Crônicas da Velha Ribeira (78)

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No prédio meio arredondado que fica na entrada da Avenida de contorno beirando o rio Potengi, em frente ao Salesiano, funcionava a administração da Companhia Forca e Luz Nordeste do Brasil, cuja usina era localizada no Baldo, onde hoje está instalada a COSERN. A Forca e Luz era responsável pelos bondes que – ao lado de ônibus, com carrocerias de madeira montadas sobre chassi de caminhões – compunham o Sistema de Transporte Coletivo da Natal dos anos quarenta/cinquenta.

Os bondes tinham duas frentes e ao chegarem aos terminais, o cobrador virava a lança, puxando-a com uma corda amarrada perto da carretilha, para reencaixá-la no grosso cabo de alta tensão que fornecia a energia necessária ao seu deslocamento, ao mesmo tempo em que o motorneiro se mudava para o outro lado, onde tinha outro Sistema de comando do carro elétrico. De forma semelhante, o encosto dos bancos de madeira e inteiriços, eram virados, para que os novos passageiros ficassem de frente.

Os bondes não tinham portas e o acesso aos assentos dava-se através de dois estribos laterais com o mesmo comprimento do carro. Como a velocidade em que percorriam os trilhos era baixa, a molequeira endoidava o cobrador – que os moleques chamavam de “cabecinha” e ele baratinava ainda mais, com o apelido – tomando o estribo com o bonde andando, na frente e saltando para pegá-lo atrás, quando ele se aproximava para fazer a cobrança da passagem. O “cabecinha” era, também, um malabarista porque nos bondes viajava-se dentro e fora. Os que iam dentro, se acomodavam nos bancos de madeira e os que iam fora, se acotovelavam em pé, nos estribos.

Pode-se, pois, imaginar o contorcionismo que ele tinha de fazer par realizar seu serviço. Havia quatro linhas de bondes, naquela época: a principal era Alecrim/Ribeira, com terminais na Presidente Bandeira – a Avenida 2 – e na Tavares de Lira, sendo as outras, Cidade alta/Petrópolis, com terminais na João Pessoa e na 2 de novembro; Cidade alta/Tirol, com terminais na João Pessoa e no Aero Clube e, finalmente, Alecrim/Lagoa Seca, com terminais na Pte. Bandeira e rua São João.

Como aqueles veículos não tinham portas, quando chovia, desciam lonas enroladas e presas nas bordas do teto, para proteger precariamente os passageiros. Mas o terror dos “cabecinhas”, não era ter que se contorcer entre passageiros em pé e acotovelados nos estribos, muito menos os engraçadinhos que tomavam o bonde na frente e saltavam para pegá-lo atrás, quando ele se aproximava.

O que os levava ao desespero eram as traquinagens dos estudantes do velho Atheneu, então instalado no prédio onde funciona hoje a Secretaria Municipal de Tributação e que tinha frente para a Av. Junqueira Aires. Porque alguns alunos daquele venerando estabelecimento de ensino gastavam barras e barras de sabão, esfregando-as no trilhos, sempre a Altura do colégio para poder gozar os “cabecinhas” e motorneiros, desesperados com o deslizamento das rodas nos trilhos ensaboados. Registra a crônica, que passou a ser equipamento dos bondes, um saco de areia da praia, para neutralizar o efeito escorregadio do sabão. Ao fim das jornadas de trabalho, aí por volta das dez horas da noite, todos os bondes eram recolhidos à garagem, que também ficava no Baldo.

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