A representação da mãe solo, negra e periférica em “Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”

Foi convidando mães e filhos da Vila Flávia para o palco que Tatiana Lohmann abriu a amostra da Seleção Rio com a exibição do seu longa “Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”. Na última quinta (6) ocorreu no CineSesc, em São Paulo, a abertura da Seleção Rio, uma parceria do Sesc com o Festival do Rio, que traz à capital paulista títulos exibidos no Festival Carioca.

O filme, lançado em 2016, documenta a história de três famílias que sofrem as consequências da ausência paterna. Dona Edith, dona Vera e dona Fatima: três mães negras protegendo sozinhas os filhos da labuta que é estar na minoria esquecida pelo Estado.

Lá do palco, Dona Vera, antes de começar o filme, já adianta que a ideia era mostrar o dia a dia da mulher dona de casa, e que portanto está horrível nas filmagens. Minha impressão ao ver Dona Vera na telona (literalmente, o CineSesc dispõe de uma tela de 16m x 8m) fugiu muito da ideia do ridículo: Vi a força da mãe negra e periférica. Já a diretora Tatiana Lohmann deu um olhar humano e não romantizado a uma classe marginalizada através de histórias reais. A obra traz a representação da mãe solteira e, muitas vezes solitária, que pelo fato de carregar o fardo de não poderem errar nunca devido a ausência paterna, passam a trazer consigo a imagem de santa guerreira.

As mães, no entanto, não carregam este fardo sozinha: Fernando, Nêgo e Barão representam as tamanhas dificuldades que o título de jovem negro e periférico traz.

A ideia da aura de santa guerreira destinada às mães é muito bem exprimida pela representação imagética. O filme acerta na construção da imagem através de corpos tatuados e muros grafitados.

A trilha sonora, por sua vez, não fica para trás. “Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano” deu espaço e representatividade ao rap e hip hop com canções de MC Felipe Boladão, Fernando Macário, Rima Fatal da Leste, Odisséia das Flores, MC Neguinho do Kaxeta, De Menos Crime, A Voz da Verdade, Emicida e Inquérito.

O filme captura a realidade de centenas de famílias brasileiras que estão à margem da sociedade. Leva ao público, que muitas vezes está muito distante disso, a realidade da juventude negra e periférica. Leva a classe média, que muito está acostumada a usufruir da cultura periférica, que transforma composições de funk em grandes sucessos e que decora as letras de rap, para a conscientização de classe. Trás a realidade da mãe que além de sofrer com o machismo dentro de uma sociedade machista e misógina, sofre com o racismo e a com possibilidade de ter seu filho morto ou inserido no mundo do crime.

Em um país predominado pelo racismo estrutural e pela desigualdade socioeconômica, é preciso haver mais “Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”. Em um país onde a população negra é a principal vítima de homicídio e em que o número de negros mortos por policiais é o triplo do de brancos, é preciso haver mais “Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”.

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Foto por Geovana Miranda

Após a exibição do filme, houve um debate com a diretora Tatiana Lohmann, a atriz-MC, poeta e pesquisadora Roberta Estrela D’Alva, o Negotinho, presidente e articulador do espaço São Mateus em Movimento, Negotinho e Dona Jacira, formada em desenvolvimento humano, em que foi reforçado a importância da existência do investimento do BNDS para filmes como esse serem produzidos.

“Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano” levou conscientização e emoção ao público, que deixou o cinema com aquele som de choro contido e saiu de lá olhando o mundo além de seu próprio umbigo.

Fonte: O Barquinho Cultural

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