Após um ano e meio do anúncio de sua primeira seleção, o Instituto Serrapilheira divulgou na última quinta-feira, 20 de fevereiro, os nomes dos três cientistas que receberão um financiamento de R$ 1 milhão, cada, para o desenvolvimento de novos projetos. Foram selecionados os professores Bruno Mota e Mario Leandro Aolita, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o professor Rafael Chaves, pesquisador do Instituto Internacional de Física (IIF) e professor da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A pesquisa do professor Chaves, que lidera o grupo de informação quântica no IIF-UFRN, foca-se na compreensão da não-localidade quântica e as propriedades não clássicas que a mecânica quântica possui. O trabalho tem origem em um famoso teorema, desenvolvido na década de 1960, o qual mostra que as nossas relações de causa e efeito deixam de ser válidas em fenômenos quânticos. No entanto, até pouco tempo atrás não existia uma definição matemática de causalidade clara o bastante para explicar por que isso acontece. O projeto busca corrigir essa lacuna.
“É uma sensação muito boa. Desde o projeto original, até a fase inicial e agora na resposta final, foram por volta de dois anos e meio. Foi um caminho longo, bastante produtivo e intenso que resultou em um prêmio que será muito importante, não só pelo valor financeiro, que certamente será essencial, mas também pelo valor simbólico. Sinceramente, para mim o reconhecimento é mais importante do que o dinheiro”, afirma o pesquisador da UFRN.
A pergunta básica do problema enfrentado na proposta da pesquisa é: “qual o papel da causalidade, ou de relações de causa e efeito, em fenômenos quânticos?” Esse é um teorema paradigmático, que se restringe a uma classe de fenômenos ou experimentos quânticos bastante restrita.
“Por acaso eu estava lendo o blog de Michael Nielsen, um dos autores do livro mais importante de informação quântica, e ele chama a atenção para um livro que estava lendo sobre a teoria matemática da causalidade. Eu li e disse ‘caramba, isso parece com o arcabouço matemático que eu estava precisando’”, relembra.
Trabalho interdisciplinar
A proposta para a pesquisa foi criada quando o professor se candidatou à vaga aberta para pesquisador no IIF-UFRN e acabou se desdobrando em um projeto ainda maior, no qual físicos de outros campos acabaram integrando o grupo de pesquisa e, através de suas especialidades, contribuíram para os resultados alcançados.
Uma teoria matemática clássica da causalidade para se entender fenômenos quânticos tem suas limitações. Sendo assim, um dos principais objetivos é o de fazer uma generalização de seus princípios, criando uma versão genuinamente quântica de uma teoria da causalidade, levando a aplicação para diversos campos.
“Tivemos que criar técnicas matemáticas baseadas em inteligência artificial, teoria de grafos e teoria de redes, não só para poder formular corretamente as perguntas, mas também respondê-las. O problema central é esse: impomos uma certa estrutura causal a um experimento e queremos saber quais são as correlações que a gente pode obter naquele experimento e que tenham uma explicação clássica. Caso esta explicação clássica não seja possível, estamos detectando de maneira inambígua e sem qualquer margem para dúvida, a origem genuinamente quântica daquele fenômeno observado”. Dessa forma, a equipe acabou encontrando uma vasta possibilidade para interdisciplinaridade, uma vez que as descobertas podem receber novos focos.
O professor Chaves explica que uma aplicação natural dessa incompatibilidade das correlações quânticas com uma teoria clássica de causalidade é em protocolos de comunicação, no contexto de garantir a segurança da troca de informações entre computadores. Em criptografia, a equipe tem resultados teóricos e experimentais, mostrando que novas estruturas causais, que não tinham sido consideradas anteriormente, fornecem novas plataformas para gerar e certificar a aleatoriedade quântica, que pode ser usada para troca segura de mensagens.
Do giga para o mega
As possibilidades se expandem para a computação distribuída, onde a quantidade de comunicação necessária para o envio de dados entre máquinas poderia ser reduzida. Ao invés de realizar o envio de 1 Gigabyte, por exemplo, usando estas correlações quânticas a mesma informação poderia ser transmitida utilizando apenas 1 Megabyte.
