O livro Carry On (2015), de Rainbow Rowell – também autora de Eleanor & Park -, nos conta a história de Simon Snow, um jovem bruxo órfão que estuda em uma escola de magia e por acaso é o Escolhido para derrotar um famoso bruxo das trevas e salvar o mundo. É provável que essa premissa seja muito familiar a você, mas as semelhanças entre as duas obras terminam por aqui, pois apesar de existir uma clara inspiração no universo de Harry Potter, o bruxinho que todos conhecemos e amamos, Carry On nos apresenta um mundo da magia inteiramente novo, que funciona de uma forma totalmente alternativa da que conhecemos na série Harry Potter.
Algo interessante a ressaltar sobre essa obra é que ela foi criada de uma maneira não convencional, pois Rowell decidiu criar Simon Snow para o fazer parte do enredo do livro Fangirl, no qual somos apresentados a Cath, uma fã da série de livros chamada “Simon Snow”, que escreve histórias inspiradas nesse universo, as fanfictions. Entretanto, Rowell afirma que gostara tanto da história do bruxinho que decidiu escrevê-la e hoje Carry On é considerado um spin-off de Fangirl.
Minha relação com esse livro foi de nostalgia, além de surpresa por me encantar por uma nova história de uma escola de bruxos nomeada Watford, pois embora as histórias sejam distintas, Carry On tem um jeito muito delicado de relembrar Harry Potter para os leitores sem perder sua essência original. Foi como reler Harry Potter sob uma perspectiva completamente diferente.
Afora as comparações, eu gostaria de expressar minha satisfação ao dizer o quão bem escrita, divertida e agradável é Carry On. Um ponto definitivamente positivo são os personagens tridimensionais, que nos fazem nos apaixonarmos cada vez mais por eles a cada página e nos transmitem a preferência de Rowell em criar personagens “cinza”, que não são totalmente bons ou maus, mas ambíguos, assim como todos nós.
Minha admiração por Rowell cresceu a níveis estratosféricos ao perceber o quão intrínseca está a pauta da representatividade nos livros da autora e como ela traz certos temas à tona e os discute naturalmente, sem inserir o obstáculo do tabu nem tirar conclusões súbitas sobre qualquer assunto. A temática LGBT é inserida neste livro normalmente, sabemos desde o início que o personagem Baz é gay – além de possuir uma certa ironia e personalidade forte que o faz roubar a cena no segundo em que aparece. Entretanto posso afirmar com total certeza que Simon é o primeiro personagem assumidamente bissexual que encontrei nos livros que li, e a autora o constrói de forma genuína, sem assumir precipitadamente qualquer julgamento, Simon está se conhecendo.
Além disso, outro assunto discutido dentro da esfera da representatividade é o feminismo, debatido pela personagem Penélope de forma brilhante e sem rodeios. Penélope é uma bruxa extremamente talentosa, que possui muitos irmãos e ambos seus pais são professores em Watford, além de ela ser a pessoa mais importante na vida de Simon, segundo o próprio Simon.
Outro ponto curioso a ressaltar sobre esse mundo é como a magia funciona nele, uma vez que nenhum dos bruxos possui apenas uma varinha mágica, mas cada um possui um artefato mágico passado de geração para geração que o escolhe e se encaixa perfeitamente com o seu tipo de magia, pois ela é singular e se manifesta de uma forma divergente em cada feiticeiro -, podemos citar o anel de Penélope e a espada de Simon como alguns exemplos.
O lançamento de feitiços nesse mundo também é bastante peculiar, pois os feitiços surgem através de frases que são muito usadas no mundo dos “trouxas” – chamados de mundanos em Carry On -, e por isso acabam recebendo uma carga de poder muito grande, um exemplo interessante são as músicas.
Por isso o livro se chama Carry On, visto que foi inspirado na música Carry On Wayward Son, lançada pela banda norte-americana Kansas em 1977, foi regravada por diversos outros grupos e é, inclusive, tocada em todos os episódios season finale de todas as temporadas da série Supernatural, com exceção da primeira temporada. Podemos afirmar com certeza que essa música recebeu um poder muito grande no mundo dos mundanos dentro do universo de Simon Snow.
Sobre a escrita, acredito que o uso de narrações em primeira pessoa alternadas entre os personagens foi uma escolha arriscada, porque é algo que pode incomodar alguns leitores quando mal trabalhado, porém Rowell o faz com maestria e muito cuidado e atenção a detalhes. Essas particularidades utilizadas para diferenciar um personagem do outro vão desde o nome do narrador no alto da página escrito com o que imaginamos ser a caligrafia do personagem em questão até estilos de linguagem exclusivos para cada um.
Essas características são apenas um pouco do que nos faz mergulhar nessa história maravilhosa. E para aqueles que assim como eu, já leram e amaram a trajetória de Simon Snow, foi lançada em setembro de 2019 uma sequência para o best-seller Carry On, chamada “Wayward Son”, ainda sem previsão de lançamento no Brasil. E no mesmo mês também foi anunciado um terceiro livro do universo de Carry On, intitulado “Any Way the Wind Blows” (ou “Para qualquer lugar que o vento soprar”, em tradução livre), o qual a autora informou em uma entrevista para o Vanity Fair que deve concluir uma trilogia, mas Rowell não descarta a possibilidade de criar mais histórias com esses personagens.