Se vivo ainda fosse, e desse por essas bandas, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche- que entre tantas outras coisas, classificava o cristianismo como uma religião mórbida, decadente e antinatural, certamente diria: “Mas eu te disse, não te disse?” ao escutar a proposta feita pela pastora e ministra Damares Alves, destinada a faixa etária do público de jovens e adolescentes, pela campanha da abstinência sexual. Para o atormentado filósofo, que apesar de ter morrido louco, num sanatório, acometido por uma doença venérea, o puritanismo cristão, ao privar-nos da carne, priva-nos também o instinto, que é algo essencial para a sobrevivência de toda e qualquer espécie. Se foi a demência do velho Friedrich – ou não- desencadeada por uma sífilis herdada pelas andanças em bordeis – se foi mesmo um castigo de Deus, disso não se sabe ao certo, mas fato é que vivemos e pensamos em sexo.
Mesmo sem nos darmos conta, agimos em função do instinto sexual, quando, por exemplo, nos colocamos numa postura ereta, e nossos ombros se voltam de repente para trás, diante do objeto de desejo. Ou quando, nossa pupila se dilata, ou as narinas se abrem aos feromônios. E até aquela inofensiva jogada de cabelo, as mãos postas na altura da cintura, meus amigos, é sexo! Homens pensam em sexo, a cada 28 minutos, o que equivale a 34 vezes por dia, e mulheres a cada 51 minutos, o que equivale a cada 19 veze por dia. Apontam estudos da universidade de Ohio. Quer queiram, quer não, somos, por natureza, um bando de depravados!
E não é por culpa de capeta se somos levados a agir assim. Se você quer culpar alguém, você deveria começar pelo seu gene, que é parte de sua molécula responsável pelo seu DNA, o que você carrega de hereditário, que entre milhões e milhões de anos de processo evolutivo, de seleção natural, encontrou no sexo, a maneira mais apropriada de passar a bola adiante. Por isso, quando um homem é flagrado observando um quadril largo, ou uma mulher se encanta por um bíceps mais avantajado, uma voz grave que lhe fala próximo ao ouvido, tenham certeza, a culpa são de seus genes. E quem não se deixou ao menos uma vez se levar pela torrente evolutiva, que atire a primeira pedra.
Os genes agem ainda na questão sobrevivência, quando cidades ou povos, logo após calamidades ou guerras, aumente de forma substancial a taxa de natalidade- ou seja, há mais gente fazendo sexo- assim foi o baby boom, que se seguiu após a segunda guerra mundial, a geração de adolescentes que deu origem ao rock n´roll. Ou nas prisões mais severas, nos casos de homossexualidade, em que um gene procura adaptação- algo comum, no reino animal.
Grandes nações ou impérios da antiguidade, como os gregos e romanos, conviviam de forma harmoniosa com a questão do sexo e da sexualidade, havendo para isso festivais, em que saudavam a fertilidade, com música, dança, bebidas e bacanais. E onde não viam- muito pelo contrário- decadência em viver o seu modo de vida- pois o conceito de família era outro- e nem por isso, em seu tempo, deixaram de ser duas das nações mais poderosas da terra conhecida, sobretudo, os romanos. Decadência, para os romanos, e o conceito de imoralidade, era outro. Era tudo o que denotava fraqueza– ainda segundo Friedrich, em seus anos de estudo. E dando sequência a sua linha de raciocínio o obscurantismo, “a doença”, a fraqueza, veio com a queda do império romano, e a ascensão do pensamento judaico-cristã, desaguando na idade média. E mesmo assim, não foram poucas as histórias sobre orgias organizadas no Vaticano. Bordeis que funcionavam em canais subterrâneos pela Europa- As congregações cristãs, que nunca nos fazem esquecer o demônio, lembram-nos sempre sobre o que há no meio das pernas.
Agora, em nosso país, às portas do Carnaval, o governo federal, que ainda hoje alardeia sobre o tal “kit gay”, chega com uma política igualmente estranha e antinatural– se tomado o outro lado da maçã-que em muito lembra uma passagem do livro 1984, de George Orwell, onde um governo totalitário controla o ato sexual de sua população para criar uma forma de histeria e minar os instintos individuais, e a única forma de satisfação possível seria a da adoração ao regime e a figura de seu ditador. Então é aí que me pergunto: se vivo ainda fosse, e desse por essas bandas, se o velho Friedrich, assim como Momo, expulso do Olimpo pelas zombarias, se também estaria rindo- envolvido em um tipo de delírio, numa chuva de confetes e serpentinas que caem todos os dias nos céus desse país- ou se estaria chorando- com a condescendência dos cavalos.
Imagem: Cabeça Dinossauro – Titãs