Novas possibilidades também aparecem dentro de áreas como medicina, gestão pública e biologia, como explica o professor: “As ferramentas do projeto poderiam ser utilizadas para saber se certa droga pode reduzir os sintomas de uma doença, ou para descobrir dado que uma certa política pública teve um certo efeito, o que teria acontecido se ao invés daquela ação, outra tivesse sido tomada”.
Em redes genéticas existem evidências de que algumas mutações nos genes estão associadas a pessoas que são menos suscetíveis a certas drogas e, ao utilizar esse novo arcabouço, ir além de simples correlações e inferir relações de causa e efeito. “Será que essa doença é causada por uma mutação genética, ou existe uma terceira causa que a gente não observou ainda?”.
Para o pesquisador, a premiação também dá destaque para a importância da pesquisa básica. Todos os conceitos desenvolvidos no projeto nasceram de análise dos fundamentos matemáticos da teoria quântica, onde foram encontradas aplicações importantes em problemas do dia a dia.
“Existe essa percepção errônea atualmente de que a ciência básica não serve para nada, mas se a gente não fizesse ciência básica, não teria descoberto nenhuma dessas coisas”.
Redes de cientistas
O professor Chaves afirma que a premiação não foi uma conquista individual. Ele destaca a estrutura disponibilizada pelo IIF, onde pôde realizar eventos e colaborações internacionais, o apoio recebido pelo seu grupo de pesquisa e pela sua família.
“Foi uma oportunidade única. Ter um ano para desenvolver o nosso projeto e mostrar que era relevante e que nós, como pesquisadores, poderíamos levar esse projeto ambicioso para frente. Foi o ano mais produtivo e criativo da minha carreira. Publicamos artigos nas revistas mais relevantes da área, Nature, Nature Physics, Physical Review Letters, e tivemos um trabalho destacado em uma das conferências mais importantes em causalidade chamada Uncertainty in Artificial Intelligence.
Foi muito trabalho e eu não conseguiria fazer isso tudo sozinho. Temos um grupo muito sólido, a ajuda do Instituto, de uma rede de colaborações muito grande foi fundamental. Nosso grupo não tinha como fazer tudo localmente, a rede de colaboradores no Brasil e internacionais na Itália, Espanha, Alemanha, Áustria, Escócia e Austrália foi extremamente importante. E o apoio familiar foi igualmente importante. É mérito meu, mas também do grupo, do Instituto e da minha família”.
Além da experiência de ser selecionado pelo Serrapilheira, a rede de contatos com diversos cientistas foi algo que marcou o professor Chaves, que também recebeu formação complementar em liderança científica, formação de novos cientistas e sobre como gerir projetos de pesquisa em larga escala. “Eu acho que essa foi uma das grandes vantagens de fazer parte desse grupo, de gente jovem que é muito boa no que faz. Saber que essas pessoas existem e estão no Brasil fazendo ciência de ponta, apesar de todas as dificuldades, é algo que dá um certo ânimo. Mais do que isso, entrar em contato com essas pessoas na era da ciência interdisciplinar, de ausência de fronteiras entre as áreas. Conhecer o que cientistas de outras áreas estão fazendo é algo essencial”, disse.
Expansão
Com os recursos adquiridos, o professor espera abrir novas frentes de trabalho em sua equipe e agregar novas pessoas. Além da atração de mais pesquisadores pós-doutores, o grupo pretende contar com um número ainda maior de estudantes de mestrado, doutorado, assim como de alunos de iniciação científica. A verba extra também garantirá aos cientistas do IIF-UFRN novos equipamentos de ponta, como computadores mais potentes para a realização de cálculos de alto nível.
O grupo começou janeiro de 2020 com três novas ideias para solucionar problemas da área, mas em um mês e meio já está com 10 novas propostas para expandir a atuação do projeto.
Fonte: Agecom/UFRN