Mais de nove toneladas de esgoto são produzidas no Brasil diariamente e 45% disso é descartado em qualquer lugar, sobretudo nos nossos mananciais, causando poluição e resultando em uma série de problemas ambientais e de saúde. Segundo o Instituto Trata Brasil, isso equivale a quase 6 mil piscinas olímpicas de água despejadas na natureza. Acontece que esse material, rico em propriedades orgânicas, tem enorme potencial econômico. Se fosse tratado, poderia retornar para muitas torneiras, virar adubo, irrigar áreas cultiváveis ou mesmo ser transformado em energia, como propõe o engenheiro Thiago Silva.
Ele desenvolveu um sistema capaz de fazer a separação do esgoto e extrair óleo dos resíduos sólidos, que pode ser usado para a produção de biocombustível. Baseado no conceito de Internet das Coisas, o projeto consiste em um conjunto de duas centrífugas que se unem e operam sequencialmente. A primeira separa a fase sólida da fase líquida, ou seja, agrupa os restos de alimentos e dejetos para que eles se distanciem da água e do óleo presentes na mistura. Na segunda, a fase líquida composta por água e óleo é processada com a finalidade de separar esses dois componentes, resultando em água industrial e óleo para a produção de biocombustível.
O projeto Tecnologia para Reaproveitamento de Rejeitos Orgânicos para Geração de Energia, realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PPgCTI) da Escola de Ciência e Tecnologia (ECT/UFRN), considera aspectos importantes na coleta de matéria-prima. Segundo a Agência Nacional de Águas, mais de 110 mil km de trechos de rio estão com a qualidade da água comprometida por causa da alta carga de rejeitos orgânicos, isso significa que grande parte da população ribeirinha do Brasil vive ao lado de água contaminada.
A situação é tão séria que, em mais de 83 mil km desses trechos, não é mais permitida a captação para abastecimento público de água e, mesmo nos espaços permitidos, é necessário realizar tratamento avançado para que a água possa ser utilizada pelos seres humanos, o que compromete, também, grande parte do abastecimento das pequenas cidades.
De acordo com Thiago Silva, apesar de o assunto em torno do reaproveitamento dos rejeitos orgânicos estar em alta na área da Biotecnologia, existem poucas pesquisas relacionadas a biodiesel e a bioquerosene provenientes de rejeitos orgânicos no Brasil. A ideia de trabalhar com esse produto surgiu em 2012, por meio dos professores Efrain Pantaleon, Maria Aparecida Macêdo, Ademir Oliveira e Jackson Santos. Dois anos depois, Efrain apresentou a proposta a Thiago, que ainda estava na iniciação científica na ECT/UFRN.
Professor Efrain Pantaleon, como orientador de Thiago, afirma que a utilização dos rejeitos para a produção de biocombustíveis encerra a discussão em relação à produção de vegetais, como a soja, para combustível. “Você não fica com o dilema de utilizar a terra para produzir alimento ou combustível”, afirma. De acordo com ele, a diferença do sistema do Thiago está nesse ponto, no melhor aproveitamento dos recursos naturais que há no meio ambiente.
Mercados beneficiados
Contando com o apoio da incubadora InPACTA, da ECT, e o PPgCTI, o projeto de Thiago ainda está em fase de experimentação, mas a proposta é que ele possa ser utilizado em grande escala. O equipamento foi criado para a produção industrial, de forma a atender demanda nacional de biocombustível, principalmente de bioquerosene, que atende uma demanda da aviação.
Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) determinou que, até 2022, o setor aéreo precisa reduzir as emissões de poluentes atmosféricos, o que aumenta o interesse por combustíveis limpos. Empresas aéreas brasileiras já utilizam o bioquerosene (BioQAV), mas seu custo é maior que o querosene comum (QAV), pois depende da produção de óleos vegetais que demanda outros custos agregados, como desmatamento e produção agrícola.
Além de mais barata, a reutilização de esgoto cumpre um papel estratégico para o País, assegurando a melhoria da saúde da população. A proposta prevê produção em larga escala, considerando o aproveitamento do esgoto de uma cidade, mas também pode ser adaptada para atender demandas particulares, a exemplo do caso dos agricultores, que podem produzir seu próprio biocombustível. “Essa proposta pode ser mais bem aplicada em ambientes rurais para a produção de fertilizantes na agricultura, biogás para o consumo doméstico e biodiesel para operação de máquinas e veículos”, relata Thiago.
O pesquisador compartilha, ainda, que tem esperanças de um dia vivenciar o equipamento na prática. Para ele, será um grande momento saber que o combustível responsável por transportar pessoas venha de rejeitos que seriam descartados no meio ambiente. “A maior satisfação que vamos sentir não será a financeira, mas a social, por saber que retiramos mais um poluente do meio ambiente”, encerra.
Fonte: Agecom UFRN