, barraca de comidas na festa junina, doações dos familiares… qualquer coisa que rendesse algum dinheiro.
Por falar em uniformes, nos anos que participei tivemos dois trajes “de gala”, na maioria da vezes usados nos eventos noturnos. O primeiro era um blusão azul escuro com detalhes dourados: botões, fitas nos punhos e franjas nos ombros. Calça branca, sapato preto, luvas brancas um e quepe branco para completar. Era uma roupa muito bonita, mas nos deixava com muito calor.
As roupas e quepes ficavam guardados na escola, etiquetados com o nome dos componentes. Quando o pessoal ia crescendo, fazia-se um rodízio das roupas para tentar vestir todos da melhor forma possível.
O segundo uniforme foi adotado uns anos depois, quando a maioria dos alunos havia crescido e os antigos não cabiam mais. Era um colete azul escuro com detalhes dourados, usado por cima de uma camisa de manga longa branca. Não era tão bonito quanto o blusão, mas resolveu o problema do calor. Calça, luvas e quepe brancos, e sapato preto, como no outro.
Por fim, nos desfiles diurnos ou ocasiões mais simples, usávamos a camisa da farda da escola, calça jeans e tênis. Era o traje mais confortável, porém, o menos bonito.
Lembro de um ano que tivemos algumas meninas vestidas como bailarinas realizando coreografias enquanto a banda tocava. Minha irmã, Aline, era uma dessas crianças. As balizas. Foram poucas as apresentações com elas.
Em 1993 concluí o ensino fundamental no CSA e fui estudar em Natal, na ETFRN (hoje, IFRN). Ainda participei por um tempo na banda, mas como as viagens diárias eram muito cansativas, à noite eu já não tinha ânimo para sair de casa e acabei saindo da banda. Ainda tentei tocar na banda da ETFRN, mas não deu certo e acabei me dedicando a outras atividades.
A banda do CSA continuou até o final dos anos 90 e então, por motivos diversos, encerrou suas atividades deixando imensa saudade.
Após um hiato de quase 20 anos, a banda retornou em 2017, sob o comando do maestro Marcelo Papão, para se apresentar no evento de comemoração dos 80 anos do Colégio Santa Águeda. Muitos dos antigos integrantes estavam lá, tocando ao lado dos seus filhos, uma nova geração de alunos que seguiram a paixão dos pais pela música. Músicos de outras bandas também foram convidados para participar desta ocasião.
Uma triste ausência foi do amigo Paulo Neto, que faleceu e foi homenageado com a canção Amigos para sempre, nesta apresentação.
Muitas outras apresentações se seguiram sob a regência do maestro Marcelo, e até uma com o maestro Kleber, antigo integrante. Ao que parece, a banda do CSA tem tudo para continuar alegrando a todos que a ouvem.
Sinto muitas saudades daquela época, dos amigos, dos ensaios, das viagens, da música. Há muito tempo não vejo uma banda tocar, ao vivo, apenas um ou outro vídeo na internet.
Espero que algum dia meus filhos possam vivenciar experiências como as que eu tive naquela banda, se assim desejarem, e, quem sabe, eu consiga tocar ao lado dos antigos companheiros, pelo menos mais uma vez.
Abrahão Lopes – professor do Instituto Federal do RN, fã de jogos eletrônicos há mais de 35 anos, autor do livro Memorial Locadoras & Fliperamas e da série Guia Rápido: Xbox One (Jogos / Conquistas e Gamerscore).
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