Cada vez mais comuns, crianças e adolescentes precoces fazem muito sucesso em várias áreas. Na esfera esportiva, não é diferente. Frequentemente, ouvem-se notícias sobre a possível mais nova joia do esporte aqui e ali, além de competições de base em várias modalidades que vêm ganhando visibilidade global, com transmissões televisivas e, sobretudo, por meio da internet.
Longe dos holofotes, também há crianças praticando esportes diversos nos colégios e em escolinhas especializadas. Algumas aprendem lá, enquanto outras lapidam um talento nato com os treinos. Quantos vão chegar às disputas profissionais, à elite, por assim dizer, é difícil prever. Mas ainda que não seja em alto nível na maturidade atlética, a prática requer a aquisição de determinadas habilidades que podem — e devem — ser aprendidas desde os primeiros passos na vida esportiva.
Na comunidade científica, a prática esportiva por crianças e adolescentes é motivo de estudos. Com especialização nos esportes se iniciando cada vez mais cedo, a preocupação com uma abordagem mais ampla do exercício, do treinamento físico e da formação desses atletas deu origem a uma pesquisa na UFRN.
Intitulado Effects of integrative neuromuscular training and detraining of countermovement jump performance in youth volleyball players, o artigo foi publicado no Journal of Strength and Conditioning Research, um dos mais renomados periódicos da área de Educação Física. O estudo é conduzido pelo professor do Departamento de Educação Física da UFRN, Arnaldo Mortatti, coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Fisiologia do Crescimento,
Maturação e Desempenho Motor (Gepefic).
Com base no método chamado Treinamento Neuromuscular Integrativo (INT – Integrative Neuromuscular Training, em inglês), o Grupo aplicou um treino em atletas adolescentes do Natal Volley Club. Com 15 minutos de treinamento, duas vezes por semana, durante doze semanas, o objetivo era descobrir se o INT teria efeito em crianças já iniciadas no esporte em questão.
“Nós trabalhamos com atletas das categorias de base, com adolescentes de 13 anos de idade, para ver se essa metodologia também poderia influenciar no aumento da performance em crianças já iniciadas, principalmente porque, nessa população, se foca muito o treinamento na especificidade do esporte, e essa melhora do movimento é deixada de lado”, explica o professor Arnaldo.
Ao final do período de experimento, os resultados foram reveladores. O desempenho dos atletas nos quais o INT foi aplicado não só melhorou em relação ao grupo que não fez esse treino, que manteve o tradicional, como permaneceu superior depois do destreinamento, quando os adolescentes ficaram dois meses sem praticar o vôlei.
“Vimos que esse tipo de treinamento, além de melhorar a performance, consegue ampliar também a chamada competência motora, pois a pessoa se mantém mais habilidosa no movimento, e essa capacidade melhorada propicia que ela desenvolva maiores resultados no salto”, detalha Arnaldo Mortatti, colocando que o salto foi a única variável avaliada nesse estudo.
Outro trabalho nessa mesma linha está em vias de ser publicado. Dessa vez, no entanto, com crianças de 7 a 9 anos de idade que praticam o futebol. Foram avaliadas diversas habilidades físicas, como força de membros inferiores, agilidade, flexibilidade, equilíbrio e velocidade, e os resultados apontaram aumento do desempenho nas capacidades que não são específicas do esporte.
À medida que variáveis como equilíbrio, flexibilidade e força crescem, a qualidade do treino melhora e a incidência de lesões diminui. Ou seja, um trabalho de curta duração, que pode ser aplicado durante o aquecimento, consegue melhorar essas outras habilidades que, mesmo não inerentes ao futebol, também são importantes para a prática do próprio esporte. “Esperávamos mesmo essa melhora em outras habilidades, além das específicas do esporte, e foi o que efetivamente aconteceu”, afirma o professor.
Especialização precoce
Ainda nesse sentido, Arnaldo Mortatti ressalta a importância de um cuidado especial na preparação desses atletas para evitar a queima de etapas em nome da competitividade e da obtenção de resultados esportivos rápidos. Conhecido como especialização precoce, esse processo que busca formar campeões cada vez mais cedo não é necessariamente eficaz.
De acordo com o professor, quanto mais cedo a criança entra no esporte e só recebe treinamentos específicos, mais hábil ela fica naquelas capacidades, mas os demais predicados motores não se desenvolvem no mesmo nível. Segundo ele, pesquisas mostram que crianças e adolescentes especializados antes dos 13 anos normalmente não chegam à elite.
“É necessária essa abordagem mais generalista, de entender como se faz o movimento e transferir isso para o futuro, para ser uma pessoa mais bem condicionada” afirma Arnaldo
“Isso gera uma dificuldade mais à frente em melhorar o desempenho devido à falta da base que deveria ter sido aprendida na infância. Obviamente é preciso praticar o esporte, mas é necessária essa abordagem também mais generalista, de aprendizagem, de entender como se faz esse movimento e transferir isso para o futuro, para ser uma pessoa mais bem condicionada. É o que vai fazer com que se sobressaia lá na frente”.
Treinamento Neuromuscular Integrativo
Relativamente novo, o Treinamento Neuromuscular Integrativo é um método proposto pelo pesquisador americano Avery Faigenbaum em 2010, cujo objetivo é propiciar à criança uma experiência mais rica no aprendizado do movimento dos exercícios e na prática da atividade física de uma forma geral. Professor do College Of New Jersey, Faigenbaum assina o estudo desenvolvido pelo Gepefic ao lado da mestranda Ana Camila Albuquerque Nunes e da professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Maria T. Cattuzzo.
Para o professor Arnaldo, esse treino tem estado mais presente na literatura do que na prática, mas é possível modificar tal cenário. “Temos tentado apresentar nos cursos e congressos que dá para pensarmos em treinamentos de uma maneira diferente. É preciso focar no que se chama de reforço positivo, na ideia de mostrar para a criança como ela está fazendo, analisar aquele movimento, entender o que ela tem de fazer e como isso melhora a competência motora, algo que ela leva para a vida toda”, afirma.
Fonte: UFRN